Laodicéia –Identidade, (Des) construção e (Re) construção.

As relações entre o indivíduo e o mundo que o rodeia são regidas pelo mecanismo perceptivo e todo o conhecimento é necessariamente adquirido através da percepção. Não só o conhecimento dos mundos fora de si, mas os mundos dentro de si. É nessas relações que os indivíduos constrói, des-constroi e re-constroi as imagens e auto-imagem e por conseguinte, as identidades.

O texto sagrado que acabamos de ler suscita algumas questões inerentes ao que somos, o fundamento do que somos e a coerência entre o que cremos e o que somos. Estaremos refletindo sobre estas questões subordinados ao tema “ Laodicéia – Identidade, (des) construção e (re) construção”

I. Quem é Laodicéia?

A cidade de Laodicéia foi fundada em 250 a.C., por Antíoco da Síria. A cidade era importante pela sua localização. Ficava no meio das grandes rotas comerciais. Era uma cidade rica e opulenta. A cidade de Laodicéia foi fundada no século III A.C. Ela foi ampliada por Selêucida Antíoco II, e seu nome foi trocada em homenagem a sua mulher “Laodice”, pois antes a cidade se chamava “Diosópolis”, a cidade de Zeus.

P.s.: Só para deixar de passagem o nome “Laodicéia” significa “Justiça do Povo” que é da palavra grega “laodikeiai”, denotando talvez um governo democrático, ou também, pode ser algum juiz do povo. No entanto, quando nós desfragmentamos a palavra dá a idéia: “os costumes dos leigos ou as opiniões do povo comum.”1. Pois, “laos” significa povo em comum/leigos e “dicéia” significa costumes/opiniões do povo.

A cidade de Laodicéia destacava-se por quatro características:

1) Centro bancário e financeiro – Era uma das cidades mais ricas do mundo. Lugar de muitos milionários. Em 61 d.C., foi devastada por um terremoto e reconstruída sem aceitar ajuda do imperador. Os habitantes eram jactanciosos de sua riqueza. A cidade era tão rica que não sentia necessidade de Deus.

2) Centro de indústria de tecidos – Em Laodicéia produzia-se uma lã especial famosa no mundo inteiro. A cidade estava orgulhosa da roupa que produzia.

3) Centro médico de importância – Ali havia uma escola de medicina famosíssima. Fabricava-se ali dois unguentos quase milagrosos para os ouvidos e os olhos. O pó frígio para fabricar o colírio era o remédio mais importante produzido na cidade.

4) Centro das águas térmicas– A região era formada por três cidades: Colossos, Hierápolis e Laodicéia. Em Colossos ficavam as fontes de águas frias e em Hierápolis havia fonte de água quente, que em seu curso sobre o planalto tornava-se morna, e nesta condição fluía dos rochedos fronteiros a Laodicéia. Tanto as águas quentes de Hierápolis, como as águas frias de Colossos eram terapêuticas, mas as águas mornas de Laodicéia eram intragáveis.

Esses quatros elementos concatenados forjaram a autoimagem da cidade de Laodicéia bem como, projetou a imagem e a tornou atraente aos olhos de quem a visitava. Ela tornou-se a cidade-símbolo da pujança e da prosperidade. Esta era a percepção.

O ser humano é um ser visual. Essa afirmação se baseia no que Santaella (2012) diz, no início de sua obra, e que confirma a conhecida frase popular "quem vê cara, não vê coração". Somos propelidos a pensar, criar pressupostos, julgar e gerar hipóteses a partir do contato visual com o mundo, seus fenômenos e acontecimentos.

A percepção induzida não permitia ver a outra Laodicéia, a dos lares, dos guetos, dos excluídos, a da prostituição...

Com a igreja em Laodicéia não foi diferente. A igreja tinha a cara da cidade. Em vez de transformar a cidade, ela tinha se conformado à cidade. Laodicéia era a cidade da transigência e a igreja tornou-se também uma igreja transigente. A percepção que a igreja tinha de si é que todos que a compunha eram pessoas boas. Eles estavam satisfeitos com sua vida espiritual.A igreja de Laodicéia é a igreja popular, satisfeita com a sua prosperidade, orgulhosa de seus membros ricos. A religião deles era apenas uma simulação.De todas as cartas às igrejas da Ásia, esta é a mais severa. Jesus não faz nenhum elogio à igreja de Laodicéia. A única coisa boa em Laodicéia era a opinião da igreja sobre si mesma e, ainda assim, completamente falsa.

“17 Você diz: Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada.”

1. O ser igreja em Laodicéia estava sustentada na relação ter-fazer-ser

II. A des-construção de uma imagem

Uma imagem está estreitamente ligada à percepção.A percepção é um processo cognitivo, que pode ser descrito como a forma como vemos o mundo à nossa volta, o modo segundo o qual o indivíduo constrói em si a representação e o conhecimento que possui das coisas, pessoas e situações e a si mesmo, ainda que, por vezes, seja induzido em erro. Percepcionar algo ou alguém é captá-lo através dos sentidos e também fixar essa imagem. Dois indivíduos, da mesma faixa etária, que sejam sujeitos ao mesmo estímulo, nas mesmas condições, captam-no, seleccionam-no, organizam-no e interpretam-no com base num processo perceptivo individual segundo as suas necessidades, valores e expectativas.

A igreja em Laodicéia possui uma identidade fundada numa imagem fruto de uma auto percepção fundamentada no que ela possuía e no seu sistema de valores. Ela não se via como morna, afinal, ela tinha aparentemente tudo de que precisava para ser quem era.

Todavia, aos olhos de Jesus não era bem assim.

