NÃO TERÁS OUTRO DEUS DIANTE DE MIM

Pessoas civilizadas e pacificas (religiosas ou não) no mundo moderno têm grande dificuldade em entender porque alguns devotos chegam a dar a própria vida e matar pessoas pela sua fé em um deus. Nesse artigo tentarei esclarecer resumidamente essa questão.

Antes das religiões monoteístas dominarem o planeta, existia o politeísmo, o culto a vários deuses. Era comum o exercito invasor tolerar a religião da nação conquistada, e até absorver alguns dos costumes locais, mesclando os deuses nativos aos seus. A tolerância com os deuses alheios vai acabar quando surge uma nova religião: o judaísmo, que muitos citam como sendo a primeira religião monoteísta do mundo (na verdade, a primeira tentativa de criar o culto a um só deus acontece com Akenaton, no Egito, século 14 a.C., mas sua religião não durou vinte anos).

O judaísmo ensina que Javé (Jeová) é o único deus existente, e que Moisés é o profeta que recebeu desse deus as leis para conduzir seu povo. Hoje, para a maioria dos especialistas em estudos religiosos, esse conto de um homem que fala com Deus e recebe leis é uma invenção anterior ao judaísmo. É uma velha fórmula conhecida: para dar mais credibilidade às leis, inventa-se que elas foram entregues por Deus a um rei ou profeta. Séculos antes do judaísmo, o rei Hamurabi já havia utilizado dessa fórmula ao dizer ao povo que seu estatuto havia sido entregue por um deus babilônico. E antes dele, outros usaram uma figura divina para assinar o código de leis. Voltemos ao judaísmo e sua primeira regra ou mandamento:

“Não terás outros deuses diante de minha face.” Estava decretada a proibição a ter outras crenças. Para que nenhum judeu se atrevesse a adorar deuses pagãos, os sacerdotes avisaram que Deus autorizava a pena de morte para quem cometesse tal pecado. A Bíblia (utilizei a versão eletrônica católica Ave Maria) nos informa em duas ocasiões que o próprio deus hebreu aparece confirmando essa lei:

Em Números 25,1 é dito que alguns hebreus se prostituíram com as filhas de Moab, e adoraram seus deuses. Em seguida lemos:

“Israel juntou-se a Beelfegor, provocando assim contra ele a cólera do Senhor: ´Reúne, disse o Senhor a Moisés, todos os chefes do povo, e pendura os culpados em forcas diante de mim, de cara para o sol, a fim de que o fogo de minha cólera se desvie de Israel.´ Moisés disse aos juízes de Israel: ´Cada um de vós mate os seus que se tenham juntado a Beelfegor.´” Parece estranho que Deus mande matar seres humanos apenas porque cultuaram deuses vizinhos. Mas Javé era ciumento, como ele mesmo afirma, e não admitia concorrência. Em outro livro bíblico, Javé diz a Moisés que, ao chegar a uma terra que ele deu aos judeus, for encontrado alguém que cultua outra divindade, essa pessoa deve ser morta a pedradas (Deuteronômio 17,2).

Você consegue imaginar um Deus bom e sábio mandando matar até bebês de colo apenas porque seus pais cultuam outros deuses? Pois isso acontece dezenas de vezes na Bíblia.

Números 31, 13: o exército de Moisés (guiados por Javé) mata tribos pagãs inteiras, mas conserva as meninas virgens para eles, para serem usadas sexualmente até que se enjoassem delas (com autorização do deus hebreu, aquele do Antigo Testamento). Depois, eles as mandavam embora.

Em Êxodo 32, ficamos sabendo que o povo, impaciente com a demora de Moisés que fora receber as tábuas da lei, construiu um bezerro de ouro, símbolo de um deus egípcio. Qual foi o castigo que Javé impôs aos que adoraram o ídolo pagão?

“Eis o que diz o Senhor, o Deus de Israel: cada um de vós meta a espada sobre sua coxa. Passai e repassai através do acampamento, de uma porta à outra, e cada um de vós mate o seu irmão, seu amigo, seu parente!” Os filhos de Levi fizeram o que ordenou Moisés, e cerca de três mil homens morreram naquele dia entre o povo.” Três mil mortos, pelo crime de adorar uma escultura.

