A Doutrina do Choque

O documentário “A Doutrina do Choque”, produzido em 2009 pela jornalista, escritora e ativista canadense, Naomi Klein, baseado no livro “The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism” da mesma autora, apresenta uma série de aspectos que influenciam tomadas de decisão e manipulação de pessoas em todo o mundo em variados contextos. O conteúdo retratado no material pode ser associado às

ideias extraídas das teorias de Karl Marx, Carl Schmitt e Giorgio Agamben, quando, respectivamente, expõem: sobre a alienação dos indivíduos em relação ao capitalismo; sobre o estado de exceção decorrente do Estado de Direito; e a permanência do estado de exceção ao bel prazer dos líderes soberanos. A autora aponta, sobretudo, três formas que foram e são utilizadas para subjugar indivíduos e as massas: o choque elétrico, o choque econômico e o choque da guerra.

O choque elétrico, inicialmente utilizado pelo Dr. Cameron como tratamento em pacientes com traumas psicológicos, objetivava a restauração do cérebro do eupático, em que consistia num “reset” da memória para que essa pudesse ser realimentada e disciplinada, uma “lavagem cerebral” intentando apagar o passado traumático. A paciente Janine Huard foi submetida a esta experiência quando sofria

de depressão pós-parto e relata os terrores do tratamento. Esta técnica do choque elétrico foi também utilizada pela CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos), para obter informações privilegiadas de prisioneiros de guerra. O choque elétrico concomitante com outras técnicas, como por exemplo, a insônia forçada através de sons altos e irritantes, ameaças com cães e agressões físicas, tinham

como objetivo desestabilizar o indivíduo, tornando-o vulnerável e maleável, possibilitando a extração de informações confidenciais.

O choque econômico, também entendido como as crises financeiras, também pode ser, conforme o documentário, uma oportunidade para o soberano imputar medidas outrora inaceitáveis e incabíveis à sociedade. A resolução do problema necessita de uma decisão grave, para tanto se instala o estado de exceção, que conforme Schmitt, decorre do estado de direito, momento ao qual a soberania do Estado é

revelada. Neste período pode haver suspensão de direitos básicos e mudanças radicais, contudo, o objetivo desse estado é solucionar o empasse, restaurar a ordem e devolver à sociedade sua autonomia. Um exemplo apresentado no documentário é sobre Margaret Thatcher, conhecida também como “Dama de Ferro”, foi a primeira mulher a assumir o cargo de Primeiro-Ministro na Grã Bretanha em 1979. Nesse período o país sofria uma grave recessão econômica com taxas de

inflação elevadas e altos índices de desempregos. Logo no início de seu mandato, Thatcher implementou uma série de medidas e mudanças em relação a cobrança de impostos e reformas trabalhistas, com o intuito de contornar a crise e recuperar a nação. Contudo, muitas vezes, ocorre que nos momentos de crises, os governos utilizando-se da fragilidade da sociedade, instabilidade esta, semelhante ao resultado do choque elétrico e tortura empregados pela CIA, instalam um permanente estado de exceção conveniente ao Estado, conforme previa Agamben.

Esses momentos de crises são ideais para revoluções na economia por iniciativa dos governos, com maior ou menor interferência nas relações individuais. Este quadro pode ser assimilado com a crítica de Marx ao capitalismo, pois a sociedade trabalhadora está sempre alienada. A maioria dos países que enfrentam ou enfrentaram crises financeiras, a classe trabalhadora foi a mais, se não a única, prejudicada. A Grã-Bretanha, por exemplo, que de acordo com o documentário,

mesmo no período de crise as diferenças salariais eram enormes. Enquanto a classe operária passava por privações, a capitalista continuava a esbanjar.

O choque da guerra compreende as crises e os conflitos entre países ou mesmo uma guerra civil. Não diferente, sobretudo neste período, é comum a instalação do estado de exceção, neste caso ainda mais profundo, com a privação de direitos fundamentais outrora garantidos pelo Estado. Além de perderem direitos os cidadãos podem ser enviados à guerra, como aponta Schmitt, o soberano dispõe sobre a vida de seus súditos.

A permanência de conflitos armados pode ir além da intenção de restauração da paz e da ordem. Os Estados Unidos, como mostra o documentário, durante a guerra contra o Iraque, desenvolveu em larga escala a indústria bélica diante da grande demanda da guerra. Há sem dúvida interesses econômicos, podendo ser um grande motivo velado para a prorrogação do estado de exceção, como aponta, inequivocamente, Agamben.

Os resultados do estado de exceção são incalculáveis. Após a inserção de políticas nunca antes vistas, a cultura, o pensamento e o comportamento dos indivíduos são mudados. Como se pode observar nos Estados Unidos, após os ataques de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas, qualquer pessoa pode ser considerada suspeita ou terrorista, possibilitando que o Estado esteja sempre controlando e investindo em espionagem nacional e internacional, suspendendo direitos básicos como o da privacidade e o princípio da inocência, sendo permanente as medidas de segurança.

Referências:

KLEIN, Naomi. A Doutrina do Choque, 2009.

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ME-dKv2W9xU>

Acesso em: 11/2016.