Pizza, Carnaval e a Mentalidade Revolucionária

Os mensaleiros foram inocentados do crime de formação de quadrilha. É claro que, para aqueles ministros do Supremo Tribunal Federal que votaram a favor da absolvição, o conceito de quadrilha não é o mesmo que encontramos no dicionário ou no código penal brasileiro. Segundo o Michaelis, por quadrilha entende-se: “Pequeno grupo de malfeitores associados, dirigidos por um chefe e dedicados especialmente ao roubo e latrocínio.” E, segundo artigo 288 do código penal, constituí crime: Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes.

O esquema mental que permite a alguns juízes realizarem interpretações estapafúrdias de leis e conceitos é correlato à estrutura da mentalidade revolucionária, conforme definição dada por Olavo de Carvalho: “Mentalidade revolucionária” é o estado de espírito, permanente ou transitório, no qual um indivíduo ou grupo se crê habilitado a remoldar o conjunto da sociedade – senão a natureza humana em geral – por meio da ação política; e acredita que, como agente ou portador de um futuro melhor, está acima de todo julgamento pela humanidade presente ou passada, só tendo satisfações a prestar ao “tribunal da História”.

Quando defendeu o terrorista Cesare Battisti perante o STF, o qual, é importante lembrar, havia sido condenado à prisão perpétua pela justiça italiana, o ministro Luís Roberto Barroso exemplificou isto de modo translúcido: "Ele é nascido em uma família comunista, milita no movimento comunista desde os 10 anos de idade, foi da juventude comunista, foi da Lotta Continua, foi da Autonomia Operária, até ingressar para o PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) em 1976. A única ofensa real que ele sofre neste processo, é dizer-se que ele é um criminoso comum, um homem que dedicou a sua vida, certo ou errado, à luta política." O esquema aqui é bastante simples: “nobres ideais” devem se sobrepor às práticas criminosas utilizadas para alcançá-los. Suspeito que ideias (ou ideais?) similares e tão pitorescas quanto estas já perambulassem pela nobre mente de Barroso, quando se debruçava sobre a ação penal 470, antes mesmo de adentrar a suprema corte.

Para Joaquim Barbosa restou apenas o espanto com alegações que, me parece, constituem a manifestação mesma da mentalidade revolucionária: “Eu não acredito que esses réus tenham se reunido para a prática de crimes”. Na "hora do espanto", JB não deixou passar a oportunidade de dar a nação um alerta que, poucas horas mais tarde, se confirmou verossímil: "Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo." No dia seguinte, a revista Exame informava: "Defensores dos condenados pretendem entrar com pedido de revisão criminal, o que poderia levar, em último caso, à anulação completa das penas." O futuro talvez ainda guarde reviravoltas na ação penal 470.

Por fim, não deixa de ser notório, para a história da justiça brasileira, que a condenação dos mensaleiros por crime de formação de quadrilha tenha sido promulgada no dia da proclamação da república, e revogada na véspera de carnaval. Parece que nem tudo no Brasil acaba em pizza, afinal, carnaval também é uma ótima pedida.

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