Os pecados dos herois da fé

"Os vasos em quem Deus habita tem furos"

D.L. Moody

Recentemente uma pessoa me falou que estava decepcionada com um "heroi da fé". Ela soube que o tal heroi, conhecido por ser um notável pregador do século XVIII, era proprietário de escravos. Pensava, disse ela, que ele fosse mais santo.

Vários grupos sociais têm seus ícones, pessoas que sofrem de imunidade contra qualquer tipo de falha moral. São infalíveis, indefectíveis, imaculados. Os comunistas têm Che Guevara, os pacifistas têm Gandhi. Nas religiões, personagens históricos adquirem certa aura que beira a perfeição. Os muçulmanos têm Maomé; budistas têm Buda e os católicos admiram o papa.

E como é entre os cristãos evangélicos? É grande a tentação de colocar pessoas em um pedestal. Há, inclusive, grupos que se identificam pelos nomes dos seus líderes: calvinistas, wesleyanos, luteranos, etc. Alguns são mencionados como que dotados de um poder sobrenatural, santidade e sabedoria plenas. Não é a toa que livros como Herois da fé, de autoria de Orlando Boyer (CPAD), fazem tanto sucesso.

Contudo, quando lemos as biografias de alguns destes personagens da igreja cristã descobrimos fatos que podem surpreender: Lutero aconselhou apunhalar camponeses revoltosos, Calvino concordou com a morte de hereges em Genebra, Spurgeon fumou e ingeriu bebidas alcoólicas durante seu ministério, o evangelista George Whitefield teve escravos em pleno século XVIII e Martin Luther King foi acusado de ter tido uma amante. Estes fatos são notórios e constam de livros em português. Mas, o que eles nos revelam? Foram impostores, fariseus? Não, eles foram importantes líderes da igreja cristã, dedicados servos de Deus, que realizaram obras que marcaram o mundo em que pisaram.

Entretanto, eram humanos. E assim sendo, carregavam em si a semente do pecado. Lutavam contra si mesmos. O próprio Deus deixou gravado na Bíblia inúmeras histórias de seus santos cometendo pecados. Abraão enganou, Moisés desobedeceu a Deus, Davi adulterou, João Batista duvidou, Pedro negou. Eram santos que pecavam e pecadores que buscavam ser santos. Deus não os abandonou. Dentre os que são mencionados como exemplo para nossa fé estão pessoas que não foram exatamente modelos perfeitos de virtude como Jacó, Raabe e Sansão (Hebreus 11).

Na verdade não há herois da fé no sentido que se costuma dar. O próprio Cristo afirmou que o tamanho da fé não é importante, mas em quem ela é depositada (Lc. 17:6). O que há são pessoas que merecem nosso respeito por sua dedicação e fé, mas ainda assim imperfeitos. No fim das contas, a história da igreja revela a excelsa graça de Deus. Ela mostra que tipo de material é habitado pelo Espírito: homens e mulheres inacabados, carentes do perdão e da misericórdia divina. Por isso Abigail van Buren disse certa vez: "Uma igreja é um hospital para pecadores, não um museu para santos".