Deus e o Mal

O mal se afigura para nós como um dos mais instigantes temas da filosofia e da teologia razão porque para o senso comum há uma aparente contradição entre a existência de Deus, onipresente, onipotente e onisciente, e o mal que é uma contrativa de tudo que Deus é.

Talvez você já ouviu falar do “Problema do Mal”. A expressão se refere à mais difícil pergunta da história da teologia cristã: Se Deus é onipotente e bondade, por que ele permite a existência do mal e do sofrimento? Afinal, o que quer a expressão "Problema do Mal"? Antes de tudo, é importante reconhecermos que o mal não é necessariamente um problema no sentido filosófico do termo. O conceito de problema pode ser invertido aqui. Por exemplo, uma perspectiva pessimista e ateísta que afirma a realidade do mal como experiência básica da realidade e nega o divino e o bem, teria de enfrentar o “problema do bem”. Explicando melhor: “se o universo não tem propósito e é absurdo (como sugerem alguns existencialistas ateus, por exemplo), como explicar a experiência do belo, do inefável e do prazer”? Não seria esse um grande problema filosófico? Como disse o famoso biblista australiano Francis I. Andersen: "A rigor, a desgraça humana, ou o mal em todas as suas formas, é um problema somente para a pessoa que crê num Deus único, onipotente e todo amoroso". Isso significa que outras religiões e filosofia não enfrentam um dilema, no sentido de terem de explicar a existência do mal. Mesmo assim, o mal ainda permanece um problema para todos os sistemas de pensamento por causa da questão do sofrimento.

A tentativa cristã de lidar com esse tripé "Deus todo-poderoso", "Deus todo-amoroso" e "existência do mal", mostrando que a despeito do mal, Deus continua justo, bom e poderoso foi historicamente denominada Teodicéia. A palavra foi cunhada em 1710 pelo filósofo alemão Gottfried Leibnitz (1646-1716). Seu sentido é "justificação de Deus" (do grego theós "Deus" e dikê "justiça"). A dificuldade do problema foi bem definida pelo filósofo escocês David Hume (1711-1776) numa retomada do antigo filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.). Conforme escreveu David Hume: “As antigas perguntas de Epicuro permanecem sem resposta. Quer ele (Deus) impedir o mal, mas não é capaz de fazê-lo? Então ele é impotente (i.e, não é onipotente). Pode ele fazê-lo, mas não o deseja? Então ele é malévolo. Não é ele tanto poderoso como o deseja fazê-lo? De onde, pois, procede o mal?

Tipos de Mal

1. Mal moral

O mal moral tem a ver especialmente com o pecado, porque ele entrou no mundo quando houve a revolta dos anjos e dos homens. Ambas as situações envolveram algum tipo de pecado. Segundo a Escritura, “o pecado é a transgressão da lei” (1 Jo 3.4). Portanto, toda manifestação do mal moral tem a ver com a lei moral que Deus estabeleceu.

2. Mal físico

Está diretamente ligado a criação e procede da justiça retributiva de Deus que si irou contra o pecado das sua criaturas. Ele é o resultado do desagrado de Deus pela violação dos seus princípios morais. O mal físico abrange a totalidade da criação. O mal físico procede: de seres espirituais, por imputação, pelos pecados, maus governantes, fenômenos da natureza e por Deus.

O problema da existência do mal em nosso universo pode ser visto de duas perspectivas, que eu chamaria de negativa e positiva, porque a primeira diz respeito à ausência do bem, e a última porque diz respeito à presença de um mal real.

