Sobreviventes de 64

Eu tenho apenas 23 anos e não vivi os anos de chumbo pós-golpe de 64. Foi através dos livros de história, filmes e relatos de sobreviventes que soube dos horrores que levaram muitos aos porões da tortura e as valas seus corpos abandonados. Na fala dos militantes, dos presos políticos, dos delatores dos crimes ideológicos me choquei com tantas crueldades que a humanidade pode permitir em busca de poder. Mesmo não tendo vivido nada disso sinto minha pele arrepiar aos ouvir a palavra "Ditadura", e me faz acelerar o coração só de pensar que em algum momento podem estar planejando mais uma vez golpear nossos direitos e arrancar a autonomia construída a duras penas no Brasil e na base da violência retroagir a nossa cidadania.

Me lembro da minha última visita ao Memorial da Resistência aqui em SP com a minha irmã e companheira de luta Emilia Fernandes e como choramos ao ler sobre um militante contra-ditadura que foi duramente torturado e morto violentamente por ser opositor aos militares. Foi pesado demais saber que nossas ideias sobre dignidade humana podem ser repreendidos na base do terror. A memória ainda que muito dolorosa as vezes é um recurso muito importante para que tenhamos a possibilidade dupla de refletir sobre nossos atos e as consequências deles, por isso ainda que muito cruel relembramos nesses locais essa desumanização que a ditadura nos proporcionou não me permito esquecer de nada do que aconteceu.

Mas ao que parece existem muitas pessoas, das quais algumas tenho a infelicidade e o desprazer de ouvir falar , que se destituem de toda a sua empatia e humanidade em prol da repressão de todos os que que defendem as minorias, a igualdade social, de direitos e oportunidades. A violência, a crueldade e as dores que abalam as estruturas físicas e psicológicas não são nada perto do ódio do que esses monstros saudosistas tem defendido. E o pior: ver seus discursos serem reproduzidos por pretos, pobres e periféricos! Homens e mulheres que mesmo destituídos de condições básicas cegam-se diante da balbúrdia que nosso parlamento se tornou.

Escrevo agora com lágrimas nos olhos pensando que todos os mortos de 64 se foram em vão, morreram por um Brasil que mal se constituiu e novamente é jogado no abismo da ganância de uns sobre os outros. Me dói no peito Joões e Marias que nunca voltaram para suas famílias, mas que lutaram por elas, por nós que hoje temos 20 e poucos anos e que só sabemos de suas trajetórias nos livros de história. Está sendo muito duro dividir o mesmo espaço com as pessoas "sem memória", sem compromisso com a verdade, que não consideram tudo o que já nos aconteceu no passado.

Mais do que um golpe na Democracia, na política justa e constituída na vontade de milhões de brasileiros (Que saíram da pobreza, foram pra universidades e hoje tem condições de vida muito melhores que em qualquer outro momento), também estamos sofrendo um ataque a nossa história, aos nossos guerreiros, aos nossos Zumbis, Dandaras, Olgas, Prestes, Herzogs e Rousseffs e isso eu não posso admitir. Não quero minha memória apagada, não quero a minha história destruída e não quero que no futuro outras pessoas de 23 anos vejam mais uma vez a construção de uma sociedade digna ser substituída pela repressão.

Não aceitarei isso calada, não vou permitir que silenciem nossos direitos políticos, não darei brecha para a insurreição dos fascistas. Se você está ao lado deles de maneira alguma está ao meu e entre o retrocesso e a mudança social eu não vou vacilar diante desse golpe.

Ruana Castro
Enviado por Ruana Castro em 29/01/2017
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