Fica sempre um pouco de perfume...

Praxedes e Helena formavam um belo casal...

Um único senão fazia com que Praxedes não conquistasse o titulo de um cidadão digno de um titulo de excelente pessoa... Bom marido, bom pai, bom amigo dos amigos, trabalhador; só havia sucumbido perante o vicio da bebida!

Nas ocasiões em que participava de comemorações regadas a muita bebida, chegava em casa transformado e causava rebuliço no pacífico ambiente familiar.

A esposa, que o amava e que lhe havia dado três filhas, tudo fazia para manter a união. Católica fervorosa, em uma das ocasiões que esteve participando de uma missa, foi convidada por um casal amigo para que participasse de um Encontro de Casais com Cristo, haja vista por lá, além de serem abordados temas religiosos, também serem proferidas palestras sociais, sempre com casais, incluindo casais que contavam com médicos, psicólogos, professores, profissionais dos mais diversos ramos de atuação e também casais com quadros anteriores de desavenças e que havia adquirido estabilidade familiar.

Helena levou para casa uma ficha de inscrição e aproveitando ocasião na qual Praxedes encontrava-se sóbrio, falou-lhe acerca da reunião para a qual haviam sido convidados. Inicialmente contrário à ideia, Praxedes aos poucos foi cedendo à insistência de esposa e decidiu participar do evento.

Ficha devidamente preenchida, foi marcada a participação do casal no Encontro para, da data da entrega da ficha, mais uns quinze dias. Foram devidamente esclarecidos que o Encontro se daria durante praticamente três dias, sendo que se apresentariam no local designado na sexta-feira ao raiar da noite, voltariam para sua residência quase no final da noite, retornariam no sábado bem cedo, voltariam para a residência também ao findar do sábado e retornariam no domingo bem cedo, sendo ‘liberados’ no final do domingo!

Praxedes bem que tentou reverter a situação, alegando junto à esposa que ‘não teria saco’ para aguentar tanto tempo com pessoas falando de religião e assistindo palestras que não lhe acrescentariam nada!

Com muita paciência e crença de que valeria a pena a participação, Helena alegou que quando havia o comprometimento de um casal, não poderia haver volta, haja vista os organizadores já contarem com número exato de casais e que a ausência de um, quebraria todo o esquema já montado e que também, não queria ficar mal com o casal amigo que a havia convidado.

Embora um tanto quanto a contragosto, Praxedes aquiesceu e concordou que participariam.

Não ainda sem um pouco de dificuldade, Helena praticamente arrastou o esposo, que havia tomado ‘alguns goles a mais’ na sexta-feira na qual se dirigiram àquele por ela, ansiado e muito aguardado Encontro!

A recepção que encontraram, as primeiras abordagens religiosas, as primeiras palestras proferidas e, acima de tudo, o clima de camaradagem e amizade que reinava entre os ‘convidados’ e os organizadores, já levou o ainda ‘inconformado’ Praxedes a já olhar com olhos mais amenos o evento do qual estava participando.

Ao retornarem para sua residência, já demonstrava certo entusiasmo com a sequência que iria encontrar no dia seguinte, não sem reclamar que teria de levantar cedo no sábado, perder o encontro de final de semana com os amigos...

Sábado bem cedinho, já estavam juntamente com os demais casais participantes, participando de um bem preparado café da manhã, com direito a casais servindo como garçons e sendo tratados como ‘figuras especiais’.

Os eventos que se seguiram, foram totalmente de encontro ao agrado do entusiasmado casal, inclusive contando com esquetes abordando assuntos diversos, dentre os quais o alcoolismo, o fanatismo, a infidelidade, o descaso matrimonial, a falta de diálogo, etc., etc. Nas palestras, foram abordados temas como doenças venéreas, esterilidade, ‘stress’, etc., etc.

Assim como pela manhã, quando foram recepcionados condignamente pelos casais, com um esplendoroso café da manhã, o que viram no horário de almoço e no jantar aproximou-se bastante do serviço oferecido pelas melhores hospedagens que tiveram oportunidade de ter em suas viagens de férias!

Retornaram à residência, já com um entusiasmado Praxedes ‘contando os minutos’ para retornar no domingo e tomar ciência do que viria a seguir.

Logo no inicio do domingo, após o ‘suculento’ café da manhã, assistiram uma missa solene, onde tiveram uma primeira oportunidade de conhecer algumas das equipes que ‘trabalhavam’ nos bastidores para possibilitar toda a magnitude daquele Encontro que lhes estava sendo oferecido.

Após algumas reuniões onde tiveram oportunidade de externar, em conversa franca e aberta, todos os seus dilemas e problemas familiares, estavam reunidos na salão que fazia as vezes de restaurante para realizaram a última refeição coletiva!