3. Maimônides

Para Maimônides é um elemento endêmico a criação, ele distingue três tipos de mal:

I. Mal natural à causa desse mal é o de que o homem possui um corpo sujeito à corrupção;

II. Mal de ordem social tal está sob o controle do homem e não pode ser causado pode Deus;

III. Mal que as pessoas causam a si mesmo por se entregarem aos seus próprios desejos e aos seus vícios.

Leibnitz

Alem de matemático e filosofo brilhante, Leibnitz (1646-1716) ficou conhecido por escrever uma obra sistemática detalhada com a intenção de construir uma teodicéia elaborada. O relacionamento do mal com a vontade do Criador benevolente discutido por ele em sua obra “Essais de Théodicée - sur lafypnté de Dieu, la liberté de Vhomme et lorigine du mal”. Sob ainfluência de Agostinho, argumentou que era impossível evitar o mal metafísico do mundo, por causa de sua imperfeição enquanto elemento criado, mas que Deus havia criado “o melhor dos mundos possíveis” (Pfeil, 16) e o dirigia para os seus bons propósitos. Leibnitz chamou Deus de a “monada suprema”, ato puro, criador é conservador do universo e desenvolveu uma teodicéia otimista que também limitava a Deus.

Na tentativa de explicar sua teodicéia, Leibnitz perguntava: se Deus e bom é o criador do melhor mundo possível, por que então o mundo esta cheio de pecado e de dor? Leibnitz não viu problema real aqui. Sua resposta é simples e clara:

a) Vemos apenas uma pequena fração do universo. Julga-lo cheio de miséria nessa pequena fração e presunção. Assim como um desenho ou uma pintura não e visível quando vista do canto do mesmo, também a ordem do universo excede nossa capacidade de julga-lo.

b) O melhor mundo possível não quer dizer sem nenhum mal, mas que menos mal do que isso e impossível.

c) O mal e o pecado não existem ontologicamente; são negações da realidade. Todos os seres criados são limitados e imperfeitos; portanto o pecado e o mal são necessários aos seres criados. (Discurso sobre a Metafísica, 30).

Tradição judaica

O mal é consequência da ação livre do homem.

a) Retribuição horizontal. Devido à personalidade corporativa do povo judeu, uma pessoa ou um grupo pode sofrer por causa dos pecados de outrem. Alguns exemplos são: a historia de Acã (veja Josué 7), a citação talmúdica de que Jerusalém foi destruída por causa dos maus-tratos entre os homens (BT Git. 55b-56a) e o servo sofredor (Segundo Isaias).

b) Retribuição vertical. A sugestão dessa posição e que e possível sofrer por causa dos pecados dos antepassados (veja Lamentações 5.7).

c) Retribuição escatológica: A perspectiva escatológica envolve três elementos fundamentais no pensamento judaico: a redenção messiânica, a ressurreição do corpo e o mundo vindouro. Todas essas concepções prometem uma justiça retributiva tardia, possivelmente motivada pelo sucesso visível de muitos ímpios (veja Jeremias 12.1,2 e Mid. SI 1.20, 11b). Saadia Gaon (883-942)R, enfatizando

a concepção escatológica, afirmou que a recompensa do comportamento de um homem não se da neste mundo, mas somente no vindouro. Sua interpretação entendia que isso era uma “necessidade lógica” e não uma doutrina bíblica (Sherwin, 963). Outra preocupação fundamental da teodicéia judaica envolve sua rejeição ao dualismo, enfatizando Deus como a fonte de todas as coisas, inclusive o mal: Ha em Deus um atributo que e chamado mal. (Sefer ha- Bahir, no. 162, 71)

Mal explicado como sendo a ausência do bem

Desde há muito na história da igreja, especialmente no tempo Agostinho, o mal tem sido explicado como sendo a privatio boni (privação do bem), que é para Richard A. Muller a suposição de que Deus criou todas as coisas boas, juntamente com o princípio filosófico de que realidade de uma coisa é melhor do que a sua existência potencial, que conduz diretamente à questão da origem e da natureza do mal.

Esse assunto é quase tão antigo quanto a história da igreja cristã. A noção de que o pecado é a privação do bem remonta principalmente ao tempo de Agostinho.

