DEUS É ONIPOTENTE?

É certo que justificar a crença na existência de algo é muito mais fácil que justificar a crença na inexistência do mesmo. Por exemplo, para justificar a crença de que existem gnomos bastar-se-ia mostrar algum exemplar desta espécie. No entanto, o fato de nunca termos visto um gnomo não prova que gnomos não existem. Eles podem estar escondidos em algum lugar onde jamais procuramos, podem estar em outros planetas ou até mesmo ficar viajando entre dimensões paralelas. Em suma: para mostrar que algo não existe é preciso mostrar que todas as hipóteses contrárias possíveis são falsas. Esse é o grande desafio para aqueles ateus que afirmam que Deus não existe: como provar que todas as hipóteses para a não constatação da sua existência são falsas? Isso é praticamente impossível. Se um ateu pergunta para um teísta, se Deus existe por que ele simplesmente não se revela, o teísta pode simplesmente dizer que é porque ele não quer se revelar, e o ateu não terá como provar que essa hipótese é falsa.

Outra forma de provar a existências de algo é saber em que a existência desse algo implicaria. Por exemplo, eu poderia dizer que se gnomos existissem, então a existência deles implicaria que eles seriam vistos sempre que aparecesse o arco-íris. Como eles não são vistos quando o arco-íris aparece, então podemos concluir que gnomos não existem. É claro que isso é apenas uma ilustração. Não existe nenhuma relação entre gnomos aparecerem quando aparecem arco-íris. O que quero dizer é que se Deus existe, então sua existência implica em alguma coisa que pode ser observada. Se esta coisa não for observada, então pode-se concluir que Deus não existe. Um exemplo de argumento que se usa desse raciocínio é o Paradoxo de Epicuro, que diz, basicamente, que se Deus existe, então o mal não existiria. Ora, o mal existe, logo, Deus não pode existir. Acontece que, assim como não existe uma relação necessária entre gnomos e arco-íris, também não existe uma relação necessária entre a existência de Deus a e existência do mal, portanto, este argumento também não serve. A única coisa que ele prova é que Deus não pode ter as três propriedades que geralmente atribuímos a ele, mas não impede que ele tenha duas delas. Encontrar um fato que a existência de Deus implique é algo bastante complicado porque, ao que parece, a existência de Deus se aplica a tudo (o que é o mesmo que dizer que não implica em nada). Parece que não há nenhum fato que, se observado, podemos concluir com certeza que Deus não existe.

Uma terceira maneira, mais eficiente, porém não muito comum, é mostrando que um conceito tem propriedades que são contraditórias. Por exemplo, se eu dissesse que meu gnomo é verde e invisível, seria falso provar que ele não existe. Ora, se ele é verde, não pode ser invisível, e se é invisível, não pode ser verde. O problema é que a maioria (se não todos?) dos conceitos que elaboramos não são logicamente contraditórios. Criamos conceitos desse tipo quando queremos dar exemplos lógicos, mas não quando estamos falando de algo que nós ou outras pessoas acreditam ser verdade. No entanto, alguns ateus defendem que Deus tem, sim, propriedades que são contraditórias, e uma delas é a onipotência. Segundo esses ateus, a onipotência é uma propriedade auto-contraditória, não pode existir, e se Deus é um ser necessariamente onipotente, então Deus é um ser necessariamente auto-contraditório, portanto, não existe. O mais famoso argumento para sustentar essa tese é conhecido como “Paradoxo da Pedra” ou "Paradoxo da onipotência".

Esse argumento se expressa em forma de uma pergunta: se Deus é onipotente, isto é, pode fazer qualquer coisa, então ele pode criar uma pedra que ele não possa levantar depois? Qualquer resposta que se dê cai-se fatalmente em contradição: Se Deus pode criar tal pedra, então existirá uma coisa que ele não pode fazer, que é levantar tal pedra; se ele não for capaz de criar tal pedra, então existirá uma coisa que ele não é capaz de fazer, que é criar a pedra; e se ele cria a pedra, mas em seguida a levanta, então ele não criou realmente uma pedra que não pode levantar, mas sim uma pedra que pode levantar. De todo modo existirá uma coisa que Deus não pode fazer: ou ele não pode criar a pedra, ou pode criá-la mas não pode levantar. Exposto desta forma, o paradoxo parece um mero jogo de palavras feito intencionalmente para enganar, mas não é. O problema surge quando se compara valores absolutos. Por exemplo, o que acontece se uma força irresistível encontra um objeto que é impossível de ser movido? Se a força vence, então é falso que o objeto era impossível de ser movido, e se este não se move, então a força não é realmente irresistível. Mas se assumirmos que tudo isso é verdade, o que realmente acontece?

