EXISTE MORALIDADE SEM DEUS?

(Refutando William Lane Craig)

Como bem sabem aqueles que estão familiarizados com os debates teológicos, existe uma série de argumentos que tentam provar, através da razão, a existência de Deus. No entanto, todos eles falham miseravelmente num ou noutro ponto (que poderão ser discutidos em outro artigo). Os Filósofos que considero os mais intelectualmente honestos reconhecem essa dificuldade, quer sejam eles teístas, ateus ou agnósticos. A saída encontrada pelos primeiros foi admitir a impossibilidade de se provar racionalmente a existência de algo que transcende a própria razão. Todavia, estes filósofos mais céticos quanto ao poder da razão elaboraram uma forma diferente de tentar justificar, não a existência, mas a crença em Deus: provar que acreditar em Deus é melhor que não acreditar.

Algumas dessas formas de argumentos fazem parte de um gênero que chamamos de Argumentos Morais. Os argumentos morais populares, que são o escopo deste artigo, dizem que devemos acreditar em Deus porque, caso contrário, não seríamo ou não teríamos motivos para ser bons, ou porque sem a existência de Deus as normas morais seriam vazias, inúteis e arbitrárias. Para as pessoas mais sensatas é aparentemente absurdo acreditar que que sem a crença em Deus nos tornaríamos mostros ou animais irracionais, no entanto esse argumento parece fazer muitas pessoas pensarem dessa forma, por exemplo, quando têm que emitir alguma opinião sobre os descrentes. Estes logo são vistos como imorais, pervertidos ou potencialmente perigosos. Se não acreditam que algum ser superior os punirá pelos seus erros, os descrentes não têm nenhuma razão para fazer o bem. Não precisa dizer que este argumento é fraco. Embora exemplos particulares não provem coisa alguma, não é preciso fazer grandes esforços para trazer à memória o nome de algum descrente virtuoso e algum crente extremamente imoral, invertendo, assim, o resultado esperado pela crença em Deus. Mas, como já foi anteriormente dito, exemplos particulares não provam coisa alguma, mas para isso o artigo “Países Menos Religiosos São Mais Justos, Confirmam As Pesquisas”, escrito por mim mesmo e publicado no Recanto das Letras, pode ser apontado como um bom argumento contra a tese de que descrentes são imorais. Como diz o artigo, os países com maiores índices de descrentes são, aparentemente, os países onde há menos injustiça, corrupção, crimes, etc. (não inclui no artigo países como China, Vietnã, Coréia do Norte, entre outros, porque nesses países a descrença não foi um fenômeno natural, mas imposto pelo Estado).

Achar que a crença em Deus vai nos tornar pessoas moralmente melhores parece não ter futuro. O “filósofo” e apologista norte americano William Lane Craig parece concordar conosco nesse ponto. No seu artigo intitulado “A Imprescindibilidade de Bases Meta-Éticas Teológicas para a Moralidade”* , o Dr. Craig diz que “Seria realmente arrogante e ignorante afirmar que as pessoas não podem ser boas sem uma crença em Deus”. Não obstante, o Dr. Craig defende a segunda forma de argumento moral popular antes mencionado, o que diz que sem a existência de Deus, as normas e ações morais seriam vazias. É nesse argumento que a maior parte deste artigo será focado, mas antes de adentrarmos seus vestíbulos, é interessante notar, com um certo estranhamento, que o Dr. Willian L. Craig utilize argumentos morais para justificar a crença em Deus e também se utilize de outros argumentos, em outras ocasiões, como argumento cosmológico e teleológico, a fim de provar diretamente a sua existência. Como foi dito no primeiro parágrafo, esse tipo de argumento é geralmente levantado por filósofos céticos em relação à capacidade de se provar racionalmente a existência de Deus, como Pascal ou Kant, o que não é o caso do Dr. Willian L. Craig, que não se cansa de repetir os velhos argumentos de Tomás de Aquino, como se desprezasse toda a tradição filosófica posterior.

