Diante de Deus me sinto sempre um Mendigo (Lutero)

DIANTE DE DEUS, ME SINTO SEMPRE UM MENDIGO (LUTERO).

Um Mendigo vive de restos.Dorme ao relento, veste o que encontra.Come o que aparece. Sua urgência é sobreviver.Não dorme numa cama, encosta-se em qualquer lugar.

Acordar é um Milagre!Um mendigo não tem nome, é chamado de qualquer coisa. Os seus olhos de há muito perderam o brilho.Viram tristezas demais!

Anda quase sempre cabisbaixo, teme a rejeição. Não sorri mais.Sorrir do que? Sorrir para quem?Ninguém o enxerga mais.Esqueceu também que tem um corpo, ou seja, um punhado de ossos secos que desajeitadamente arrasta pelas ruas.É um decadente.Um Perdedor.

Nunca ouviu um discurso apologético sobre Deus.Nunca sequer entrou numa Igreja.Mas todas as noites, tendo como cobertor o brilho das estrelas, ou mesmo debaixo de um Céu escuro e frio, uma voz, bem no fundo do seu coração, sussurra à sua alma que existe um Deus único e soberano, que criou os céus, a terra, os mares, as aves, os animais e o homem.Ninguém tira da sua cabeça que Existe alguém, em algum lugar que faz este velho mundo girar.Quando por ele passam homens extremamente arrumados e empertigados, pisando duro, o mendigo murmura de si para consigo: fosse eu assim garboso, cheio de pose, poderia quem sabe, falar com Deus, nem que fosse rapidinho.Deus certamente se agrada desses homens. È deles o Reino dos Céus! Eu como sempre ficarei com os restos.

O tempo prenuncia temporal.Num instante o coitado corre para abrigar-se sob a sacada de um grande e esplendoroso edifício.Deita-se.Encolhe-se todo, até sentir-se invisível. Teme ser enxotado como um cão sem dono.Pensa que nem o próprio Deus o enxergaria ali. Pensa também que com certeza Deus não vai perder o seu precioso tempo protegendo mendigos, deve estar acompanhando os passos daqueles homens ricos e elegantes.Tão cansado está, tão faminto e com frio, que logo adormece.

Acorda ouvindo vozes alteradas perto dele.São dois Homens apresentáveis, acirrados numa polêmica sobre a existência de Deus.Um deles diz cheio de emoção – Deus existe!Seu espírito criador está em todas as coisas. O seu grande amor manifesta-se em tudo e em todos! São dele as palavras: Aquele que vem a mim, de maneira nenhuma o lançarei fora.O mendigo timidamente olha para os homens.Sente-se ameaçado quando apontado por um deles -Olhe bem para este infeliz e diz se alguém em sã consciência consegue enxergar Deus neste farrapo humano?Esta “coisa” é a prova inquestionável da inexistência de Deus.Discussão encerrada!

O mendigo arregala os olhos ergue a cabeça, ansioso olha para os dois homens pensando: Agora os céus se abrirão para mim ou serei lançado sem dó nem piedade no lago de fogo e enxofre!O Crente mergulha fundo nos olhos do mendigo e fala com voz suave, cheia de fé.

Deus é o Alfa e o Omega – O princípio e o Fim. Onipresente, Onipotente e Onisciente.É o Verbo que se fez carne e habitou entre os homens. O Único Mediador entre Deus e os Homens é seu filho: Jesus Cristo, homem! Este farrapo humano, como você o chama, meu caro amigo, esta “coisa” é a Coroa Máxima da Criação.

Seu discurso crente piedoso, afigurase-me completamente inútil, apenas reforça a minha tese e de certa forma obriga-me a repetir a cansativa pergunta – Por que um Ser Perfeito – criaria esta “obra Prima?” Ouve-se uma gargalhada e novamente o dedo em riste para o mendigo.

Cale-se! Não citei ainda o versículo redentor capaz de transformar suas palavras em trapos de imundície! Não falei do versículo que só pode ser ouvido com a mente e o coração abertos.Ouça, amigo: Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu filho unigênito para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. (João 3.16)

E daí, o que imagina ter feito agora? O que significam estas palavras?

Bem, se o nobre colega, não compreendeu ainda, se estou aqui lançando pérolas aos porcos, cumpre-me dizer-lhe que (oferecendo a mão para o mendigo levantar-se) Sendo eu um herdeiro de Deus, pela posse da Vida Eterna, porque eu creio, Acabei de nivelar você, meu caro erudito amigo com este “farrapo humano” PORQUE TODOS PECARAM E CARECEM DA GLÓRIA DE DEUS.

Então acontece o inesperado.O mendigo levanta-se ergue o rosto e fitando profundamente os olhos do Crente diz em voz entrecortada pela emoção –Lamento, seu Doutor, mas se estou nivelado com alguém, só pode ser com o senhor, porque eu também creio!

Inesperadamente abraçam-se. Saem caminhando pela noite os dois filhos do Senhor, deixando boquiaberto o prepotente.

Página de Neli Silva