Conservadores progressistas?

Esta talvez seja uma das “contradições em termos” mais descaradas que conheço. Chega a ser paradoxal. E, infelizmente, uma atitude muito comum. Conservadores adoram se dizer progressistas, algumas vezes acrescentando este termo aos partidos que criam. A bandeira brasileira, criada por militares positivistas, tem escrito “Ordem e Progresso”.

Entre os “civis”, na verdade, nem sempre revela uma contradição. É mais uma questão de onde pode ou não haver progresso. As organizações Globo, por exemplo, são extremamente conservadoras na economia, mas progressistas nos costumes. Se é inegável que apoiaram o golpe militar, esconderam a campanha das “diretas já” e nunca aceitaram a ascensão do PT ao poder, por exemplo, também é inegável que apoiaram, e apoiam, o combate à discriminação de raça, gênero e orientação sexual.

O paradoxo parece surgir, em todo seu esplendor, quando se vê alguém que, ao estilo Odorico Paraguaçu, se diz absolutamente “conservadorista” e defensor do “progressismo”, Tenho pena dos poucos políticos sérios que, frequentemente, são obrigados a ouvir esta asneira de seus adversários. Porém aprende-se que os paradoxos não costumam ser reais, são apenas consequência de uma compreensão inadequada dos fatos1. Peguemos novamente o caso da bandeira brasileira. Nitidamente a ideia era a do deslocamento militar, mudar de lugar mantendo a estrutura, soldados andando e oficiais em automóveis. Nada de revezamento, afinal feriria a “ordem natural”.

É neste contexto que consigo entender um conservador progressista da elite econômica. A ideia é a do progresso no montante de sua conta bancária, a qual deve se conservar em seu nome. A ideia é, novamente, a da marcha militar: todos devem avançar, desde que ele vá com mais conforto… Em vez de “Ordem e Progresso” o lema deveria ser “Progresso com Ordem”.

Também consigo entender essa postura de alguns trabalhadores, como muitos dos comentaristas econômicos. É a do chofer do automóvel dos oficiais. É melhor dirigir para eles do que ir andando com os outros. Até porque, ele possui a esperança de que a bajulação o tire da posição degradante de soldado para a de oficial. Alguns até o conseguem. Nossa classe média batedora de panelas se encaixa bem aí. Estes sonham em se tornar empresários que, para rapidamente crescerem, precisam ter garantido o direito de exploração desregrada dos que vierem a trabalhar para eles. Pode até ser que, no momento, esta exploração desregrada lhes traga algum desconforto, mas logo eles poderão se desforrar em alguém…

Porém não consigo aceitar um conservador progressista de parte da classe trabalhadora. Daqueles que tem apenas sua mão de obra para adquirir o sustento, e que sabem ser extremamente improvável conseguir uma vaga no jipe. Se alguém já viu o treinamento de recrutas, sabe que eles passam por um intenso processo de lavagem cerebral. O mesmo vale para alguns cultos religiosos. Mesmo assim, quando extenuado pela longa marcha vê passarem os oficiais rindo em um jipe, será que ele não pensa que poderia ser diferente? Sei que todo o processo é montado para que ele não tenha tempo para pensar, que ele é treinado para não questionar, mas, mesmo assim, será que não surge nele uma pequena centelha a dizer “Por que?”.