Culpabilidade e Retorno - uma carta de Filosofia Espirita

Culpabilidade e Retorno

- uma carta de Filosofia Espírita

Filosofia e Religião

Este é meu primeiro texto ligado a um tema religioso em si, que diz respeito à Filosofia Espírita. Endereço-o, portanto, a este público em especifico e não vou me ater, ao menos por hora, a argumentar de uma forma a fundamentar todos os conceitos que explorarei aqui concernentes à doutrina. Não vou nesta pequena carta preocupar-me em dialogar de forma interinamente filosófica dando razão a cada conceito da mesma. Tratarei-a e ponto. Caso você a discorde sinta-se à vontade a leitura, ou não.

Isso posto -- que não tratarei o texto com total acuracidade filosófica -- ele terá um caráter religioso. Eu sei que dizendo isto muitos amigos espíritas já ficam "apoquentados", mas se eu não planejo aqui fundamentar os conceitos e teses de maneira argumentativamente racional, ou seja, excluindo os pontos que envolvem "ouvir o dito pelos espíritos", eu não posso fomentar uma falácia e dizer o contrário. No dia que o fizer, farei um texto totalmente filosófico para "provar" os pontos neuvrais da Filosofia Espirita. Por hora, vamos tomar apenas as teses e conceitos e tratá-los de maneira lógica para afastar qualquer tipo de incoerência.

Culpabilidade e Retorno

Pois muito bem esta pequena carta se endereça a tratar da culpabilidade e do retorno. Vamos de início explicar o primeiro termo. Culpabilidade tomo aqui de maneira amplamente individual, sendo assim, só pode ser tomada a tão somente um indivíduo. Um indivíduo pode ser determinado culpado daquilo que ele fez, ou seja, suas ações. Vamos aqui excluir qualquer tipo de sentenças coletivas, haja visto que universal não existe, vamos lembrar.

Sendo assim, culpável é apenas um indivíduo, uma pessoa que perante seus atos morais ou "contrários à lei" vigentes diante uma sociedade.

Retorno de outra forma, diz respeito ao que nosso amigo Kardec se refere a "causa e efeito". Mas aqui eu vou abordá-lo de maneira diferente. Tomemos espírito, ou melhor, alma, ou ainda melhor: anima. Temos ainda outro termo, a saber, "energia capaz de autoconsciência"; ou seja, alma é qualquer coisa capaz de executar movimento, mas sempre com apercepção de si mesmo. Qualquer ente que apresente essa particularidade e que demonstre habilidade de saber o que sabe em primeira instância -- ou seja, que apenas este ente é capaz de saber o que sabe em primeira pessoa e que é preciso que para uma outra pessoa saiba o que ele pensa, que este o diga -- como alma.

Anima

Muito bem, esta "energia reorganizada" pratica movimento. Trabalho. Todo o tempo. Vamos tomar aqui a hipótese de que anima age assim com o intuito principal de -- e mesmo não sabendo -- conhecer melhor a si mesmo. Ou seja, ela não sabe tudo sobre si mesmo -- ninguém sabe?! -- mas que para melhor vir-a-saber ela empreende ações, forças e trabalho. Mesmo que não saiba que todo empreendimento seja para no fim, vir a melhor conhecer o seu si enquanto si, e o seu si enquanto tal.

Então, quando uma anima, ou uma pessoa, age de forma "má", no fundo é para depois vir-a-saber mais sobre si mesmo e sobre o outro. Mas isso não dirime ou diminui sua ação má. Oras, ele fez alguém sofrer. Essa justificação epistêmica pode parecer frágil no âmbito moral, porque faz parecer que toda ação ruim, não seja tão ruim assim. Mas na verdade, nada pode ser pior que infringir sofrimento a outro.

Anima e Trabalho

Quando você infringe trabalho, movimento, que resulta em sofrimento a um outro, você com certeza não sabe, de maneira empírica, ou seja, não sabe em si mesmo, não compreende, a dor. O quão doloroso, terrível e estigmatizante é o sofrimento. Muitas vezes ela não impinge apenas sofrimentos físicos, mas dores na própria alma -- sofrimentos morais -- e que você ora fora o "causador". E quando você vir-a-saber o quão horrível é esta dor, é porque ora poderá sentir e compreender em si mesmo -- ou terá de reestabelecer o fiel da balança para que você mesmo venha a compreender o mal desta dor que você causou.

E aqui esta formulação epistêmica que antes parecia branda, se torna terrível. Porque você terá obrigatoriamente de vir-a-saber, de compreender em si mesmo esta dor -- para que você apreenda mais sobre si mesmo. É inevitável. Se você for o causador a outrem, terá de arcar com o peso muitas vezes ainda maior sobre si mesmo, apenas para compreender em si, o que se trata esta força terrível que foi infligida a outrem. E apenas assim, você irá compreender -- depois de sofrer.

