Argumentos a Favor da Existência de Deus

A pergunta “Deus existe?” é uma das mais importante perguntas da metafísica e, sem dúvida, a principal pergunta da teologia, além de ser uma pergunta que praticamente todos já se fizeram. Muitos já elaboraram argumentos para respondê-la, quer positiva quer negativamente. Neste artigo serão analisados alguns argumentos que tentam responder positivamente a essa questão. No entanto, argumentos geralmente provenientes do senso-comum não serão analisados por serem muito fracos e fáceis de serem refutados. Alguns deles são dizer que Deus existe porque todos os povos sempre acreditaram nele, ou que existe porque nunca provaram sua inexistência, ou ainda que existe porque a Bíblia afirma isso. O primeiro argumento é uma falácia de apelo ao povo, o segundo de apelo à ignorância, enquanto o terceiro é um argumento circular. Não é preciso dispender muito tempo na refutação de tais argumentos, por conta disso, vamos analisar somente os argumentos filosóficos. Todos os argumentos listados abaixo foram tirados de um texto de William Lane Craig, disponível no endereço: http://www.apologia.com.br/?p=79

ARGUMENTO COSMOLÓGICO (DE LEBINIZ):

1. Tudo o que existe tem uma explicação para sua existência (tanto na necessidade de sua própria natureza como em uma causa exterior).

2. Se o universo tem uma explicação para a sua existência, esta explicação é Deus.

3. O universo existe.

4. Portanto, a explicação para a existência do universo é Deus.

Crítica ao argumento cosmológico de Leibniz:

Esta versão do argumento cosmológico contém uma falácia da composição: consiste em atribuir ao todo alguma propriedade das partes. Ele tenta justificar que o universo tem uma explicação porque todas as coisas do universo têm uma explicação, mas o universo é o conjunto de todas as coisas, portanto, não é logicamente verdade que ele tenha que ter explicação. É como afirmar que um caminhão é leve porque todas as suas partes são leves. O conjunto de todas as coisas não precisa necessariamente ter uma propriedade que pertence apenas às partes.

Outra falha deste argumento é supor que Deus não necessita de explicação exterior a si mesmo. Ora, por que Deus não precisaria de outra coisa para explica-lo? Leibniz argumenta que porque Deus é um ser que existe necessariamente, isto é, que não pode não existir. Um ser cuja essência é a própria existência. Ora, isso é um erro que será analisado quando tratarmos do argumento ontológico. Mais uma falha neste argumento é supor que, ao explicar os elementos do conjunto, não estamos explicando todo o conjunto, mas é exatamente isso que ocorre. Se existe explicação para todos os elementos do conjunto, então o conjunto está explicado.

ARGUMENTO COSMOLÓGICO KALAM:

1. Tudo que tem um início tem uma causa.

2. O universo começou a existir.

3. Portanto, o universo tem uma causa.

Crítica ao Argumento cosmológico kalam:

Este argumento também contém a falácia da composição. Observou-se que todas as coisas do universo que têm um início tem uma causa, e concluiu-se, por isso, que se o universo tem um começo, também tem que ter uma causa. Como mostrei anteriormente, isso é uma falácia da composição. Só porque os elementos do universo têm causa, não significa que o conjunto de todas as coisas, isto é, o universo, também tenha que ter uma causa. É como dizer que o conjunto de todos os números também é um número. Mesmo que seja aceitável que se o universo começou a existir, então tenha que ter uma causa, isso não é logicamente demonstrável.

O argumento também contém premissas que não são evidentemente verdadeiras. A primeira, que afirma que tudo que tem começo, tem causa, não é evidente. É possível pensar em coisas que têm começo e não têm causa alguma. A mecânica quântica conhece fenômenos que, aparentemente, não têm nenhuma causa.

A segunda premissa também é duvidosa. Não é evidente que o universo tenha tido um começo. Alguns sistemas cosmológicos estipulam um tempo infinito, como a Teoria M, em que este universo seria "produto" de outros universos conjugados. Se as premissas não forem verdadeiras, a conclusão não se sustenta.