Um resumo do pensamento agostiniano é o seguinte:

• Deus é o autor de tudo o que é criado no universo. Deus é bom e disto segue-se que ele é o autor de todo bem, porque reflete a bondade de Deus. Portanto, das coisas criadas não há coisas más.

• O mal existe, mas não é uma coisa ou substância; ele é uma privação ou a ausência ou corrupção das coisas criadas.

• Portanto, não se segue que Deus criou o mal.

Por “privação do bem Agostinho quer dizer a falta de alguma coisa ou a ausência de alguma coisa que deveria estar lá.” Geisler. Nessa teoria agostiniana o mal não é em si mesmo uma substância, porque ele não existe por si mesmo. Uma pessoa que nasce sem a visão está sujeita a um mal. O mal é a falta ou a privação da visão. Ele não existe em si mesmo. O mal é apenas a corrupção ou a ausência de coisas boas que são feitas por Deus. Em outras palavras, como afirma Muller “o mal não é uma coisa criada ou uma substância real, mas antes erro ou distorção de uma coisa ou substância” que no caso aqui é o bem. O mal existe quando há a ausência ou a falta de alguma coisa que deveria estar presente lá. No caso em pauta é a visão. O mal ocorre quando uma coisa boa desce de um nível mais alto para um mais baixo. Poderíamos dizer não existe nenhum mal exceto quando há a diminuição do bem.

Então, vem a questão crucial: Se Deus é bom, e tudo o que ele cria é bom, de onde procedem as privações ou ausência do bem na natureza?

A saída de Agostinho a essa pergunta teve duas respostas:

Primeira, na conta de Agostinho, Deus é a fonte de toda perfeição e tudo o que vem dele é perfeito, sendo um ser absolutamente simples. Diferentemente, o homem é um ser composto de partes e, por isso, pode ser decomposto. Deus e as coisas criadas são de natureza diferente. Tudo que provém de Deus é bom, mas a criação permite ser mudada. A criação torna o mal possível por causa da sua própria natureza, que pode ser destruída por sofrer privação. Todavia, Deus não pode sofrer qualquer mudança e, portanto, não pode ser o autor da corrupção da criação. Ele fez a criação com a possibilidade (mas não com a necessidade) de ter a privação do bem.

A resposta de Agostinho sobre a causa da privação do bem nas coisas criadas é que Deus fez o homem com livre arbítrio. Como perfeito que é Deus não poderia causar o mal. O mal, em si mesmo, não possui existência criada. Logo, o mal existe por causa do livre-arbítrio. Este,

“é a causa da corrupção do mundo bom que Deus fez. Uma das boas coisas que Deus fez foi foi o poder da escolha livre. É bom ser livre, mas com essa liberdade vem a capacidade de realizar o mal. Visto que o homem é finito, ele é capaz do mal. Sua escolha livre muda o mal metafísico de ser uma possibilidade teórica para ser uma realidade.” Geisler

Mal explicado como sendo a presença positiva do pecado

É importante para os meus propósitos nesta parte do capítulo identificar o pecado com o mal. É verdade que nem todo mal é pecado, mas todo pecado é um mal moral. Entre os teólogos de círculos calvinistas há a tendência muito forte de se considerar o pecado como um mal positivo, não como simplesmente a privação do bem, por causa da ênfase do calvinismo na doutrina da depravação do homem.

John Murray, disse que

¨o pecado é um mal real. Real em oposição a todas as teorias que consideram o pecado como uma ilusão, e em oposição a todas as teorias que concebem o pecado como sendo uma negação, privação ou limitação. O pecado é alguma coisa positiva... não simplesmente a ausência de alguma coisa.”

Louis Berkhof tem um pensamento semelhante. Ele diz que o pecado ¨não é algo meramente negativo, a ausência da justiça original, mas um poder positivo do mal.”

