RESPEITO À CRENÇAS?

O recente debate sobre a ativista transsexual que fez cosplay de Jesus na parada gay me fez pensar novamente naquela velha questão: crenças devem ser respeitadas? Desta vez, em uma discussão, tentei resumir ao máximo minha tese em um simples argumento: ou todas as crenças devem ser respeitadas ou nem todas as crenças devem ser respeitadas. Claro, existe a minha tese, de que nenhuma crença deve ser respeitada.

1 - Se você diz que nenhuma crença deve ser respeitada, não temos problema algum (talvez algum que seja um tanto contra-intuitivo, mas que pode ser explicado posteriormente). No entanto, se diz que todas as crenças devem ser respeitadas, temos um problema, porque alguém poderia inventar uma crença bizarra e todos teriam que respeita-la. Por exemplo, eu poderia ter uma adoração fanática por Michael Jackson a ponto de crer que deve ser proibido publicar imagens de Michael Jackson. Se a tese de que todas as crenças devem ser respeitadas for verdadeira, então essa crença deveria ser respeitada e, para que respeitem minha crença, as pessoas não deveriam publicar fotos de Michael Jackson. Eu poderia criar as crenças mais bizarras possíveis e todos teriam que obedece-las para que não me desrespeitem, por exemplo, eu poderia crer que é errado usar vermelho na segunda-feira ou que as pessoas devem atravessar faixas de trânsito fazendo moonwalk.

2 - Parece que crenças bizarras não devem ser respeitadas, portanto, nem todas as crenças devem ser respeitadas. No entanto, quando se tenta definir quais crenças devem ou não devem ser respeitada, cai-se imediatamente em contrassensos injustificáveis. Alguém poderia dizer que minha crença não deve ser respeitada porque apenas eu a tenho. Ora, se o respeito à crenças é um direito, não importa quantas pessoas partilham dela. Além do mais, eu poderia perguntar a partir de quantas pessoas uma crença se tornaria digna de respeito. Poderiam dizer que minha crença não é arraigada como uma crença religiosa. No entanto, isso é algo impossível de ser provado. Poderiam alegar que minha crença não deve ser respeitada justamente por ser bizarra. No entanto, fica difícil definir o que é uma crença bizarra, eu sempre poderia alegar que a crença de que não devemos enfiar um crucifixo no ânus é, para mim, uma crença bizarra. Além do mais, ao tentar justificar por que algumas crenças não devem ser respeitada, sempre corremos risco de usarmos um certo nepotismo, criando critérios que favorecem sempre as nossas crenças em detrimento das demais. A resposta mais comum é a de que crenças devem ser respeitadas se e somente se desrespeita-las gera ofensa por parte de quem tem tal crença. Mas isso não muda nada no caso de crenças bizarras. Eu poderia me sentir profundamente ofendido se alguém publicar imagens de Michael Jackson, portanto, minha crença deveria ser respeitada.

Não há qualquer maneira de justificar por que algumas crenças deveriam ser respeitadas e outras não. Portanto, ou todas devem ser respeitadas ou nenhuma deve ser. Como a tese de que todas as crenças devem ser respeitadas, inclusive as crenças bizarras, implica em consequências desagradáveis, só nos resta dizer que nenhuma crença deve ser respeitada.

Não devemos, no entanto, confundir respeito à crenças com respeito à pessoas. Defendo que crenças não merecem respeito, mas pessoas sim. Ideologias como o racismo, o nazismo, a homofobia, a xenofobia, são coisas que desrespeitam pessoas, não suas crenças. São ideologias potencialmente perigosas para a integridade física e emocional dos indivíduos. O desrespeito envolvido em queimar uma Bíblia não é a mesma coisa que ofender um homossexual. No primeiro, estou queimando um livro, que não tem sentimentos, o que não é o caso no segundo. O que há, no primeiro caso, é uma crença de que não se pode queimar a Bíblia, e isso é uma crença tão bizarra quanto crer que não se pode queimar revistas de Superman. No entanto, vemos a primeira crença com bons olhos, mas não a segunda (de queimar revistas de Superman), mas elas não são substancialmente diferentes. Uma é apenas socialmente aceita, e outra não, mas sem nenhuma justificativa racional para isso. Como disse Bertrand Russsell, a diferença entre um homem que acredita que é um ovo cozido e o resto da população é que ele é uma minoria. A população em geral tem crenças tão bizarras quanto a de um homem que acha que é um ovo cozido.

Então não, minha tese de que crenças não devem ser respeitas não implica que pessoas não devem ser respeitadas. Ofender uma pessoa, sua imagem, sua dignidade, é muito diferente de zombar do que ela acredita. Embora eu não seja muito adepto da zombaria e da ironia, preferindo uma conversa sóbria e racional, não creio que deva ser proibido zombar de crenças, qualquer que sejam elas. Não há razão para algumas crenças sejam "intocáveis" (ou "inzombáveis") e outras não.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 13/06/2015
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