Cuidado com aquilo que você compartilha na Internet! Falsificação pode resultar em processo e até dar cadeia.


Estamos em pleno ano eleitoral e, daqui para frente podem ter certeza de que a rede vai estar infestada de mentiras, falsificações, esse tido de coisa, por isso me dei ao trabalho deste artigo. Espero que, de alguma forma, ele sirva de alerta para nós.

Para ver as fotos e entender melhor o texto será preciso acessar o link da própria revista:

http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/capas-atribuidas-a-veja-tentam-confundir-o-leitor


Desde o ano passado a foto da esquerda circulou (e ainda hoje circula) pela internet como sendo a capa da Revista Veja do dia 13 de janeiro de 2013. Segundo a suposta capa, a Interpol haveria descoberto um “desvio de mais de U$ 500 bilhões (sic) em Paraíso Fiscal”. A revista não é propriamente o que se possa chamar de modelo de isenção e de bom jornalismo, mas por certo não grafaria erradamente U$ 500 bilhões. A imagem que se vê à direita é a verdadeira capa da revista (por sinal do dia 9 e não do dia 13 de janeiro). Vamos dar de barato que a falsificação tenha sido apenas um jeito inocente de protestar, mas isso pode ter consequências, resultar em processo e até dar cadeia.

A pessoa que produziu a falsificação incidiu no crime de calúnia (crime contra a honra) ao imputar a “18 integrantes do PT” o desvio do dinheiro e atribuir a responsabilidade ao ex-presidente Lula.

Como vivemos num estado democrático de direito, a liberdade de expressão está assegurada pela constituição e permite a todos a livre manifestação do pensamento. Mas isso não quer dizer que todo mundo tenha imunidade para falar o que bem entender e de forma irresponsável. Aliás, há uma diferença flagrante entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa e todos deveriam conhecê-la.

Posso recomendar-lhes um excelente livro sobre o assunto: Liberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa, do Professor Venício A. de Lima, Editora Publisher, São Paulo, 2010, com prefácio do Professor Fábio Konder Comparato. Publiquei uma pequena resenha do livro, aqui mesmo, em 02/05/2013.

A seguir faço um copia-e-cola de um arrazoado (bem escrito, diga-se de passagem) do Blog Limpinho e Cheiroso, de 26 de maio de 2013, que expressamente autoriza que seus textos sejam compartilhados, desde que citada a fonte:

[...] a mesma lei que pune a calúnia permite o que os juristas chamam de “exceção da verdade” (ou exceptio veritatis): se quem alegou (quem produziu a capa fictícia) conseguir provar o que foi alegado – no caso, que o ex-presidente desviou um terço do PIB brasileiro – não haverá pena. Mas note que aqui o ônus da prova é invertido: quem produziu a capa é que terá que provar que o que disse é verdadeiro. E provar é sempre muito mais difícil. Especialmente porque não bastam alegações de cunho amplo como “ah, mas ele fez o Brasil perder US$ 500 bilhões em desenvolvimento”. O ônus é produzir provas específicas de que ele de fato desviou os tais US$ 500 bilhões (em linguagem jurídica esse crime se chama peculato).
“Ah, mas a intenção era só fazer algo engraçado”. De fato, o chamado animus jocandi – a intenção de fazer uma brincadeira – exclui a possibilidade de calúnia. É por isso que humoristas e cartunistas raramente são processados por calúnia, embora possa ocorrer, pois até o humor tem limites.
O problema do animus jocandi é que ele precisa ser claro. Vamos exemplificar: pode ser claro por causa de quem diz (a pessoa é uma comediante), das circunstâncias em que é dito (a alegação é feita em um programa humorístico ou em um teatro), do que é dito (o que é dito é tão surreal que só pode ser uma piada) ou de como é dito (foi dito em puro tom de gozação).
Mas, na capa falsa, as quatro coisas estão ausentes ou são percebidas apenas nos detalhes. Como a imagem é distribuída via e-mails e redes sociais com um mero pedido de “compartilhe”, sem indicação de autoria, não é possível saber se quem enviou tinha apenas a intenção de fazer um gracejo. E como só dá para perceber que é uma montagem analisando detalhes que podem se perder na falta de resolução da imagem, fica difícil [...] Pense nesta analogia: se alguém colocar um outdoor dizendo que um inocente cometeu um crime, não adianta ele colocar em letras minúsculas no pé do outdoor que é só uma piada. O mesmo vale para qualquer outro tipo de imagem ou texto.
Nossa doutrina também diz que não há calúnia se o que é dito é tão absurdo que não faz sentido. Mas, no caso da montagem acima, o simples fato de o montante ser muito alto não impede a configuração da calúnia. Valores extremamente altos podem ser desviados. Ou seja, é algo crível, ainda que improvável. O absurdo que a doutrina exclui da calúnia seria algo como [...] “ele aceitou uma das pirâmides do Egito como propina”.
Logo, se for fazer uma brincadeira que possa ofender a dignidade de alguém, tome cuidado para deixar bem claro que é uma brincadeira. Se for um protesto, proteste contra a ideia ou o posicionamento da pessoa, não contra a pessoa em si.
Mas ainda que você deixe claro que é uma brincadeira, no caso da matéria acima ainda haveria o problema do uso indevido das imagens.
Olhando a capa, ela de fato parece ser uma capa da revista. Só que o nome Veja e os elementos de identidade visual – como o tipo de fonte, a borda nas quatro letras, o tamanho da fonte em relação à página, a logomarca do grupo Abril (a árvore verde), o nome da editora, a diagramação etc., pertencem e são de uso exclusivo da Editora ou de quem ela expressamente permitir usar. [...] Mas existe uma segunda vítima na questão da imagem: o ex-presidente, cuja foto foi usada. A imagem da pessoa pertence à pessoa e só pode ser usada com permissão da pessoa ou quando há relevância jornalística. Logo, se o caso fosse verdadeiro, não haveria problema no uso da imagem sem permissão: teria relevância jornalística. Mas, no caso acima, quem fabricou a capa sabia, desde o início, que o que estava alegando não era verdadeiro. Logo, não havia relevância jornalística em momento algum. Portanto, a imagem só poderia ter sido utilizada se houvesse permissão do ex-presidente. O que, obviamente, ele provavelmente não deu. Não importa que ele seja uma figura pública: se não há relevância jornalística, ele merece tanta proteção quanto um desconhecido na esquina. O que varia é apenas que uma pessoa pública gera mais interesse jornalístico, mas ela ainda tem direito à imagem e privacidade.
Se a imagem foi usada sem a permissão do retratado, e não havia relevância jornalística que justificasse o uso da imagem, quem teve sua imagem usada indevidamente pode buscar reparação pelas perdas e danos sofridos.”


Para encerrar, fica a recomendação:
Antes de ceder ao impulso de ‘compartilhar’, cheque a fonte, tenha o cuidado de preservar seus amigos de serem iludidos em sua boa-fé. Somos responsáveis por aquilo que compartilhamos. Nossos amigos, suponho, acreditam em nós. Pense como é desagradável passar por mentiroso ou falsário junto com o verdadeiro ou os verdadeiros culpados e, no fim, ter que pedir desculpas. E, acima de tudo, procure preservar a você mesmo e a sua credibilidade.