1. Jesus é o elemento da desconstrução

1. O Amém: É a palavra hebraica que expressa a idéia de veracidade. Em Is 65.16 aparece falando sobre o “Deus que diz amém” que a Septuaginta traduz por “o Deus verdadeiro”. Ou seja, esse “amém” seria uma tipificação do “Deus da verdade” conforme aparece em Isaias, porém, aqui indica a Jesus, o Cristo, que também é o “Deus da Verdade”.

2. Testemunha fiel e verdadeira: Próprio João escrevera que Jesus é fiel testemunha (1.5). E o próprio Cristo se apresenta como Verdadeiro à igreja de Filadélfia (3.7). R. C. Trench assinala, com justiça, que uma boa testemunha deve responder a três condições:

1.Deve ter visto com seus próprios olhos o que testemunha.

2.Deve ser totalmente honesto, deve repetir com exatidão o que viu e ouviu.

3.Deve ter a habilidade de dizer o que viu e ouviu, de maneira que seu testemunho produza a impressão correta nos que o ouvem.

Jesus Cristo satisfaz de maneira perfeita estas condições. Pode nos falar com relação a Deus porque veio dEle. Podemos confiar em suas palavras porque é o Amém. É capaz de dizer o que viu porque ninguém jamais falou como Ele. Jesus é a testemunha perfeita das coisas de Deus.

3. O principio da criação de Deus: Não podemos partir para as heresias como faz as Testemunhas de Jeová, que dizem que Jesus é um ser criado e foi o primeiro a ser criado por Deus. Esse texto não sustenta tal teologia. Aqui se refere a Jesus como base de toda Criação de Deus, foi à causa motriz de toda a criação, aquele que começou todo o processo da criação; tal como afirma R. C. Trench, "o princípio dinâmico". A palavra, em idioma grego, é arché principio de vem a nossa palavra arquiteto, podemos confirmar isso através de João declara em seu Evangelho dizendo que “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez” (João 1:3). “Nele”, diz Paulo, “foram criadas todas as coisas” (Col. 1:15, 18).

2. As implicações de Jesus na (des) construção

1)Cristo como o Amém – é o que dá a palavra inicial e final sobre o que é a igreja e como ela deve ser de forma que Ele apareça e seja glorificado, não, a igreja.

2)Cristo como a testemunha fiel – é o que contempla a igreja não só em sua ação, mas na sua motivação, não só a aparência, mas a sua essência. “Conheço as tuas obras...” não as obras da publicidade, mas as que faz quando diante da tv, do computador na internet, diante dos filhos que pai e mães você é?( Ilustração do pai diácono). Diante do cônjuge, diante de uma proposta escusa...

Na qualidade de testemunha das obras Ele aponta o real problema da igreja e declara o que fará a esta igreja. Jesus a condena porque a igreja deixou de ser “ não es frio e nem quente”. Jesus faz referência as aguas termais de Hierápolis e as águas frias de Colosso. Quando as águas de Hierápolis desciam pela montanha se misturavam com o calcário e perdia a sua substância termal o que a deixa intragável. Assim estava a igreja misturada com o mundo, morna ao que Jesus a vomitaria.

Em seguida Cristo a testemunha fiel destrói toda a imponência aparente daquela igreja:

•INFELIZ – de “ταλαιπωρος talaiporos” é àquele que desfruta constantemente a dureza de vida; “o infeliz é o aflito, o desgraçado”.

•MISERÁVEL – de “ελεεινος eleeinos” – é o DIGNO “de lástima”. O misarável é aquele que desperta paixão ao mesmo tempo em que inspira desprezo. É um indigente.

•POBRE – de “πτωχος ptochos” é o “mendigo, impotente, necessitado em todos os sentidos”.A palavra é originária da palavra “πτωσσω posso” que significa “rastejar”,

•CEGA – de “τυφλος tuphlos” tem raiz na palavra “τυφοω tuphoo” que ) levantar fumaça, envolver numa neblina, tornar-se arrogante, encher-se de orgulho, tornar-se insolente ou seja tornar-se cega com orgulho ou convencimento.

•NUA – de “γυμνος gumnos” é o “despido ou mal vestido de alguma forma exposto”.

Contudo, as misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos e se renovam a cada manhã. A igreja de Laodicéia tem uma oportunidade de sair dessa condição. A mesma oportunidade é franquiada a mim e a vocês. Observemos o texto.

III. A re-construção do ser

Nenhuma reconstrução é fácil, mas é necessário. A reconstrução da Igreja de Laodicéia era sine qua non para que se assentasse no trono com Jesus v. 21.

1)Arrependimento – o arrependimento é base para a reconstrução do relacionamento com Cristo, sem arrependimento toda a ação do homem em direção a Cristo não passará de esforço humano para atrair a atenção de Deus, mas, Isaias diz que nossos atos de justiça são como trapos de imundícia. O verdadeiro arrependimento tem como ação primaria nossas emoções, por quanto elas estejam presentes, mas é fruto da ação do Espírito Santo nos convencendo da nossa pecaminosidade. Então reconheceremos que mesmo atuantes na igreja estamos distante de Deus. Todavia, igual ao filho pródigo, cairemos em si e retornaremos ao Pai.

2)Usar os materiais oferecidos por Cristo – feito a base da reconstrução é preciso adquiri os próximos materiais para a edificação desse novo ser. O Senhor nos indica com quem adquirir, Ele mesmo. V 18

3)Comunhão com Cristo – só então, após a edificação desse novo ser conseguiremos viver a comunhão com Cristo. Primeiro porque ouviremos a sua voz e segundo abriremos a porta para Ele e, então, é que cearemos com Ele.

Somos desafiados nessa noite a vivermos além das aparências, pois o Senhor não ver como o homem ver!