Todavia, o mal não é simplesmente a ausência do que é bom. Se o fosse, o pecado seria unicamente não fazer nada, apenas a omissão do que é bom. Portanto, não podemos falar unicamente na ausência do bem, mas também na presença do mal. Isto ficou absolutamente claro na definição que Westminster deu ao pecado. Os teólogos da Assembléia de Westminster disseram não somente que o pecado é a falta de conformidade com a lei de Deus, mas também disseram que o pecado é a transgressão da sua lei. A definição não ficou somente no aspecto negativo, mas também há um aspecto positivo, que trata da transgressão da lei de Deus. O pecado não tem simplesmente a idéia de ausência do bem mas tem a ver com a prática mal. O mal, portanto, não é simplesmente negativo mas também positivo. O pecado da omissão [do bem] é uma falha em fazer o que deveríamos fazer e o pecado da comissão é fazer o que nos está proibido fazer. A natureza do mal, portanto, tem a ver com as duas coisas: com a omissão e com a comissão. Adão não somente deixou de fazer o que é bom, mas também fez o mal. Uma noção não somente negativa, mas também positiva do mal.

A origem do Mal

• A Origem do Mal Moral

A mais difícil pergunta que aparece para a teologia cristã é a respeito da origem do mal moral. De onde e como ele veio? Há algumas tentativas de resposta. Vamos analisar uma a uma e terminar com a resposta da Escritura, até onde ela revela sobre esse assunto.

• SOLUÇÃO DADA PELOS LIBERTÁRIOS

Os defensores da do livre-arbítrio asseveram que Deus criou criaturas livres às quais ele permite escolher o mal. Os libertários são aqueles que pugnam por uma liberdade de independência e uma liberdade de autonomia e alguns até aceitam uma liberdade de neutralidade moral. Por liberdade de independência eu quero dizer que os seres humanos não tem satisfação alguma para dar a ninguém. Eles agem sem terem qualquer responsabilidade diante de Deus. Por liberdade de autonomia eu me refiro à liberdade deles agirem sem que a ação seja causada ou influenciada por uma outra pessoa ou que a vontade seja influenciada por qualquer outra faculdade da personalidade humana. Por liberdade de neutralidade moral eu me refiro àqueles que ensinam que todos os homens, à semelhança de Adão, nascem sem inclinação moral, que não tem nada neles que os leve a fazer o bem ou o mal. Em resumo, os libertários dizem que o homem não é influenciado por nada de fora e nem por nada e dentro. A vontade humana é independente de Deus e autônoma quanto à própria natureza do homem.

Esses são os defensores da vontade-livre. Isto é, a vontade humana é independente e autônoma em suas decisões. Nada influencia a vontade humana. Ela é independente das circunstâncias externas (mesmo o decreto divino!) e internas do homem segundo Laurence A. Bonjour e Bassinger.

• SOLUÇÃO DADA PELOS DETERMINISTAS

A resposta dada pelo determinismo filosófico é a de que ¨o futuro dos seres humanos é inevitável para eles, de forma que a liberdade de escolha é ilusória” Sinclair B. Ferguson e David F. Wright.

A liberdade é ilusória se liberdade para eles significa independência e autonomia. Ora, se tudo está determinado, então essa liberdade não pode existir. Por isso é que é uma ilusão pensar em liberdade.

A resposta de alguns teístas deterministas ou necessitários, afirma que o mal era necessário na criação de Deus ou que Deus criou igualmente tanto o mal quanto o bem. O mal, nesse caso, é um resultado direto de uma ação causadora de Deus. Esses deterministas acabam colocando o mal como parte da criação original de Deus, pois este não podia escapar de criar o mal. Eles conectam o bem com o mal de forma que um não pode existir sem o outro, porque não se pode conhecer o mal sem que haja o parâmetro do bem ou vice versa.

• SOLUÇÃO DADA PELA ESCRITURA

A resposta fácil dada pelos voluntaristas diz que a vontade livre (autônoma e independente) das criaturas é a causa última do aparecimento do mal no mundo. É verdade que os nossos primeiros pais resolveram escolher o mal antes do que continuarem fazendo o bem. Todavia, a resposta fácil dos voluntaristas não explica como uma pessoa que possuía inclinação para o que é bom pode escolher exatamente o que é mal.

