O ERRO DOS ATEUS

Todos que leem meus textos sabem que eu sou ateu e que estou comprometido, se não com uma defesa explícita, mas com uma clarificação do conceito e das ideias ateístas. No entanto, isso não significa dizer que sou parcial, que apoio todos os tipos de condutas dos ateus, nem que eu seja antirreligioso (embora, no passado, tivesse sido em certa dose). Muito pelo contrário, reprovo muitas, se não a maioria, das atitudes e ideias dos meus camaradas ateus. Eu tenho uma forma muito peculiar de defender o ateísmo, que é explicando do que se trata, os motivos que nos levaram a não acreditar mais em Deus e tentando mostrar que não somos más pessoas por conta do simples fato de não acreditarmos em divindades. Acontece que muita gente pensa que a defesa do ateísmo é uma cruzada contra o cristianismo. O ateísmo é uma negação da crença em Deus, e não tem nada a ver com ser contra esta ou aquela religião.

Não muito recentemente, vi um outdoor da ATEA (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos) onde aparecem Charlie Chaplin, de um lado, e Hitler, do outro, ou seja, um ateu e um teísta, com a frase: “Religião não define caráter”. O que que é isso?! Ateus ficam ofendidos quando são considerados imorais por não acreditarem em Deus, mas associam Hitler à religião? O que eles achariam se vissem uma propaganda associando os ateus a Pol Pot, o louco e sanguinário ex-ditador do Camboja, responsável por milhões de mortes, inclusive de parentes seus? Na certa ficariam muito ofendidos, pois isso reforça a ideia de que ateus são imorais e potencialmente criminosos. Claro que concordo que religião não define caráter, mas não precisaria associar Hitler à religião. Isso foi uma provocação desnecessária, e de muito mau gosto, pois diz implicitamente que a religião formou o mau caráter de Hitler, além de ser uma grande mentira que Hitler seria religioso. Teísta, sim; religioso, não. Talvez fosse apenas um partidário da ideia de Sêneca de que "A religião é vista pelas pessoas comuns como verdadeira, pelos inteligentes como falsa, e pelos governantes como útil."

Em outro desses outdoors há a foto das mãos de um prisioneiro, postas para fora das grades, segurando um livro que parece ser uma Bíblia com a seguinte frase: “A fé não dá respostas, só impede perguntas”. Mais uma vez fica nas entrelinhas da publicidade a associação entre religião e crimes, além da frase claramente ofensiva. Quer dizer, então, que os que tem fé não se questionam, e isso é um privilégio dos incrédulos? Quanta pretensão! Quer dizer, então, que grandes filósofos como Descartes (olha que ironia!), Leibniz ou Kant não se questionavam? Que perguntas a fé destes nobres senhores impediu? Em um terceiro outdoor há a foto de uma avião prestes a se chocar contra uma das torres do World Trade Center, nos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 com a frase: “Se Deus existe, tudo é permitido”. A paráfrase de Ivan Fiodorovitch Karamazov, célebre personagem de “Os Irmãos Karamazov” de Dostoiévski, tenta responsabilizar a religião, ou, de forma mais genérica até, a crença em Deus, pelos atentados de 11 de Setembro, mas... alguém pode me explicar como isso pode ser um manifestação contra o preconceito contra os ateus, como pode “Combater o preconceito e a desinformação a respeito do ateísmo e do agnosticismo, dos ateus e dos agnósticos”, como está escrito no próprio site da ATEA, e não uma ofensa puramente gratuita? Não vejo como isso possa reduzir o preconceito contra os ateus, mas vejo como pode aumentá-lo. Sei que alguns ateus vão dizer que isso é liberdade de expressão, mas quer dizer que quando um religioso diz que ateus são isso ou aquilo, é intolerância, preconceito e discriminação, mas quando ateus ofendem os religiosos ou sua fé, é "liberdade de expressão"?

Hemant Mehta, ateu norte-americano e dono do blog “Friendly Atheist”, elogiou os outdoors da ATEA, dizendo que, diferentemente dos Estados Unidos, onde os outdoors ateístas dizem coisas muito mais brandas e, segundo ele, inofensivas, como “Podemos ser bom sem Deus”, diz que no Brasil tais campanhas são “ofensivas”, e parece achar isso uma coisa positiva. Eu, particularmente, acho interessante a frase “Podemos ser bom sem Deus”. Ela vai direto ao ponto em que queremos chegar, e que a ATEA diz ser o seu objetivo, mas dizer que a fé impede perguntas vai bem além disso, é ofensivo e de mau gosto. Esses ateus acham que estão lutando contra o preconceito, mas estão sendo igualmente preconceituosos, além do fato de terem a mente tão limitada que ainda não conseguiram desvincular-se da religião. Em outras palavras, eles saíram da igreja, mas a igreja não saiu deles. Não são capazes de fazer uma defesa sistemática do ateísmo sem terem que insistentemente atacar a fé alheia. É claro que sou a favor que se lute contra o preconceito e desinformação acerca do ateísmo, mas para isso não é necessário sequer mencionar a religião de quem quer que seja, quanto mais ofendê-las de forma gratuita e intolerante.

Não quero usar a ATEA como bode-expiatório para esse tipo de conduta. Ela é frequente entre ateus e grupos de ateus. O próprio biólogo e militante ateu, Richard Dawkins, afirmou, em uma entrevista, "O que acho é que há uma conexão lógica entre acreditar em Deus e às vezes fazer coisas do mal"*. Acontece que tentar defender o preconceito com preconceito seria como um homossexual que, para revidar as violências sofridas por ele, começasse a atacar casais heterossexuais nas ruas. Isso não é lutar contra o preconceito, é agir igual os opressores, não faz o menor sentido. Que se coloque uma foto do Chaplin com a frase “Religião não define caráter”, vá lá, mas associar a religião a um genocida é ofensa. Subentendida, mas ainda uma ofensa. Assim como os religiosos acusam os ateus de serem imorais, ateus muitas vezes acusam religiosos de serem ignorantes e sem senso crítico. Os ateus não precisam ofender a religião, a fé ou as pessoas para lutar contra o preconceito. Não precisam sequer mencionar a religião, apenas mostrar que não somos pessoas ruins porque não temos religião e não acreditamos em deuses. Na luta contra a opressão, não se deve lutar com as mesmas armas dos opressores. Fazer isso é uma atitude digna de reprovação.

Termino, assim, usando uma frase de Nietzsche que era minha assinatura nos meus debates em fóruns na internet e eu a utilizava para que os meus companheiros ateus lembrassem que eles tem o direito de lutar por seus ideais, mas sem esquecer o perigo que isso pode gerar: "Aquele luta com monstros** deve tomar cuidado para não se tornar um deles. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha de volta para você".

*http://www.paulopes.com.br/2011/10/criacionista-diz-dawkins-que-seu-livro.html#ixzz1mH8uKAyC

** Os "monstros" a que me refiro aqui é todo e qualquer tipo de pessoas intolerantes.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 13/02/2012
Reeditado em 17/01/2013
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