Por que o Legal nem sempre é Justo?

Em artigo anterior, refletimos e respondemos negativamente à pergunta: o legal é sempre justo? Neste, nosso amadorismo não nos impediu de refletir e responder sobre as causas que fazem o legal nem sempre ser justo, ou num contexto mais radical, “a lei não constrói a justiça”.

A reflexão limita-se sobre nosso sistema, o brasileiro. Para tanto vamos enumerar conceitos e distorções que influenciam ou, até, determinam nossas vidas.

A peculiaridade de nosso híbrido sistema político é que conjuga o pacto Inter partidos do parlamentarismo e a eleição direta para o chefe do governo e do Estado. Terminada a eleição, o Presidente foi eleito pelo seu prestígio eleitoral. Mas, para governar, precisa de apoio político.

Esse é o que chamamos “presidencialismo de coalizão”, ou seja, sem “base aliada” o presidente não governa. Em nosso sistema atual, essa “base aliada” tem processo de construção sem nenhum compromisso em projetos políticos vinculados ao bem comum.

Além disso, a área financeira, representada pelo Banco Central, Conselho de Política Monetária e Ministério da Fazenda funciona como poder paralelo e não entra nesse processo de barganhas para a formação da base aliada. Poder paralelo para garantir a “racionalidade da política financeira”.

As metas de câmbio, inflação, fiscal e a política de juros condicionam todas as outras políticas. Essa trindade de comando financeiro, que não foi eleita, tem poder decisório maior do que todas as outras áreas e o próprio parlamento que, por sinal, mal eleito, pela realidade que vivemos.

O resultado disso é que todas as outras áreas ficam condicionadas a esse poder paralelo, a essa racionalidade. Temos o Estado dividido em dois. Um com poder e outro subordinado. Então, o comando desses grupos financeiros, certamente, tem poder bastante para influenciar o conjunto de leis.

Fácil entender o porquê de presidentes dos mais variados partidos e até os de regimes autoritários jamais se atreverem negociar com esses grupos as dívidas externa e interna, posto que os serviços dessas dívidas representam cifras a caminho de metade do orçamento.

A seguir, vejamos algumas distorções de nosso sistema amplamente confirmadas por: analistas de sociedades; cientistas políticos; sociólogos, historiadores; cronistas... Além disso, devido aos exageros, qualquer leigo, com pouquinho de atenção e informação percebe essas distorções: patrimonialismo; corporativismo; e fisiologismo.

Patrimonialismo é a característica de um Estado que não possui distinções entre os limites do público e os limites do privado. O Estado acaba se tornando patrimônio de seu governante. O Estado brasileiro tem origens no patrimonialismo colonial, ou seja, é herança colonial.

Corporativismo, como sistema político é quando o poder legislativo é atribuído a corporações representativas dos mais diversos interesses.

Já, como conduta ou comportamento é a defesa exclusiva dos interesses de uma corporação. É a forte resistência de pessoas reunidas contra mudanças que pareçam ameaçar seus procedimentos e privilégios, independentemente de serem, além de prejudiciais, afrontas ao senso e bem comum.

Fisiologismo é relação de poder político na qual ações políticas e decisões são tomadas em troca de favores, favorecimentos e outros benefícios a interesses privados, e com o mesmo caráter do anterior.

Antes de entrarmos em outras conceituações, mais do que necessárias, sobre termos utilizados para desenvolvemos nosso entendimento, vamos citar máxima de teoria moderna, Teoria Geral dos Sistemas, que somente poderia ter sido criada por um biólogo, o austríaco Bertalanffy, estudioso dos seres vivos, pesquisador daquilo que gera e mantém a vida.

“Otimizar as partes componentes de um sistema, não otimiza o sistema”

Nosso corpo, que produz vida, quando saudável têm todas suas partes em equilíbrio e harmonizadas. Nenhum estômago briga com outros órgãos para otimizar-se, ou para aumentar seus poderes, enfraquecendo-os e retirando-lhes funções .

Essa sabedoria da vida indica o quanto as distorções, acima citadas, são contrárias à saúde e a vida das sociedades.

Existem imagens muito antigas, como se fossem história em quadrinhos , que ilustram essa sábia máxima, influenciada pelas leis que regem a vida dos reinos da natureza. São dois burros ligados por corda amarrada aos seus pescoços (não sei se existe termo específico em zoologia).

Dois montinhos de fenos estão ao lado de cada burro, mas a distância entre os montes é maior do que a corda. Ou seja, se cada um quiser otimizar sua ação para alimentar-se os dois o máximo que conseguirão é se enforcarem. Se a cooperação e a solidariedade os inspirarem, cada um comerá seu quinhão.