Responder esta questão é muito simples: é impossível que exita uma força irresistível e um objeto impossível de ser movido. Quando digo “Existe uma força irresistível” estou dizendo que qualquer que seja o elemento do universo, nenhum deles é capaz de resistir a essa força. Se digo que existe uma força irresistível e um objeto que não pode ser movido, estarei caindo em contradição, pois estarei afirmando que existe uma força irresistível e, ao mesmo tempo, estou afirmando que essa força não existe, pois existe um objeto que pode resistir a ela. Portanto, a existência de um exclui a possibilidade de existência do outro. Porém, a história se complica se admito a existência de um ser onipotente: se este ser pode tudo, então ele pode criar esses tipos de objetos de tal forma que coexistam, por mais contraditório que isso possa parecer. Se, por exemplo, digo que existe um objeto indestrutível, estou afirmando que nenhum outro objeto é capaz de destruir o primeiro. Sendo assim, um ser onipotente é capaz de destruir um objeto indestrutível? Ora, se existe um objeto indestrutível, então não existe um ser onipotente, e vice-versa. No entanto, mesmo que não existe um objeto indestrutível, a existência de um ser onipotente torna a existência desse objeto possível. Desta forma, poderia um ser onipotente criar um objeto indestrutível? Se sim, então este ser não poderia destruir tal objeto; se não, então este ser não seria onipotente. A onipotência contradiz a si mesma, portanto, Deus tem uma propriedade contraditória. Logo, não existe.

É claro que os teístas cedo tentaram resolver esse intrigante paradoxo. Se Deus é realmente onipotente, então existe alguma premissa falsa nesse argumento. Qual seria, então? A primeira e mais simples objeção é dizer que Deus pode criar uma pedra extremamente pesada e em seguida abrir mão de sua onipotência, perdendo assim a capacidade de levantar tal pedra como se enfraquecesse a si mesmo. Essa objeção, no entanto, não funciona, porque o que o paradoxo sugere é que Deus tenha que levantar essa pedra mesmo com toda sua onipotência. Uma segunda objeção é que Deus poderia criar tal pedra e continuar sendo onipotente. Mas aí, ele poderia levantar a pedra? Sim e não. Segundo essa objeção, a premissa falsa do argumento é que Deus não pode fazer algo logicamente contraditório, mas de acordo com os defensores deste contra-argumento, Deus não poderia estar sujeito à lógica. Logo vê-se que essa é uma objeção desesperada. Alguém que creia que Deus é onipotente, mesmo que isso seja ilógico e contraditório, poderia acreditar em qualquer coisa e não teria nenhum critério para distinguir o que é verdade e o que não é. Não se pode acreditar em algo ilógico. Uma outra versão dessa objeção diz que Deus poderia criar a pedra e ainda levantá-la, pois para ele nada é impossível. Acontece que afirmar que para Deus nada é impossível é cair no mesmo paradoxo da pedra: Se para Deus nada é impossível, ele pode criar alguma tarefa que seja impossível para ele realizar? Se sim, então existe algo que para Deus é impossível; se não, então existe algo que é impossível, que é criar tal tarefa. Outra objeção é dizer que Deus pode criar tal pedra, mas não irá criá-la. É obvio que isso não resolve o paradoxo, pois ele não questiona se Deus irá criar de fato tal pedra, mas sim o que aconteceria se ele a criasse. Enquanto o objetor afirma que enquanto Deus não cria tal pedra, não existe nenhum paradoxo, mas isso é obviamente falso, uma vez que a própria noção de onipotência permite a existência de impossibilidades lógicas.