O que o Dr. Craig defende é que, se Deus não existe “os valores que apreciamos e guiam nossas vidas são meras convenções sociais assim como guiar do lado direito versus do lado esquerdo da rua ou meras expressões de preferência pessoal assim como ter um gosto por certas comidas ou não”, com direito a cintação do célebre texto de Dostoiévski, “se não há imortalidade, então todas as coisas são permitidas”. Não obstante, Deus garante que nossos valores sejam “válidos independentemente das nossas apreensões deles”. Como todo argumento moral, este também não deveria ter pretensões de provar a existência de Deus, apenas mostrar os “fundamentos para a crença em Deus”, mas aparentemente não é isso que tenta fazer o Dr. William L. Craig. Ele quer que seu argumento seja uma genuína prova teórica. Em resumo, ele tenta mostrar que, sem Deus, não existem valores morais objetivos, nem responsabilidade moral. Consideraríamos ações morais como certas ou erradas simplesmente por concordância. Se alguém discordasse que matar é errado, por exemplo, não haveria modos de justificar nossa opinião e teríamos que aceitar a opinião contrária como igualmente válida. O fundamento dos juízos morais seriam a cultura ou os próprios indivíduos, não havendo, pois, nenhuma razão concreta para condenar as atitudes dos nazistas. Também sem Deus não teríamos reais motivos para fazer o bem (embora, de algum modo, possamos fazê-lo), retomando o argumento já comentado no segundo parágrafo, mas modificado em alguns pontos (nesse caso, pode-se fazer o bem se Deus não existir, mas não haveriam motivos reais para isso).

O Dr. William L. Craig comete dois erros na sua análise meta-ética: um clássico e outro típico. O erro clássico é que a ética teológica apresentada pelo Dr. Craig não se sustenta. Não há nenhuma justificativa racional do porque de certas ações serem boas ou más na ética teológica. É inútil dizer que, por exemplo, matar é errado porque Deus assim o postulou. Dessa forma, ações e normas morais são coisas totalmente arbitrárias, apesar de o Dr. Craig afirmar inutilmente o contrário. Se Deus, por exemplo, dissesse que matar não é errado, então não seria errado, pois Deus é o critério último do bem. O Bom é, nesse sentido, somente aquilo que Deus aprova, não tendo, pois, nenhum valor em si mesmo. Objetores podem dizer que Deus jamais aprovaria o assassinato, mas ao dizer isso, estão afirmando implicitamente que o assassinato é imoral independentemente do que Deus pense a seu respeito. Com efeito, o assassinato parece mau em si mesmo. Nas palavras de Peter Singer, “Platão refutou afirmação semelhante há mais de dois milênios, argumentando que, se os deuses aprovam algumas ações, isso deve ocorrer pelo fato de tais ações serem boas, e que, portanto, não é pela aprovação dos deuses que se tornam boas”. Em outra parte do mesmo parágrafo, a fim de evitar a famosa tréplica “Deus quer o bom porque ele é bom em si mesmo”, Singer pergunta “o que estarão querendo dizer (os teístas) ao afirmarem que Deus é bom? Que Deus aprova a si mesmo?”, mostrando que o conceito de bondade divina não passa de um círculo vicioso.

