MÁRIO KOZEL FILHO - 50 ANOS DE UMA COVARDIA

1968 é considerado o ano mais marcante da década de 60 e um dos mais agitados do século XX. Foi um ano de fatos importantes, como o início dos transplantes de coração, a (curta) Primavera de Praga, a viagem em órbita da Lua, as revoltas estudantis, a intensificação dos conflitos no Vietnã e, no Brasil, a edição do AI-5 e o fechamento do Congresso. Foi nesse ano, mais precisamente em 26 de junho, que o terrorismo de esquerda perpetrou um de seus atos mais covardes. A vítima foi um recruta de apenas 18 anos, Mário Kozel Filho. Incorporado ao serviço militar obrigatório em janeiro daquele ano, Kuca, como era chamado pela família, foi designado para servir em Osasco. Em 26 de junho, estava de sentinela em uma das guaritas do QG do II Exército, inaugurado três meses antes, ao lado do ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Por volta de 4h30 da madrugada, percebeu que algo errado estava acontecendo. Primeiro, ouviu um tiro disparado por outra sentinela contra uma picape que corria pela rua dos fundos do QG e não obedeceu a ordem para parar. O veículo percorreu mais alguns metros quando o motorista saltou e foi recolhido por um Fusca que passava pelo local. A picape deveria chocar-se contra o portão do QG, mas, desgovernada, bateu num poste e, em seguida, parou junto a um muro do quartel. Sem entender direito o que estava acontecendo, Mário Kozel Filho saiu de seu posto e aproximou-se do veículo. Neste instante, cerca de 30 quilos de dinamite explodiram, estraçalhando seu corpo. Um de seus braços foi encontrado a cerca de 30 metros de distância. Outros seis militares foram feridos na explosão.

As investigações que se seguiram concluíram que o atentado foi uma ação da VPR – Vanguarda Popular Revolucionária, uma das organizações terroristas que pretendiam substituir a ditadura militar por um governo comunista. Ao contrário de outras ações, como assaltos a bancos, que buscavam obter recursos financeiros, o atentado ao QG do II Exército foi uma resposta ao que a VPR considerou um desafio. Quatro dias antes, quatro integrantes da organização vestindo fardas do Exército, haviam assaltado o Hospital Militar do Cambuci, levando 9 fuzis FAL. Ao saber da ocorrência, o então comandante do II Exército, general Manuel de Carvalho Lisboa, desafiou os terroristas a atacarem seu quartel. Desafio proposto, desafio aceito. E consumou-se a tragédia.

O atentado de 26 de junho foi planejado, coordenado e executado por dez elementos, sendo 8 homens e duas mulheres. A trajetória de um deles, em especial, merece ser destacada: Diógenes José Carvalho de Oliveira. Acusado de ter preparado a bomba – havia feito curso de guerrilha em Cuba, com especialidade em explosivos - foi preso em março de 1969, mas solto e extraditado em março de 1970, trocado pela vida do cônsul japonês Nobuo Okuchi. Beneficiado pela Lei da Anistia, sancionada em 1979 pelo ex-presidente Figueiredo (aquele que afirmou ser o cheiro dos cavalos melhor do que o cheiro do povo), Diógenes pode voltar ao Brasil. Filiou-se ao PT gaúcho, foi secretário dos Transportes do prefeito Olívio Dutra (1989 - 1992) e figura influente em seu governo (1999 – 2002). Em decreto assinado pelo ex-ministro da Justiça Tarso Genro em 2008, o governo do ex-presidente (e agora presidiário) Lula da Silva, concedeu-lhe uma aposentadoria no valor de R$ 1.627,72 mensais, com efeito retroativo, a título de “reparação econômica de caráter indenizatório” num total de R$ 400.337,73.

Quanto ao soldado morto, foi enterrado com honras militares e promovido a 3º sargento post mortem. Duas escolas municipais de São Paulo foram batizadas com seu nome e, em sua homenagem, a avenida que passa em frente ao antigo QG do II Exército, atualmente Comando Militar do Sudeste, passou a chamar-se Sargento Mário Kozel Filho. Por não pertencer ao quadro efetivo do Exército, embora estivesse prestando serviço militar obrigatório, sua família não teve direito à indenização ou pensão. Apenas em 2001 o Ministério da Justiça solicitou uma pensão especial para seus pais, que foi concedida em 2003, no valor de R$ 300,00. Em 2005, foi reajustada para R$ 1.140,00. Como o INSS e o Ministério da Previdência “esqueceram” de avisá-los na época, somente em 2007, quase 40 anos após o atentado, eles tiveram acesso ao dinheiro.

Para a extrema esquerda, o atentado rendeu publicidade; para o governo, foi uma das ações que, juntamente com outros atos violentos, serviu como justificativa para a edição, em 13 de dezembro de 1968, do famigerado AI-5; para a família Kozel, foi uma perda irreparável. E a constatação de que, no país da impunidade, crimes podem ser recompensados.