A resposta fácil dada por alguns deterministas também não interessa ao estudioso sério das Escrituras. É comum mesmo entre alguns calvinistas que, ao afirmarem fortemente a soberania divina, afirmando a necessidade dos eventos, acabam por negar a liberdade de ação dos seres racionais.

A Bíblia ensina, no seu escopo geral, não somente que Deus é soberano absoluto, mas que também o homem é livre e responsável.

A Teodicéia

Historicamente, na tentativa de construir-se essa explicação que procura manter a justiça de Deus diante do mal, vários tipos básicos de teodicéia foram elaborados. Os principais tipos respondem ao problema assim:

A Teoria do Livre-arbítrio

É a posição clássica das religiões monoteístas. Ela afirma que Deus permite o mal e o utiliza para fins bons. Deus permite o mal para produzir um bem maior. Nunca foi elaborada solução mais razoável e esperançosa do que a judaico-cristã. Para explicar a origem do mal, afirma-se que o mal sempre seria uma possibilidade, visto que Deus criou seres dotados de vontade livre. E para que fossem de fato livres, e não máquinas, tais seres sempre teriam a possibilidade de optar contra a vontade de Deus, dando assim origem ao mal.

A Teoria Pedagógica

Numa teodicéia pedagógica o enfoque é deslocado da origem do mal e é colocado principalmente nos possíveis bons resultados da experiência do sofrimento. A idéia é que a experiência do sofrimento (mal) é um benefício indispensável para o desenvolvimento das capacidades humanas, do contrário a humanidade permaneceria eternamente na infância. Argumenta-se, por exemplo, que um pouco de sofrimento aumenta a nossa própria satisfação com a vida e que um sofrimento maior e mais intenso desenvolve em nós uma maior profundidade de caráter e de compaixão.

A Teoria Escatológica

Uma teodicéia escatológica diz que há esperança para o problema, pois ela está baseada na convicção de que a vida transcende a morte e que justiça e injustiça receberão sua devida recompensa. As perspectivas variam desde uma esperança entre o inaugurar de uma nova história humana por meio da ressurreição ou ainda como uma vida em um reino celestial após a morte.

A Teoria da Teodicéia Protelada

É uma postura de expectativa e fé em Deus a despeito do mal. A fé na soberania e bondade finais de Deus espera a compreensão de todas as questões. A diferença entre essa teodicéia e a teodicéia escatológica é a seguinte: na teodicéia protelada espera-se mais uma compreensão do que uma compensação final do mal. Argumenta-se que as limitações humanas e a tremenda distância que separa Deus do homem não nos permitem conhecer as razões da permissão do mal agora.

A Teoria da Teodicéia de Comunhão

Para muitos, a experiência do sofrimento leva o homem a encontrar motivos para romper com o divino. Essa é, por exemplo, a fonte do ateísmo, do agnosticismo e do antagonismo religioso. A Teodicéia de Comunhão enfatiza que Deus é principalmente percebido e conhecido no sofrimento. O Deus verdadeiro é aquele que se compadece. É o Deus que sofre com suas criaturas e que, de certa forma, é vítima do mal, juntamente com elas. Esta teodicéia não explica o sofrimento imerecido. Todavia, transforma a visão sobre o sofrimento, pois o sofrer por um propósito justo é fazer a vontade de Deus e torná-lo conhecido.

A Rejeição da Resposta Cristã

No panorama da história, muitas correntes de pensamento apresentaram soluções alternativas para o problema, sem a intenção de justificar a Deus. Vamos apresentar um resumo daquelas posições filosóficas que tratam o problema do mal com um enfoque distinto do teísmo ou da teodicéia. As diversas propostas de resolução das relações entre o divino e o mal serão delineadas, destacando os seus principais representantes.