Analisada mais a fundo, a base meta-ética defendida pelo Sr. William L. Craig não se sustenta. O que o teólogo faz é apenas tomá-la como um postulado, sem analisar a fundo suas implicações. Ela se mostra superficial e insuficiente para sustentar um sistema ético, pois não é capaz de responder às questões que lhe são inerentes. A ética teológica é apenas melhor que o ética relativista, mas também tem suas complicações. Isso, no entanto, não quer dizer que ela seja o melhor sistema ético que dispomos ou que possamos formular. Esse é o segundo erro do Dr. Craig, um erro típico. É comum, quando, guiados pela paixão, se tem uma enorme vontade de ter razão, ignorar objeções que poderiam por fim ao nosso ponto de vista. Os apologistas sabem fazer isso muito bem, principalmente o Dr. William L. Craig, que parece ter a mania de ignorar a tradição filosófica. Aqui ele cria um falso dilema, como se fosse possível só e somente só as duas posições por ele levantada, esquecendo que existe outro ponto de vista que é contrário tanto à ética teológica quanto à ética relativista, o Consequencialismo. Não creio que o Dr. Craig omitiu esse ponto de vista por ignorância, mas por má fé mesmo. Se ele não conhecia o consequencialismo, não vejo porque ele deveria ter alguma autoridade para falar sobre ética.

A ética teológica e relativista são opostas, mas não são totalmente antagônicas. São, na verdade, como dois lados de uma mesma moeda. Existe uma terceira postura que não concorda com nenhuma das duas posições, e se mantém distante dos seus pressupostos. O que faz com que as éticas teológicas e relativistas não sejam substancialmente distintas é que ambas aceitam que normas e ações morais podem ser boas ou más em si mesmas. O que as diferencia é que, na primeira, normas, ações e valores morais são absolutos (ou objetivos), enquanto na segunda, são relativos (ou subjetivos). Na primeira, os valores morais são objetivos e válidos em qualquer tempo e lugar porque são o legado de um Deus infinitamente perfeito e bom (embora eles são saibam explicar como isso torna tais valores justos, bons, etc.) enquanto na segunda, valores morais são produto da cultura (relativismo estrito ou cultural), ou das opiniões pessoais (relativismo individual ou subjetivismo), não sendo válidos em todos os tempos e lugares, sempre estão se transformando, sendo, desse modo, subjetivos. Obviamente a ética teológica é melhor que a relativista, mas ela também carece de sustentação. Também não significa que, ao negar a ética teológica, cairemos fatalmente no relativismo.

A ética teológica e relativista são posturas Deontológicas, isto é, aceitam que normas morais tenham algum valor em si mesmos. Outra postura, totalmente distinta das citadas pelo Dr. Craig, é o Consequencialismo, que, por sua vez, nega que normas morais tenham algum valor em si mesmos. Essa postura não deve ser confundida com o relativismo, pois este aceita que normas morais tenham valor em si mesmos - só não aceita que sejam universalmente válidas. Assim, na visão teológica, a máxima moral “Não matarás!” é universalmente válida, porque nos foi concedida por Deus e é uma ordem explícita dele; na visão relativista cultural, ela é válida porque nossa sociedade condena o assassinato, e a sociedade e a cultura são os fundamentos últimos da moralidade; na visão subjetivista (relativismo individual) nós somos o critério último de fundamentação da moral, portanto, a máxima “Não matarás!” é válida porque eu a aprovo e porque o assassinato me causa repúdia. Todas estas respostas são, obviamente, bastante arbitrárias. De acordo com a postura consequencialista, a máxima “Não matarás!” não tem valor moral algum. Ela não é válida nem inválida. O assassinato não é intrinscecamente certo nem errado. Isso parece bastante contra-intuitivo para quem está acostumado com as regras morais da religião, mas é plenamente compreensível num contexto prático. No Consequencialismo, o bem e o mal são medidos pelas consequências das ações. Assim, matar será moralmente correto numa situação, teórica ou prática, em que seus resultados sejam melhores que não matar.