Mas mesmo sem recorrer ao conhecimento científico atual, ainda é possível mostrar falhas neste argumento. Ele contém uma falha que o leva a um paradoxo: ele estipula que deve existir uma causa par ao tempo. Mas isso é logicamente impossível, porque toda causa tem que ser anterior ao seu efeito no tempo. Só pode haver “antes” e “depois” dentro da dimensão temporal. Sendo assim, não pode haver causa para o tempo, porque não há um “antes” dele que possa causa-lo. Esse absurdo que o argumento conclui é o que Kant chamou de antinomia da razão. Assim, s o universo teve um começo, ele não pode ter causa, portanto, a primeira premissa é falsa. Se a primeira premissa é verdadeira, o universo não pode ter causa, e assim não pode ter começo, tornando falsa a segunda premissa. Esse argumento coloca-se num beco-sem-saída.

ARGUMENTO MORAL:

1. Se Deus não existe, então valores morais e obrigações objetivas não existem.

2. Valores morais e obrigações objetivas existem.

3. Portanto, Deus existe.

Crítica ao Argumento Moral:

Este argumento é muito ingênuo. Poucos filósofos o levaram a sério e tentaram defendê-lo. Ele estabelece uma relação entre "moral objetiva" e "Deus existe", mas não há como relacionar uma coisa e outra. Nenhum dos grandes filósofos da Ética trabalhou tendo isso como premissa. A existência de Deus não garante objetividade à moral. Platão já havia mostrado isso no argumento que ficou conhecido como Dilema de Eutífron: x é bom porque Deus quer que eu faça x, ou Deus quer que eu faça x porque x é bom? Se x é bom porque Deus quer que eu faça x, então não há nada de objetivo nisso. É algo totalmente arbitrário. Se Deus quer que eu faça x porque x é bom, então x seria bom mesmo que Deus não existisse, ou dissesse o contrário. Sendo assim, não há como estabelecer uma relação entre a existência de Deus e a moral.

ARGUMENTO ONTOLÓGICO:

1. É possível que um ser maximamente grande (Deus) exista.

2. Se é possível que um ser maximamente grande exista, então um ser maximamente grande existe em algum mundo possível.

3. Se um ser maximamente grande existe em algum mundo possível, então ele existe em todos os mundos possíveis.

4. Se um ser maximamente grande existe em todos os mundos possíveis, então ele existe no mundo real.

5. Portanto, um ser maximamente grande existe no mundo real.

6. Portanto, um ser maximamente grande existe.

7. Portanto, Deus existe.

Crítica ao Argumento ontológico:

Este argumento não comente nenhuma falácia propriamente dita. Comete um erro categórico. A terceira premissa comete o mesmo erro que já foi refutado por Kant na "Crítica da Razão Pura": o de considerar a existência como um predicado de objetos. Ela não é, embora gramaticalmente ela pareça ser um predicado.

Um conceito é um predicado quando ele acrescenta algo à nossa compreensão do objeto. Se eu digo, por exemplo, “Traga-me uma pedra branca”, o termo “branco” acrescenta algo à compreensão da pedra que desejo, porém o mesmo não ocorre quando digo “Traga-me uma pedra que existe”. Nesta frase “existe” parece um predicado de “pedra”, mas não é. Ela não diz nada sobre qual pedra eu quero que me tragas. A existência não é um predicado da pedra, pois não diz nada específico sobre essa pedra.

Em lógica diz-se que a existência é um predicado de segunda ordem, portanto, nenhum objeto pode tê-la. O argumento ontológico pressupõe que a existência é um predicado de objetos, e vai mais além: supõe que Deus tem esse predicado necessariamente, isto é, é impossível que Deus não tenha existência. Como já foi mostrado, a existência não é um predicado, portanto, é totalmente possível que Deus não a tenha. Não faz sentido dizer que algo tem existência necessária, pois a existência só pode ser confirmada pela experiência, nunca por um mero exercício de lógica.