Números 21,34:

“Disse, pois, o Senhor a Moisés: Não o temas, porque eu to entreguei na mão, a ele, a todo o seu povo, e à sua terra; e far-lhe-ás como fizeste a Siom, rei dos amorreus, que habitava em Hesbom. Assim o feriram, a ele e seus filhos, e a todo o seu povo, até que nenhum lhe ficou restando; também se apoderaram da terra dele.”

Deuteronômio 7,1:

“Quando o Senhor teu Deus te houver introduzido na terra a que vais a fim de possuí-la, e tiver lançado fora de diante de ti muitas nações, a saber, os heteus, os girgaseus, os amorreus, os cananeus, os perizeus, os heveus e os jebuseus, sete nações mais numerosas e mais poderosas do que tu; e quando o Senhor teu Deus as tiver entregue, e as ferires, totalmente as destruirás; não farás com elas pacto algum, nem terás piedade delas”. Perceba que Javé (Jeová) é um deus cruel: manda matar os idólatras sem nenhuma compaixão.

Deuteronômio 20,10:

Javé diz aos hebreus que, ao entrarem em terras pagãs, devem propor a paz. Se seus habitantes aceitarem, serão escravizados, se recusarem a paz, devem ser mortos a fio de espada. Javé lhes dava duas opções: escravidão ou morte. São muitos exemplos, mas paremos por aqui. Os historiadores nos ensinam que esse conceito criado pelo judaísmo: “matar quem não segue meu deus”, será seguido pelas duas religiões monoteístas que vieram a seguir: o cristianismo e o islamismo.

O cristianismo logo que se torna a religião oficial do império romano (séc. 4 de nossa era) começa uma campanha de caça aos hereges. A Santa Inquisição que começou no século 11 e terminou em meados do dezoito, matou segundo alguns dados, mais de cinco milhões de pessoas: mulheres acusadas de bruxaria, ateus, homossexuais, e quem praticasse outra religião ou desmentisse as escrituras. Muitos desses assassinatos foram autorizados por reis católicos, mas com a total concordância da Igreja. É justo dizer que Lutero também fez sua inquisição e ordenou matar os inimigos do protestantismo. Essa selvageria tinha aval da Bíblia: quem não segue o deus verdadeiro, deve ser morto.

A matança a mando da Igreja terminou por três motivos principais:

O renascimento (séc. 15) trouxe novos conhecimentos ao povo que começou a questionar os dogmas; o protestantismo de Lutero que dividiu a Igreja, enfraquecendo-a, e a Revolução Francesa, que separou o estado da Igreja, impedindo que a Igreja católica continuasse com seu poder de matar quem bem quisesse.

Hoje, o cristianismo é uma religião relativamente pacífica, embora alguns líderes religiosos ainda incentivam o preconceito contra algumas minorias, chegando a sugerir que homossexuais e seguidores de religiões africanas devem ser mortos. No Brasil, a cada dois dias, um homossexual é morto. E cada vez grassa os ataques a terreiros de candomblé.

Já o islamismo, que durante a Idade Média era muito mais avançado cientificamente e tecnologicamente do que o Ocidente, de repente estagnou. Não teve em suas terras nenhum renascimento, nenhum Lutero, e nem uma revolução nos moldes franceses. Não conheceu os escritos dos filósofos iluministas, os saberes da psicologia, da ciência e de Darwin. Resultado: alguns clérigos ainda conservam a velha fórmula: se não seguir meu deus, morrerá. Embora a grande maioria dos religisoso seja contrária ao uso da força e do terror em nome de Deus, a minoria extremista tem mostrado que por Deus se pode tudo, até matar inocentes.

Segundo a maioria dos acadêmicos e estudiosos, os livros sagrados foram escritos por homens, com o conhecimento que possuíam à época, e utilizaram o nome de Deus para dar mais credibilidade ao seu testemunho.

Mesmo que Deus tenha inspirado homens santos no passado, talvez o devoto deveria se perguntar: um Deus bom e amoroso seria a favor de crimes que trazem dor e sofrimento a inocentes?

Pelo bem da humanidade, é preciso que um novo iluminismo venha sobre todos os povos da terra, que os países ricos ajudem aqueles povos que mais necessitam de ajuda intelectual e material, pois só assim teremos um fim dos crimes cometidos em nome de Deus.