Claro, você pode vir a ter empatia -- que nada mais é que o ato de reconhecer o outro em si mesmo -- pedir desculpas, melhorar como pessoa. Mas aquele sofrimento terá sempre um retorno para que você compreenda em si o verdadeiro significado que você ora, impingiu a outrem. E como se dá este processo?

Pagando para o Retorno

Pagando. E o processo de pagamento penal -- caso você tenha desrespeitado legalmente alguém, até mesmo tirando a sua vida -- é absolutamente necessário para que você venha compreender o mal que causou ao outro. Isso quer dizer que você terá também de ser morto, da mesma forma que matou alguém? Não -- porque ai o mal se somaria em cima do carrasco. Você só deve pagar a pena estabelecida pela sociedade que ora vive, e esperar que com este pagamento, tenha o iniciar da sua aprendizagem.

Quando há uma penalidade legal que você deva sofrer para pagar aquele mal moral que impingiu a outrem enquanto sociedade, mas para apenas iniciar o seu processo de aprendizagem -- o que no fundo é bom para você mesmo -- não se pode negar a você que esta doutrinação se inicie. Você pode tentar escapar dela: fugir, fazer uso de poder para tentar evita-la. Mas tudo isso apenas demonstra o quão desesperadamente você precisa iniciar o seu processo de aprendizagem.

Não se pode ser negado a você que esta apreensão se inicie. Trata-se de um dever moral, que as outras animas devem empreender a você. Na verdade, o que as pessoas no senso comum chamam de "injustiça", trata-se disto. Da necessidade do reestabelecimento da balança moral, ou seja, o retorno da quebra perante às leis vigentes daquela sociedade de animas -- e que o processo de aprendizagem seu deve começar. E logo. Porque você, de modo triste, nem ao menos ainda consegue respeitar as leis vigentes entre aquelas animas.

Creio que não seja preciso eu me alongar mais sobre a necessidade do retorno da ação que deve ser executado àquela anima para o seu bem e para o retorno da balança moral de convivência entre as outras animas.

A demora

E a demora? Uma anima não apreende "de um dia para o outro" mais sobre si mesmo, ou seja, mais sobre o mal que fez. O processo de aprendizagem demora anos -- e nós como pessoas vivas, bem sabemos disto. Ninguém faz doutorado em 24h. Agora, imaginem o demorado processo de conhecer a si mesmo. Quantas VIDAS devem demorar? Aqui estamos falando entre espíritas, oras. Quantas existências devem demorar para que uma anima venha a conhecer a si mesma? Demora muito, talvez nunca se complete -- Wittgenstein diria que uma pessoa jamais sabe tudo sobre si.

Como esperar que uma ação de retorno, em apenas uma vida, se complete? É, portanto, pouco provável. Às vezes sinto de alguns amigos espíritas uma certa ingenuidade de pensar que uma pessoa possa sair de um estado de psicopatia apenas numa única existência, porque "nós melhoramos". Nós melhoramos, mas demora existências. Demora existências para conhecermos a nós mesmos. E quanto mais se prorroga este aprendizado, ou seja, quanto mais a pessoa demora a vir a pagar as penas legais desta vida, nesta sociedade, mais demorado vai ser este processo.

Caridade

Então meus bons amigos, não tenham "pena". Tenham piedade. É um ato de caridade você proporcionar que o outrem apreenda com seus erros. Quando você faz o possível para mitigar ou postergar que alguém pague o mal que executou, mesmo um mal legal, mais você está atrapalhando que aquela pessoa conheça a si mesma e que ela melhore. Você está agindo CONTRA a Caridade -- tanto para ela, quanto principalmente para aqueles que sofreram com seus atos.

E claro, não falemos de "vingança". Se você pensa que fará o outro melhorar infringindo você a ele, o mal que lhe foi feito, talvez você precise repetir o ano da escola. E não é um talvez. Você irá. Porque como vimos, é inevitável que teremos de aprender sobre nós mesmos. Se a vingança lhe "satisfaz" é porque você não sabe nada sobre si. E não só perante à doutrina. O sistema imunológico também fala.

Conclusão

Deve ser feito um pequeno adendo acerca das leis concernentes às animas que vivem em sociedade. É preciso dizer o óbvio por certo, de que nem todas as leis são justas ou nem ao menos éticas durante toda a história, e isto até hoje. Delas observa-se muito a "evolução moral" daquelas animas que ora vivem sob sua égide -- ou seja, do contrato por elas mesmas respeitado. Utilizei por certo um exemplo trivial, a saber, o homicídio, haja visto que é punido desde as primeiras civilizações humanas conhecidas – e assim o é até hoje.

E creio que expliquei deveras o tema. Pareceu-me enquanto escrevia muito pesado. Com certeza haverá dúvidas dos amigos de religião e talvez eu venha a revisar num futuro os juízos, ou, que ele seja revisado por outros. A filosofia espírita está nascente. E à espera vivaz de que ela habite entre os vivos para que seja filosofia, e, portanto, humana.