LEI DE MOISÉS: INSPIRAÇÃO DO CÉU, OU DA TERRA?

A Lei de Moisés (Lei Mosaica, Lei de Deus, ou Código Mosaico) é a base para a ética e a moral de judeus, cristãos e muçulmanos (a legislação islâmica foi fortemente influenciada pela lei de Moisés). Ela é composta de 613 leis, e não apenas dez mandamentos. De acordo com o livro do Êxodo, Deus entregou os mandamentos a Moisés no Monte Sinai.

Até final do século dezessete, poucos estudiosos duvidavam da autoria divina da Lei. E estes não se atreviam a tornar público suas críticas porque havia o medo dos inquisidores e de castigos reservados a quem apontasse algum erro nas Escrituras.

Mas com o fim da Inquisição (início do dezoito) surgiram muitos pesquisadores e historiadores contando outra versão para o relato bíblico da entrega da Lei. A maioria desses estudiosos já não acreditava mais na interferência divina no Código de Moisés.

Os três principais fatores que abalaram a crença na “revelação divina” foram:

1. Leis que não se harmonizavam com um Deus sábio e amoroso (segue uma pequena amostra):

O deus de Moisés aprova a escravidão, e o espancamento de escravos (Êxodo 21,20). Um pai pode vender a filha como escrava (Êxodo 21,7). As jovens bonitas eram também usadas sexualmente pelo seu senhorio, prática comum naqueles tempos.

Ele proibiu o trabalho no sábado, dia sagrado para os judeus. Um homem que juntava lenha nesse dia foi morto a pedradas: “O Senhor disse a Moisés: “Que esse homem seja punido de morte, e a assembleia o apedreje fora do acampamento.” (Números 15,35).

Proíbe pessoas com deficiência física de se aproximarem do altar (Levítico 21,16). Entre os antigos, essas pessoas representavam alguma maldição, e podiam trazer azar aos hebreus (judeus).

Javé autoriza a pena de morte (através de apedrejamento, forca, empalação e fogueira). Alguns condenados eram:

Adúlteros (Levítico 20, 10); homossexuais (Levítico 20,13); casais que tinham tido relação sexual nos dias em que a mulher estava menstruada (Levítico 20,18); quem entrava em contato com os espíritos ou fazia adivinhações (Levítico 20,27); quem prestasse culto a outras divindades (Números 25, 1); quem desobedece ao sacerdote (Deuteronômio 17,12); homens de cidades conquistadas pelo exército de Israel que se recusassem a pagar tributos e servi-los (Deuteronômio 20,10); a população pagã de cidades que Javé entregava a seu povo, incluindo bebês, crianças, e adultos (Deuteronômio 20,16); filhos rebeldes e alcoólatras (Deuteronômio 21,18); a noiva que não guardava a virgindade para o futuro marido devia ser morta a pedradas (Deuteronômio 22,13).

2. Existência de leis semelhantes e mais antigas.

Os pesquisadores perceberam que o código mosaico não era original, mas plágio de leis já existentes. A inspiração não viera do céu, mas da terra. Uma das legislações que mais forneceu material para a Lei de Moisés foi o Código de Hamurábi. A “lei do talião”, ou lei da vingança, “olho por olho, dente por dente” foi copiada da lei do famoso rei babilônico.

3. Tática de atribuir a autoria da lei a um deus.

A crença de que Deus visitava governantes e legisladores era comum na Antiguidade. Antes da Bíblia, existiram dezenas de reis e legisladores que alegaram ter sido orientados por uma divindade na tarefa de divulgar suas leis e doutrinas. Encontramos esses secretários de Deus em praticamente todas as culturas conhecidas: suméria, fenícia, chinesa, babilônica, egípcia, grega, etc. Os estudiosos descobriram que em épocas remotas, quando um legislador queria transmitir uma lei ou ensinamentos morais, dizia ao povo que o autor não era ele, mas um deus. Por quê? Porque dava mais credibilidade e autoridade ao que pretendia divulgar. Os homens bíblicos, dizem os especialistas, seguiram essa tendência.

Alguns legisladores bons de lábia que conseguiram convencer populações inteiras que o autor de seu código legislativo era um deus:

Rei Ur-Nammu (Ur-Engur), na Suméria. Segundo a lenda, ele a recebeu a lei do deus Shamash (ou Chamach) por volta de 2040 a.C.

Rei Lipit-Ishtar de Isin (Babilônia): ele teria escrito seu código entre 1880 e 1870 a.C. No prólogo, ele procura usar sua alegada procedência divina para dar legitimidade à legislação que ele mesmo criara: “Eu sou o rei, o bem criado, de boa semente por parte de mãe, o filho do divino [deus] Enlil”.

Rei Hamurábi, Babilônia: Hamurábi teria vivido entre 1792 e 1750 a.C. No corpo de seu código, ele registrou: “Quando Marduk [deus babilônico] concedeu-me o poder de governar sobre os homens, para dar proteção de direito à terra, eu o fiz de forma justa e correta”.

O trágico nesse equívoco é que milhões de pessoas inocentes foram mortas ao longo dos séculos porque acreditava-se que Deus era o autor da lei de Moisés. Infelizmente, ainda hoje vemos alguns líderes religiosos dificultando a vida de minorias sexuais, membros de religiões de matriz africana, mulheres, cientistas e livres-pensadores porque equivocadamente se apegam à lei de Moisés como se fosse a própria lei de Deus.

Conclusão: embora a lei mosaica contenha algumas leis boas e sábias (tratar bem viúvas, órfãos e estrangeiros; amar o próximo; não matar; não roubar; etc.), a maior parte é um arsenal de leis machistas, misóginas, xenófobas, intolerantes, racistas e cruéis, incompatíveis com o Deus bom e piedoso que a maioria de nós acredita, e que portanto, retira completamente a responsabilidade de Deus sobre a Lei de Moisés.

Se Deus se manifestou em alguma parte da Bíblia, uma delas é no Sermão da Montanha (Mateus, capítulos 5, 6 e 7). Como disse Mahatma Gandhi:

“Se todos os livros do mundo fossem destruídos e só restassem os escritos do Sermão da Montanha, a humanidade teria à sua disposição um conjunto de ensinamentos que a levaria à felicidade e libertação definitiva”.