Todos a postos, sentiram falta da presença dos organizadores, ‘irmãos da cozinha’, como já conheciam aqueles que os serviam... Estavam todos ávidos para receber o cardápio, que sob a expectativa de todos os participantes, deveria ser especialíssimo, haja vista ser o último que seria servido e além do mais, num domingo que é um dia especial para todos.

Num silêncio que já tornava o ambiente um tanto quanto constrangedor, num repente foram surgindo ‘irmãos da cozinha’, qual cada levando suspensa acima de suas cabeças, as panelas na qual nos dias anteriores continham os alimentos que lhes eram servidos e que claramente denotavam estarem molhadas, respingando algumas gotas d’água em seu lado externo! Silenciosamente, foram se postando atrás das cadeiras que abrigavam os casais convidados!

Praxedes, que até então estava como que enfeitiçado por todo o clima de amizade, congraçamento, entrega e solidariedade, quando notou que atrás de todos, encontrava-se posicionado um organizador, portando acima de sua cabeça uma panela que respingava água, reclinou-se para a esposa que postava-se ao seu lado e sussurrou, denotando certa fúria: “Não vou bancar o palhaço...”. Ato contínuo, num ímpeto que não pode ser interrompido pela surpreendida Helena, jogou para trás sua cadeira, levantou-se e desferiu sonora bofetada no ‘irmão da cozinha’ que postava-se às suas costas ... O receptor da bofetada permaneceu estático, braços levantado sustentando no alto a panela respingando gotas d’água!

Como por encanto, o silêncio sepulcral que dominava o ambiente foi sendo invadido por um som, que ia crescendo à medida que vozes e mais vozes iam entoando um belo canto que em seu verso principal dizia: “Fica sempre, um pouco de perfume, nas mão que oferecem rosas, nas mãos que sabem ser tão generosas...”.

Perplexo, Praxedes, o único dos convidados que encontrava-se em pé, postado ao lado daquele que deveria estar atrás da cadeira onde deveria estar sentado, verificou que o canto era entoado por todos aqueles que portavam as panelas e que, aos poucos colocavam suas mãos no interior delas, de lá retirando pétalas de rosas que atiravam sobre os convidados que permaneciam sentados em frente à mesa na qual eram depositadas suas refeições!

Aqui e acolá, podia-se ouvir contidos soluços emocionados dos participantes!

Helena mantinha-se estática em sua cadeira, sem coragem sequer de, mesmo de soslaio, observar a situação do infeliz companheiro! Mantinha-se de cabeça baixa e era uma das que mais vertia lágrimas naquele momento emocional que vivia.

Sem saber como proceder, Praxedes, lançou mão da cadeira caída que havia atirado ao chão quando resolvera tomar aquela intempestiva e impensada atitude, recolocando-a em seu local original, sendo sua ação aparentemente ignorada por todos que achavam-se presentes! Completamente atordoado, enrubescido, tentou dirigir-se ao ‘paciente’ de sua gratuita agressão, sendo completamente ignorado, como se o injustamente agredido benfeitor estivesse ‘em transe’, totalmente imerso na letra da canção que também entoava.

Foi então que Praxedes, soluçando convulsivamente, caiu de joelhos em frente àquele que havia agredido e que prosseguia impassível, panela erguida sobre a cabeça, dela retirando pétalas molhadas que atirava no local, antes vazio e que agora continha a cadeira sem ocupante, na qual deveria estar sua presença física!

Os ‘irmãos da cozinha’, de forma tão sintonizada e misteriosa quanto haviam adentrado ao salão, foram retirando-se de forma harmônica e disciplinada, ainda entoando a emocionante canção.

Praxedes, permaneceu por alguns minutos em decúbito dorsal até que o salão novamente entrou em silêncio total como se encontrava antes de seu impensado gesto. Nenhum dos convidados fez sequer menção de observar-lhe a reação. Praxedes levantou-se e, de cabeça baixa dirigiu-se á sua cadeira vazia ao lado de Helena, ocupando-a.

Novamente, como por encanto, foram adentrando os ‘irmãos da cozinha’ portando as panelas com os alimentos que, aos poucos foram servindo aos convidados...

Passado algum tempo do episódio ocorrido, soube por alguns amigos comuns, que o casal Helena e Praxedes havia se engajado na equipe que realizava trabalhos na cozinha dos Encontros de Casais com Cristo e que inclusive no momento atual, era o responsável pela equipe, que contava em seu todo com 20 casais, num total de 40 pessoas! Complementaram ainda os amigos que Praxedes abandonou o seu vicio alcoólico e era considerado por todos os membros de todas as equipes (oração, visitas, representações cênicas, organizadores de palestras, organizadores de reuniões de oração, apoio à família, etc.) como um Grande exemplo a ser seguido tendo como seu principal amigo aquele que agrediu em sua primeira participação!