Para o Utilitarismo, a mais famosa das posturas Consequencialistas, mas não a única, uma ação moralmente correta é aquela cujo o efeito produzirá mais felicidade e/ou menos infelicidade. Imaginemos uma situação hipotética em que todos sejam deontológicos e respeitem absolutamente as máximas morais “Não matarás!” e “Não privarás outros humanos de sua liberdade!” (embora Deus não tenha dito isso, parece plausível que é errado privar as pessoas de sua liberdade, que é um dom do próprio Deus). Porém, nesse contexto surge um Serial Killer, que mata, aparentemente, sem motivo algum. Bem, se formos deontológicos, não poderemos prendê-lo, pois seria privá-lo do direito ao livre-arbítrio (que não é violado nem por Deus, porque nós deveríamos violá-lo?), nem poderemos matá-lo (pois a vida é um dom de Deus e somente ele pode tirá-la). A única coisa que poderíamos fazer é nos esconder, enquanto assistimos passivamente o Serial Killer assassinar todos que encontra pela frente. Para nossa sorte, a sociedade em que vivemos não é deontológica (não totalmente). É obvio que deveríamos prendê-lo ou, na pior das hipóteses, matá-lo (como caso ele reaja com violência, ameaçando a vida dos policiais). Isso geraria menos infelicidade, pois nesse caso, apenas uma pessoa morre. No caso contrário, as mortes são incalculáveis. Sendo assim, parece não haver nada de errado em violar regras morais para produzir efeitos mais benéficos. Para um utilitarista, cada caso é um caso, e deve ser analisado como algo totalmente único, que exige ações apropriadas a ele. É uma postura flexível, mas também complexa, pois exige que façamos constantes cálculos mentais para saber qual ação produz um melhor efeito.

É verdade que, sem Deus, máximas e valores morais não podem ser vistos como absolutamente bons ou maus, mas nós não precisamos disso, como nos mostra o consequencialismo. Uma ação é boa se produz um bom efeito, e má se produz um mau efeito, assim como disse Jesus em sua metáfora sobre boas árvores e bons frutos (seria Jesus um consequencialista?). Mas para isso, precisaríamos de um conceito de bem e mal e, sem Deus, eles simplesmente não existem, certo? Errado! É falsa também a afirmação do Dr. Craig que, sem Deus, bem e mal deixariam de existir. Nós conhecemos perfeitamente o que é o bem e o mal, sem precisar recorrer à opinião de nenhuma divindade: bem é tão somente o prazer, e mal é tão somente o sofrimento. Apenas estas coisas são bens e mals em si mesmos, nada mais. Uma boa ação é a que produz mais bem, ou seja, prazer e/ou menos mal, isto é, sofrimento, que outra. Assim, a máxima “Não matarás!” não possui nenhum valor moral em si mesma, pois não é capaz de prever se isso trará mais ou menos sofrimento. É claro que os utilitaristas não ficam se perguntando o tempo todo se devem ou não matar. Eles tomam a máxima “Não matarás!” como tendo algum valor em si mesma, pois isso é econônico e útil, mas no fundo eles sabem que essa máxima não quer dizer coisa alguma. Em situações de conflito ele deve parar de fingir aceitá-la como possuidora de algum valor moral e começar a fazer o cálculo utilitarista, como no caso do Serial Killer. Mas como casos de conflito moral e ocasiões práticas em que matar possa ser moralmente justificável são relativamente raros, podemos viver como se acreditássemos que matar é errado em si mesmo.

Existe ainda uma outra objeção do Dr. Craig aos demais sistemas éticos: sem um Deus legislador, que pune os maus e recompensa os justos, não haveriam motivos reais para sermos bons e realizarmos boas ações. Peter Singer diz que “Nos nossos dias, os filósofos não podem usar este argumento se quiserem ser convincentes“ e Kant já havia antes demonstrado a fragilidade desse argumento, alegando que alguém que agisse de acordo com as normas morais simplesmente por medo da punição ou visando uma recompensa estaria agindo por interesses próprios, sendo, em suma, um egoísta e um imoral. Embora a razão dada pelos utilitaristas do por que devemos fazer o bem também nos conduza ao egoísmo, devemos lembrar que, para um utilitarista, ao contrário do que é para os religiosos, o egísmo não é mal imoral em si mesmo, sendo moralmente errado apenas quando prejudica terceiros. Então por que devemos nos importar com os outros se o fundamento da moral e da ética é o egoísmo? Bem, o que a ética faz é apenas “refinar” nosso egoísmo através da razão.

