Erich Gemeinder e Antônio de Souza

Tenho a maior admiração pelos pesquisadores. Eles são os meus heróis. Sem nenhum interesse pessoal, realizam um esforço tremendo em busca do conhecimento que terminam legados à humanidade. São verdadeiros desbravadores da cultura e do saber.

Investem tempo e dinheiro em viagens, às vezes para lugares inóspitos; passam a madrugada lendo e traduzindo livros e documentos; entrevistam pessoas; fazem anotações; sacrificam o lazer etc.

Há cerca de dezesseis anos, esteve em Natal visitando sebos e bibliotecas públicas e privadas, o colecionador paulista de livros raros Erich Werner Gemeinder, à época com 63 anos. Aposentado do Banco do Brasil, Gemeinder, filho de suíços, é considerado um dos maiores bibliófilos do Brasil.

Natural de Lins (SP) e radicado em Votuporanga (SP), ambas no interior paulista, tem uma verdadeira paixão pela vida e obra do ex-governador e escritor norte-rio-grandense Antônio José de Melo e Souza, nascido em Papary (atual Nísia Floresta) em 1867 e falecido no Recife em 1955, aos 88 anos.

A paixão do bibliófilo pelo escritor Antônio de Souza surgiu na década de 50, quando ficou fascinado com o conto “Coisa Fungível em Depósito”, que era parte integrante da coletânea de textos brasileiros organizada por Raimundo Magalhães Júnior. O conto fala da história de um rapaz que foge com uma mulher e a esconde na casa de um primo, que no final acaba engravidando a mulher.

Erich Gemeinder esteve em Nísia Floresta onde o escritor nasceu e no cemitério do Alecrim onde o seu corpo se encontra enterrado. Esteve também no Instituto Histórico e Geográfico do RN e na Cúria Metropolitana, onde teve acesso ao livro com a certidão de batismo do político e escritor. Criterioso e detalhista, o pesquisador também pretendia encontrar a certidão de casamento de seus pais.

Gemeinder não entende porque Antônio de Souza é um desconhecido na sua própria terra e por seus próprios conterrâneos, pois exerceu funções importantes no Estado: Promotor de Justiça, Diretor da Instrução Pública, Secretário Geral do Estado, Procurador Geral com assento no Tribunal de Justiça, Consultor Geral do Estado, Procurador da República, Deputado Estadual, Deputado Federal, Senador da República duas vezes e governador do Estado também duas vezes.

No campo intelectual, Antônio de Souza é mais conhecido pelo seu pseudônimo Polycarpo Feitosa. O bibliófilo paulista tem toda a sua obra composta de livros raríssimos e quase toda ela completamente fora de catálogo. A mais conhecida é o romance “Gizinha”, que foi reeditada pela Fundação José Augusto em 1965, durante o governo Aluísio Alves.

“Polycarpo Feitosa precisa ser resgatado, não só no Rio Grande do Norte, mas em todo o Brasil” – disse o bibliófilo que desde os 50 anos vem pesquisando e colecionando a obra do escritor. “Ele não faz questão de divulgar nada, era um solteirão que acompanhava as revistas francesas de literatura, estava altamente atualizado, mas fazia questão de publicar os seus livros por conta própria”.

Conforme o jornalista e escritor Carlos Magno Araújo, Antônio de Souza é um potiguar ainda a espera de uma biografia à altura. Nesses tempos de corrupção, de falta de credibilidade da classe política, viria mesmo a calhar o exemplo do velho e íntegro Polycarpo Feitosa.

Acabo de ler um ensaio bibliográfico ínsito da coleção “Presença” da Caravela Selo Cultural e 8 Editora, da verve do escritor potiguar Manoel Onofre Jr., que busca resgatar, ainda que de forma incipiente, a vida e obra do escritor e ex-governador injustamente esquecido pelos seus conterrâneos: “Polycarpo Feitosa, o excêntrico Dr. Souza”. [1]

Poeta, contista, romancista, dramaturgo, jornalista, Polycarpo Feitosa escreveu as seguintes obras listadas por Manoel Onofre Jr. no livro Salvados, 2000, pag. 211: [2]

• Sertaneja (novela) Natal. 1899.

• Flor do Sertão (romance). Tipografia de “A República”. Natal. 1928.

• Gizinha (romance). Tipografia do Anuário do Brasil. Rio de Janeiro. 1930 – 2ª Edição, Fundação José Augusto, Natal, 1965.

• Alma Bravia (romance). Estabelecimento Gráfico Apolo. Rio de Janeiro, 1934.

• Encontros do Caminho (contos). Estabelecimento Gráfico Apolo. Rio de Janeiro, 1936.

• Os Moluscos (romance). Oficina Gráfica Renato Americano. Rio de Janeiro, 1938.

• Gente Arrancada (romance). Estabelecimento Gráfico Friedrich Fuchs. Rio de Janeiro, 1941.

• Jornal de Vila (poesia). Oficinas Gráficas Sffreddo & Gravina Ltda. Rio de Janeiro, 1939.

• Dois Recifes (memórias). Imprensa Industrial, Recife, 1945.

• Quase Romance...Quase Memória... Imprensa Oficial RN, Natal, 1969.

O bibliófilo Erich Werner Gemeinder faleceu em 19/08/2010, aos 79 anos, na cidade de Votuporanga (SP), onde residia há 14 anos. Era membro da Academia de Letras do Estado do Rio Grande do Norte, e ocupava a 12ª cadeira da Confraria dos Bibliófilos, em Brasília. [3]

REFERÊNCIAS:

[1] JÚNIOR, Manoel Onofre. Polycarpo Feitosa, o excêntrico Dr. Souza. Caravelas Selo Cultural e Editora 8. Natal. 2016

[2] JÚNIOR, Manoel Onofre. Salvados. Editora Sebo Vermelho. Natal, 2000.

[3] A CIDADE, o Jornal de Votuporanga (SP). Disponível em: http://www.acidadevotuporanga.com.br/falecimento/2010/08/falecimentos-n870.

DJAHY LIMA
Enviado por DJAHY LIMA em 21/10/2017
Reeditado em 21/10/2017
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