Com relação ao entendimento sobre justiça, intimamente relacionada às ideias e aos ideais de sociedade justa as correntes de pensamento divergem quanto à ingerência do Estado, mas todas relacionam justiça a liberdades individuais, a direitos e igualdade.

Outra diferença é que alguns tratam a desigualdade econômica como justa, quando beneficia muitos. Assistindo a programa da TV Cultura sobre o assunto o filosofo palestrante exemplificou: “imaginem que um dos maiores empresários do mundo transfira todas as suas atividades para Campinas”. “Certamente, muitos crescerão com as oportunidades de trabalho, entretanto, a desigualdade econômica, certamente apresentará contornos mais nítidos”. Essa nova desigualdade com contornos muito mais nítidos seria, se não mais justa, menos injusta que a anterior.

E o palestrante concluiu, se luta por igualdade absoluta expulsasse o empresário e seus negócios de Campinas, retornaríamos a situação anterior e os muitos beneficiados perderiam seus benefícios.

Nosso pensar amador foi surpreendido, por não darem ênfase a deveres e obrigações. Em reflexões sobre justiça achamos que em seus pratos de balança estariam num os direitos e noutro deveres e obrigações.

Entretanto, um dos pensamentos mais propalados sobre justiça indica que para a construção de sociedade justa:

1) Cada pessoa deve ter direitos iguais dentro do mais amplo esquema de liberdades básicas iguais, compatível com semelhante esquema de liberdade para os demais. Aqui significa a garantia das liberdades civis e políticas, como o direito ao voto, ao devido processo legal, liberdade de expressão, liberdade de associação etc.

2) As desigualdades sociais e econômicas não podem ser injustas, mas constituídas de tal maneira que (a) sejam razoavelmente vantajosas para todos e (b) estejam vinculadas aos diferentes empregos e cargos que são acessíveis a todas as pessoas.

Constituição é o conjunto de normas e princípios fundamentais e norteadores do ordenamento jurídico de um país. Todas as demais leis ou qualquer outro texto jurídicos são submetidos à Constituição, não podendo contrariar seu conteúdo.

Lei é norma criada para estabelecer de forma impositiva um ordenamento. A função das leis numa sociedade é disciplinar as ações de indivíduos e instituições de forma que se consiga construir sociedade que caminhe para atributos previamente idealizados: sociedade justa.

Já a lei, em sentido jurídico, é um texto oficial, que abarca conjunto de normas, ditadas pelo poder constituído (Poder Legislativo), que integra a organização do Estado, sua elaboração é disciplinada por norma constitucional.

No âmbito constitucional, as leis são as normas produzidas pelo Estado. São emanadas do Poder Legislativo e sancionadas pelo Presidente da República.

Então, o legal seria sempre justo, quando o Poder Legislativo construísse leis nunca concebidas pelas distorções do sistema. Além disso, os poderes de fiscalização e investigação e os tribunais de justiça deveriam ser eficazes para fiscalizar, investigar e penalizar com rigores proporcionais à função, poderes, responsabilidade e posição na hierarquia social. Como diz a sabedoria popular: “quanto mais alto, maior é a queda”.

No caso nosso, está mais do que demonstrado de que nosso Parlamento em seu conjunto tem poderes para legislar em dependência da Trindade Financeira e sobre influências patrimonialista, corporativista, fisiológica, agravadas com corrupção em níveis absurdos.

Além disso, o parlamento é fraquíssimo no contexto político, pois: é o Executivo, pela figura do presidente da República, que determina o que será votado e quando será votado. Como todas as outras áreas estão subordinadas a área financeira, representada pela Trindade Toda Poderosa, quem acaba ditando a Agenda Presidencial é essa mesma trindade.

Fica fácil concluir de que num Estado com sistema político fragilizado e descompensado pelo poder do capital financeiro e com parlamento com esse perfil doentio com distorções crônicas e corrupção epidêmica, as leis não constroem a justiça e o que é legal, em muitos casos é mais do que injusto.

Então precisamos de revolução para, pelo menos desconstruir essa desordem, para subvertê-la.

Apesar de tratarmos dessa revolução num outro artigo, adiantamos que revolução sim, mas pacífica, através de profundas reformas transformadoras promovidas pelos instrumentos ordenadores, Constituição e Leis.

Artigo relacionado, endereço:

AS LEIS CONSTROEM A JUSTIÇA?

http://www.recantodasletras.com.br/artigos/6072894

Artigo complementar:

PARA QUE AS LEIS CONCORRAM MAIS À JUSTIÇA?

http://www.recantodasletras.com.br/artigos/6084305

J Coelho
Enviado por J Coelho em 10/08/2017
Reeditado em 15/08/2017
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