Agimos moralmente porque é melhor para todos nós. Como já foi dito, conhecemos o bem e o mal, que são independentes das opiniões de uma suposta divindade. O único bem em si é o prazer e o único mal em si é o sofrimento, ou a privação do prazer. O prazer é tudo que buscamos e o sofrimento é tudo que evitamos. Ora, eu poderia, em vez de trabalhar para me alimentar, simplesmente roubar a comida conseguida pelo meu vizinho, o que causaria menos sofrimento, pois me pouparia esforços. No entanto, nós somos providos de empatia. Eu sei que, se roubar o alimento do meu vizinho, isso seria privá-lo de um prazer, que é algo que não quero para mim. A empatia, no entanto, não é determinante para nos fazer tomar medidas morais. Nossa antecipação de acontecimentos futuros me faz perceber que também posso ser roubado a qualquer momento. Nas outras pessoas, isso, juntamente com a empatia, as levaria a ver-me como uma ameaça, podendo até mesmo matar-me preventivamente. Assim, uma ação que, a princípio, levaria a um menor sofrimento, causaria mais quando analisada mais profundamente. Penso nisso tudo e resolvo não roubar. As regras morais são acordos que nos impedem de viver nesse constante estado de perigo: eu não lhe causo sofrimento e você não me causa sofrimento. Isso é o que pode haver de melhor para todos, e os transgressores serão vistos como ameaças para o bem-estar da sociedade, sofrendo medidas que o impeçam de agir novamente contra as regras. Sem dúvida que as razões aqui mencionadas para o agir moral são realmente egoístas, mas para um utilitarista o egoísmo não é pecado e só é moralmente condenável se causar sofrimento a outras pessoas. Aqui o ideal de virtude parece modificar-se ou desaparecer: o bem não é realizado por si mesmo, mas por interesses outros. Mas como diz Peter Singer (este sim, filósofo de verdade) no seu famoso “Ética Prática”:

“Esta ênfase nos motivos e no valor moral de se fazer o bem por ser um bem está hoje tão inculcada na nossa noção de ética que sentimos que tecer considerações de interesse pessoal para fazer o bem é esvaziar a ação do seu valor moral. Penso que a nossa noção de ética se tornou enganadora, a ponto de o valor moral ser apenas atribuído a uma ação levada a cabo por ser um bem, sem mais motivos. É compreensível e, do ponto de vista da sociedade, mesmo desejável que esta atitude prevaleça; apesar de tudo, quem aceita esta perspectiva da ética e é levado por ela a fazer o bem por ser um bem, sem procurar qualquer outra razão para tal, é vítima de uma espécie de conto-do-vigário - embora, como é evidente, este conto-do-vigário não tenha sido conscientemente perpetrado”.

Todavia, o que foi dito no parágrafo anterior só explica porque não devemos fazer mal aos outros, mas não explica porque devemos fazer o bem. Talvez exista, nas boas ações, uma crença implícita na reflexividade das ações: fazendo coisas boas, receberei coisas boas. Talvez a nossa empatia nos coloque no lugar de outras pessoas e nos faça querer-lhes o bem, ou talvez seja da nossa natureza desejar amigos, família e companheiros, consequentemente, desejamos-lhes o bem porque queremos sempre aproveitar o melhor que podem nos oferecer. Peter Singer, no entanto, não é tão pessimista. Ele põe as razões do agir moral no próprio sentido da vida, que sempre transcende os interesses individuais. Como buscar a felicidade apenas pela felicidade é algo condenado fatalmente ao fracasso, a ajuda de outros sempre nos é bem-vinda para alcançarmos nosso objetivos. Para ele, “o ponto de vista ético oferece um sentido e um objectivo na vida que é impossível ultrapassar”. Peter Singer encerra afirmando que