Existe, no entanto, uma objeção bastante sofisticada para o paradoxo da onipotência e é sustentada geralmente por filósofos. Essa objeção foi levantada pela primeira vez por São Tomás de Aquino e é usada recentemente por Richard Swinburne, e consiste em defender que Deus não pode fazer realmente qualquer coisa. Deus não pode fazer nada que seja logicamente contraditório como, por exemplo, criar um quadrado redondo, um triângulo de quatro lados, fazer com que 2+2 seja igual a 5 ou vencer uma partida de xadrez depois de (por qualquer motivo que seja) ter levado um xeque-mate. Em outras palavras, o poder de Deus está limitado ao que é logicamente possível. O ateu poderia alegar que, se o poder de Deus está limitado à lógica, então é falso que Deus é onipotente, pois a onipotência não poderia ser limitada por nada. Quem pensa assim está errado. Deus não pode fazer algo logicamente contraditório simplesmente porque isso não faz sentido. Deus não pode criar um quadrado redondo porque a expressão “quadrado redondo” é sem sentido, não se refere à nada, é apenas um amontoado de letras que apenas aparentemente faz sentido. Em outras palavras, pedir para Deus criar um quadrado redondo não é pedir realmente coisa alguma. Como foi dito anteriormente, a existência de uma pedra inamovível ou alguma coisa indestrutível exclui automaticamente a existência de um ser onipotente. A co-existência dessas coisas é logicamente impossível, portanto, apenas uma dessas coisas pode existir. Um ser onipotente pode sim criar uma pedra que não possa levantar, assim como pode criar um objeto que não possa destruir, mas ao fazer isso ele deixa de ser onipotente, porque a co-existência de tais coisas com algum ser onipotente é logicamente impossível. Então Deus pode criar algo que não pode destruir, mas ao fazer isso ele deixaria de ser onipotente, certo? Não é bem assim. Por estarmos falando de Deus e não de algum outro ser onipotente qualquer, a resposta é não, ele não pode criar tal pedra ou objeto indestrutível. Isso porque o próprio conceito de Deus implica em certas propriedades que serão explicadas abaixo.

Como já foi dito, um ser onipotente não pode fazer nada que seja logicamente contraditório. Por isso, ele não pode fazer uma coisa não ser essa coisa. Por exemplo, ele não pode fazer um cachorro ser um gato. Ele pode transformar um cachorro em um gato, mas não pode fazer com que ele seja um gato ao mesmo tempo que é um cachorro. Em suma, ele não pode fazer algo ser e não ser ao mesmo tempo, pois isso é logicamente contraditório. Isso quer dizer que Deus não pode se matar, uma vez que Deus é imortal. Matar algo imortal é logicamente contraditório. Deus também não pode fazer uma má ação, pois ele é essencialmente bom e nele não existe nada que seja mau. Fazer uma má ação seria contrariar sua própria natureza, seria deixar de ser Deus. Então, Deus não pode deixar de ser Deus? Não, ele não pode. Isso porque outra propriedade de Deus é ser um ser necessário, isto é, um ser que existe por si mesmo, sempre existiu e sempre existirá. Se Deus pudesse deixar de ser Deus, então ele não seria um ser necessário. É por essa razão que Deus não pode criar uma pedra que não possa levantar ou um objeto que não possa destruir. Ao fazer isso, Deus deixaria de ser onipotente. Deixando de ser onipotente, ele deixa de ser Deus. Mas como Deus é um ser necessário, ele não pode deixar de ser ele mesmo. Portanto, Deus, mesmo sendo onipotente, não pode criar a pedra.

A resposta de São Tomás de Aquino resolve o paradoxo da onipotência na medida em que mostra que a premissa falsa é aquela que afirma que Deus pode fazer absolutamente qualquer coisa. Deus pode fazer qualquer coisa que não seja logicamente contraditória, ou seja, qualquer coisa que seja logicamente possível. Porém, fica sem reposta por que a onipotência de Deus se limita pelo que é logicamente possível. Isso porque existem três “esferas” de possibilidades: possibilidade física, metafísica e lógica, sendo que as primeiras implicam nas últimas, mas o contrário não é necessariamente verdadeiro, isto é, algo que é fisicamente possível é metafísica e logicamente possível, mas estes podem não ser fisicamente possíveis. Por exemplo, é logicamente possível que ao soltar uma pedra ela saia voando para fora da Terra, mas isso não parece ser fisicamente possível. Também é logicamente possível criar algo do nada, mas isso não parece ser metafisicamente possível. A pergunta, portanto, é: por que a onipotência de Deus se limita ao que é logicamente possível, e não ao metafísica ou fisicamente possível? Essa, no entanto, é uma outra questão. O fato é que Tomás de Aquino refuta o paradoxo da onipotência ao mostrar que onipotência pode ser, em certo sentido, limitada.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 25/04/2012
Reeditado em 08/10/2012
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