Alguns Negam a Existência do Mal

O Mal é visto como ilusão. Essa perspectiva é encontrada em conceitos monistas e panteístas. A tensão entre Deus e o mal é resolvida pela negação do mal. A cosmovisão hindu (ensinos Vedanta), Zenão (336-274 a.C.) e Spinoza (1632-1677) são exemplos desta perspectiva. Spinoza, por exemplo, chega a afirmar que o mundo parece cheio de mal apenas porque é visto de uma perspectiva humana estreita e errônea. Da perspectiva divina, porém, o mundo forma um todo necessário e perfeito. A dificuldade dessa posição é provar que os sentidos não merecem confiança alguma, visto que eles apontam para a realidade objetiva do mal. Além disso, os defensores dessa perspectiva precisam responder por que tal "ilusão" é tão comum e se mostra persistente na história humana? Que conhecimentos nos levam a tal conclusão? Seria tal conclusão uma ilusão também?

Alguns Negam a Existência de Deus

Essa é a perspectiva do ateísmo. É a negação da realidade de Deus. Os ateus opõem-se diretamente aos “ilusionistas”. Afirmam a realidade do mal com base nos sentidos e negam a realidade de Deus, cuja existência é incompatível com o mal. O pensamento ateísta sistematizado desenvolveu-se nos últimos dois séculos de história da filosofia ocidental, fruto do racionalismo. Os principais argumentos ateístas são: 1) Deus e o mal são mutuamente excludentes: se o mal existe, logo Deus não pode existir; 2) Se Deus existisse, ele não seria Deus propriamente dito, pois carece de bondade por permitir o mal; 3) Se Deus existisse ele não seria Deus propriamente dito, pois carece de poder visto que permite o mal.

É no pensamento europeu contemporâneo que encontraremos um exemplos dessa posição: Arthur Schopenhauer (1788-1860). Há também filósofos existencialistas ateus que enfatizam o absurdo da realidade, vendo o homem como um ser sem saída. Os principais são Jean Paul Sartre (1905-1980) e Albert Camus (1913-1960), famoso por sua obra “A Peste”. Schopenhauer cria que a realidade última é a cega vontade irracional de viver que a todos impulsiona. Tal vontade transcendental é essencialmente má, particularmente pelo fato de haver criado o nosso corpo com desejos que não podem ser satisfeitos. O sofrimento é causado pelo desejo incessante que nunca pode ser plenamente atendido. A dor e a ilusão são inevitáveis. A maior tragédia humana é o fato de ter o homem nascido.

Entre o pensamento judaico-cristão e as alegações ateístas têm surgido propostas problemáticas e incompletas que merecem ser mencionadas.

Negação da bondade de Deus. Deus pode ser poderoso, mas é visto como mau e comprometido com a desgraça e o sofrimento.

Negação do poder de intervenção de Deus. O bem não tem poder infinito sobre o mal. Essa é a posição deísta, da teologia do processo e do teísmo aberto. Fundamenta-se na realidade da persistência do mal. O bem parece não ter poder para destruí-lo.

Negação do poder original de Deus. Deus foi obrigado a criar um mundo mau. Deus, sendo limitado, tinha necessidade de criar um mundo e não pode impedir que este fosse mau.

Negação da onisciência divina. Deus não podia prever o mal. Deus é criador, e justo, mas não é plenamente onisciente.

Negação da imanência divina. Deus não pode ser avaliado pelos nossos padrões morais. Desse modo não é necessário defender sua conduta. Suas ações estão numa esfera de atuação que não podemos julgar.

A verdade é que o Problema do Mal permanece como a questão mais difícil da história da teologia. As outras tentativas de resolvê-lo parecem apenas tê-lo complicado ainda mais. A esperança cristã continua afirmando uma mistura das teodicéias aqui apresentadas. Mas a sua essência ecoa por toda a história: Deus permite o mal e o utiliza para fins bons, e Deus permite o mal para produzir um bem maior. Por isso, vivemos pela fé e sempre na esperança.