O problema principal do argumento cosmológico de Leibniz é exatamente esse: estipular que Deus não precisa de explicação exterior a ele mesmo porque ele tem a existência como um predicado necessário. Mas a maioria dos lógicos nega que a existência seja um predicado de sujeitos, portanto, Deus não tê-la necessariamente, nem em todos os mundos possíveis. Além de, se a primeira premissa do argumento de Leibniz for verdadeira, Deus também precisaria de explicação em uma causa exterior, posto que não pode existir necessariamente.

ARGUMENTO TELEOLÓGICO:

1. O ajuste fino do universo é resultado da necessidade física, ou da sorte ou do design.

2. Ele não é resultado da necessidade física e nem da sorte.

3. Portanto, ele é resultado do design.

Crítica ao Argumento teleológico:

O argumento teleológico tradicional tenta defender a segunda premissa argumentando que um universo como o nosso, que contenha vida, é muito improvável, portanto, não pode ser obra do acaso. A já mencionada Teoria M postula a existência de universos incontáveis, e isso por si só já refutaria o argumento teleológico. Não haveria nada de realmente estranho neste mundo, se não houvesse condições de vida em um conjunto enorme de universos.

No entanto, não é preciso recorrer à Teoria M para refutar este argumento. David Hume já o tinha feito nos seus "Diálogos Sobre Religião Natural". A segunda premissa descarta a possibilidade do acaso pela grande ordem e complexidade da vida e do universo, atribuindo isso a um design. A conclusão de que o designer é Deus é uma falsa analogia. Se levarmos o argumento a sério, ao contrário do que pensam os teístas, ele geraria uma conclusão muito desagradável.

Argumentos por analogia funcionam da seguinte maneira: foi observado que os objetos a e b possuem as propriedades F, G, H, I, J... N. Foi verificado que o objeto a possui a propriedade P. Logo, é provável que o objeto b tenha a propriedade P. O que o argumento teleológico faz é tentar mostrar que de algumas propriedades compartilhadas entre artefatos humanos e o universo ou os seres vivos, pode-se concluir que o segundo tem uma propriedade que tem o primeiro, a propriedade de ter sido construído por um ser inteligente.

Se a analogia é válida, por que ela para por aí? Poderíamos concluir, pelo mesmo raciocínio, que assim como o designer de um relógio é um ser material, o designer do universo também o é. Poderíamos concluir que, assim como um designer de um carro utiliza-se de instrumentos e matéria prima, também se utilizaria o designer do universo. Isso mostra que a analogia não é válida, pois o raciocínio utilizado foi o mesmo.

Outros se perguntam: com tantos universos prováveis, que poderiam existir e que a vida seria impossível, por que surgiu este? Ao perguntar isso, esquece-se que qualquer outro universo teria a mesma probabilidade de surgir que este. Se surgisse outro, seria legítimo perguntar: por que este universo surgiu e não outro? Parece não fazer muito sentido, se todos teriam igual probabilidade de surgir. O deslumbre parece existir devido o fato de haver vida neste universo, e que por isso ele não poderia ser obra das forças cegas do acaso. Ora, mas já vimos que poderia sim, uma vez que todos os universos possíveis teriam igual probabilidade de existir. O deslumbre dá-se apenas pela falta de imaginação humana. Não somos capazes de imaginar nada mais elevado, belo e complexo que a vida. E isso é totalmente justificável, uma vez que nossa mente é limitada pelas nossas experiências. Porém, é possível imaginar, pelo menos em termos proposicionais, que poderia existir um universo infinitamente melhor que o nosso, muito mais belo e complexo, onde não houvesse doenças e nem morte, e isso faria o nosso parecer muito pobre. Então perguntaríamos: por que não surgiu este universo, e sim o nosso universo pequeno, miserável e fadado ao fracasso? O fato de o universo ser tão belo, ordenado e complexo não testemunha a favor de um designer, uma vez que poderia ser infinitamente melhor. O argumento teleológico do tipo antrópico explora mais nossas emoções e falta de imaginação que nossa razão e capacidade lógica propriamente dita.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 26/07/2011
Reeditado em 26/07/2011
Código do texto: T3120333
Classificação de conteúdo: seguro