“A pergunta ‘Porquê agir moralmente?’ Não pode receber uma resposta que ofereça a toda a gente razões imperiosas para a prática de actos morais. O comportamento eticamente indefensevel não é sempre irracional. E provável que venhamos sempre a precisar que as sanções legais e a pressão social nos dêem razões adicionais contra graves violações dos padrões éticos. Por outro lado, aquelas pessoas cuja reflexão é suficiente para as levar a fazer a pergunta que estudámos ao longo deste capítulo são também as que têm maiores probabilidades de compreender as razões que podem ser aduzidas a favor da adopção do ponto de vista ético”

Finalmente, o Dr. William L. Craig defende que “se cremos que valores morais objetivos existem, então somos guiados logicamente à conclusão de que Deus existe. E pode haver algo mais óbvio do que a existência de valores morais objetivos?”. Como vimos até aqui, não há nada de obvio na existência de “valores morais objetivos”. Ele chega a essa conclusão através de um falso dilema, tentando mostrar que existem apenas dois posicionamentos éticos possíveis e que a posição teológica é evidentemente a melhor das duas. Mas já vimos que existem outras posturas éticas, como as diversas concepções consequencialistas. Elas não são perfeitas, também possuem suas dificuldades, mas com certeza são melhores que a defendida pelo Dr. Craig. Ele comete mais uma vez o erro típico - ignorar objeções que podem jogar por terra seu ponto de vista - tentando mostrar que todos concordamos que “Ações como estupro, tortura, abuso de crianças e brutalidade não são apenas comportamentos socialmente inaceitáveis” mas que também são “abominações”. Com isso o doutor simplesmente omite que existem inúmeros outros casos em que estão longe de ser unânimes, como aborto, pequisas com células-tronco, clonagem, eutanásia, pena de morte, entre outros. Os casos por ele citado são socialmente inaceitáveis porque todos sabemos que nesses casos ningúem, exceto o estuprador, torturador e o pedófilo, obtem algum tipo de prazer, gerando muito mais sofrimento que felicidade. São casos realmente extremos e é praticamente impossível que um utilitarista consiga justificá-los. Em outra parte o Dr. Craig diz que “Da mesma maneira, amor, generosidade, igualdade e sacrifício próprio são realmente bons”, mas, se são realmente bons, cairemos novamente no dilema já exposto atenriormente: se são bons, não precisam da aprovação de Deus para ser realmente bons. Se precisam, então não são bons em si, mas são penas contingencialmente bons, não sendo muito diferente dos relativistas.

Como se pode notar, é falsa a alegação de que apenas Deus poderia dar sentido às normas e ações morais, e que apenas ele poderia nos dar razões para agir moralmente. Ela contém erros internos, pois não é capaz de justificar como Deus poderia tornar uma determinada ação boa ou má, e também entra em contradição com exemplos da vida prática, por seu próprio caráter absoluto. Notamos também que negar a ética teológica não é assumir o relativismo, que é até mais fraco que aquela. Existem alterntivas para fundamentar a conduta moral melhores que a ética teológica, embora também não sejam perfeitas. Vimos que podemos agir moralmente sem a crença em Deus e que não precisamos dela para ter motivos reais para a conduta moral: agir de acordo com as regras morais é melhor para todos nós. Este artigo pretendeu desmentir todos esses mitos, mas o Dr. William L. Craig foi intencionalemente escolhido, não para formar espantalhos, mas para exibir um resumo da ética teológica, e também para mostrar como se pode omitir outros pontos de vista que possam a ameaçar o nosso, numa postura intelectualmente desleal. Bem, eu, particularmente, não conheço nada que possa salvar a ética teológica, mas se o “filósofo” Dr.William Lane Craig não conhecia a ética consequencialista, acho que está na hora d’ele rasgar seu diploma de Filosofia.

Texto completo do Dr. William Lane Craig*: http://www.apologia.com.br/?p=9

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 20/03/2010
Reeditado em 26/07/2011
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