DEUS E O HOMEM

Um Deus bom e as misérias que a vida encerra parece uma contradição. Quase sempre se ouve a pergunta : por que o mundo é tão cheio de misérias se o Criador é bondoso ?

O drama da criação, relatado em gênesis, na forma alegórica, nos fala que a causa dessa aparente contradição está na desobediência do homem (Adão) que não era para comer o fruto da árvore do conhecimento e acabou comendo e, por causa disso, foi expulso do paraíso, rompendo-se com Deus. Essa desobediência, que é chamada de “pecado original”, é a origem de todos os sofrimentos segundo a tradição judaico-cristã.

A meu sentir, considero essa explicação do “pecado original” muito frágil, impossível e contraditória porque revela a imagem de um Deus vingativo e sem misericórdia, e que não sabe perdoar.

Não, não é esse o Deus-Pai que o Cristo, Jesus, nos revelou. Ele nos falou de um Deus do perdão, assim relatado, por exemplo, na parábola do fariseu e o publicano, onde o primeiro orava dizendo que agradecia porque não era ladrão como os demais homens, injustos e adúlteros, e nem como o publicano que estava ali; enquanto este, que não ousava sequer erguer os olhos ao céu, batia no peito e dizia : “ Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador” – e em seguida a bondade de Deus o abraça e o perdoa (Lucas 18,10-14). Em outra passagem, na parábola do filho pródigo, vemos – novamente – o Deus do perdão agindo, onde o filho perdido diz: “Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho” – e em seguida, uma vez mais, a bondade de Deus do perdão se manifesta, perdoando (Lucas 15,11-32).

O que Jesus, o Cristo, nos ensinou é que a exigência do amor se sobrepõe a tudo , não conhece limites nem restrições, e vale até mesmo para a relação com o inimigo. E, tanto é verdadeiro que certa feita Pedro lhe perguntou : “Senhor, quantas vezes devo perdoar a meu irmão, se ele pecar contra mim ? Até sete vezes ? Respondeu Jesus: Não sete vezes, mas setenta vezes sete (Mt 18,21-22). Quer dizer : devemos perdoar sempre.

Ora, se o amor ao próximo é o segundo maior dos mandamentos, e se Ele manda perdoar sempre e nos revela a existência de um Deus do perdão, como é então que esse Deus não consegue perdoar a humanidade pelo erro de Adão e Eva, nos permitindo tanta miséria e sofrimento só por causa disso?

Mas, se não é por causa do “pecado original” (a desobediência de Adão), por qual razão o sofrimento existe?

Para alguns, a razão está no livre-arbítrio, cujo sofrimento é o resultado do mau uso que as pessoas fazem dele. Para outros, o sofrimento tem o objetivo de nos fortalecer; é uma prova que Deus algumas vezes nos coloca. Mas, há, também, os que dizem que o sofrimento é fruto de uma vida passada cheia de erro, e a pessoa estaria colhendo o que semeou. E, para outros, ele é uma punição pelo pecado: Deus causa sofrimento porque as pessoas desobedeceram a ele.

Em eras passadas, para evitar o sofrimento era necessário aplacar a ira divina oferecendo-lhe um animal em sacrifício, havendo povos que chegaram até mesmo a ceifar a vida humana, oferecendo-a a esse Deus que se encontrava furioso no dizer deles. Mas, e hoje ? Bem, nos dias atuais há aqueles que continuam sustentando que para evitar o sofrimento é preciso obedecer a Deus. Todavia, a realidade histórica nos mostra que não é bem assim. Basta ver ao redor e notar que os ímpios frequentemente florescem e os justos frequentemente sofrem, como assinala Bart D. Ehrman, in O Problema com Deus,Agir,2008).

Na minha insignificância, não sei exatamente qual a razão do sofrimento. É um mistério sobre o qual nada sabemos. O que sei, contudo, é que pelo nosso país e mundo afora o sofrimento é grande e intenso, e a cada cinco segundos, por exemplo, uma criança morre de fome no mundo, e fico a pensar : o que tem essa criança a ver com a desobediência de adão e eva? A culpa foi deles e não nossa. Se os nossos juízes, que são humanos, sabem que ninguém pode ser punido pelo crime de outrem , não é crível admitir que Deus continue a punir grande parcela da nossa humanidade por causa de uma desobediência que outro cometeu, o que seria uma injustiça, e isso não condiz com o Deus que conhecemos, que é justo e misericordioso, e é Amor !

Jesus nos ensinou, naquela passagem do cego de nascimento, que nem o cego pecou, nem seus pais (Jo 9,2), colocando um ponto final a quem interpretava a cegueira, assim como a doença de um modo geral, como consequência do pecado ou castigo de Deus, e em nada o relacionou a Adão.

Para o Mestre de todos os Mestres, porém, o que mais importa aí é o seguinte: o sofrimento de alguém é ocasião para agirmos com amor e compaixão. A grande lição é esta: diante do sofrimento alheio não podemos ficar indiferentes. Para o homem, isso ainda é difícil; para Deus, é a base e o fundamento de tudo.

Por fim, o que se extrai do fio dos relatos em Gênesis, como aponta Juán Guillén Rorralba, é a existência de dois protagonistas: Deus e o homem; a força de Deus é o amor e a força do homem é a liberdade .

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