O que é amizade social?

Convidado para falar no Forum das Pastorais Sociais da Arquidiocese de Vitória a respeito desse tema tão instigante e desafiador, complexo e inovador, cristão, resolvi traçar algumas características que facilitam a compreensão desta categoria que o Papa Francisco utilizou na Encíclica Fratelli Tutti. Como a Encíclica Laudato Si’, essa também está inspirada na vida e no projeto de São Francisco de Assis há centenas de anos atrás. Lembra logo no início a visita de São Francisco ao sultão Malik-al-Kamil no Egito durante dos tempos sangrentos das cruzadas.

 

Como categoria, a Amizade Social deve ser compreendida no contexto da fraternidade, da compaixão ativa e da prática concreta da esperança. Muitas vezes, somos movidos por sentimentos como pena, dó, diante do outro que se tornou lixo à nossa frente. O sentimento de pena não inclui. Por isso, o Papa insiste em “TODOS IRMÃOS”.

 

A partir desse imperativo – “todos irmãos” – vamos compreender o relacionamento universal que ultrapassa barreiras geográfica e do espaço. Vai muito além de uma relação fechada em um grupo homogêneo, um clã ou de pessoas da mesma origem ou mesma classe social. Ninguém pode ficar fora. Ninguém tem o direito de viver numa bolha social de autodefesa, de grupo de convivência social e eclesial. Também as pessoas em situação de rua devem ser consideradas nossos vizinhos como são as pessoas que habitam o nosso prédio.

 

A compreensão da Amizade Social do Papa Francisco transita das relações micro às relações internacionais, pois “sonhamos como uma única humanidade”. Trata-se de lutar por uma unidade das nações, e da necessidade de se agir e sonhar coletivamente, com visão solidária e abertura aos interesses de TODOS. Portanto, todos os interesses econômicos que movem as nações e as pessoas devem estar voltados ao interesse do bem comum. Daí a urgência de se incluir os pobres, os abandonados, os doentes, os migrantes, os últimos da sociedade.

 

A Amizade Social vai além da proposição e execução de ações caritativas, beneficentes, que não leva à transformação da realidade em que se vive. Com a Amizade Social pretende-se atingir uma unidade multiforme que gera nova vida. Caminha-se numa visão INTEGRAL como futuro possível de reconhecimento da dignidade humana, de respeito à criação e ao divino. O grito da terra também é o grito dos pobres, também é o grito dos profetas que clamam no deserto. Paz, respeito mútuo, com justiça e equilíbrio socioeconômico, com o olhar para o irmão que está ao nosso lado, o nosso vizinho em situação de rua.

 

Nessa luta é preciso superar algumas formas nocivas de dominação como a prática de sempre semear desânimo, ou despertar desconfiança em tudo, ou a convivência de modo polarizado, ou a estratégia de ridicularizar o outro e fazer uso permanente de suspeita. As práticas que servem à divisão como aquelas conduzidas pelas redes sociais que compartilham fake News, disseminam o ódio e a intolerância, devem ser objeto de superação urgente.

 

Elemento chave na constituição da Amizade Social é o desenvolvimento da “melhor política”, da “boa política”, da política que realiza projetos a longo prazo para o desenvolvimento de todos e o bem comum. Comprometida com a solidariedade humana. O Papa nos fala em um “novo estilo de fazer política”, como aquela capaz de construir comunhão e que contribui para projetos comuns. A melhor política tem como núcleo central o amor preferencial pelos últimos.

 

É preciso reconstruir conceitos que foram desfigurados pelos interesses particulares como democracia, liberdade, justiça e unidade. Esses pilares da modernidade perderam sua força utópica, sua força de mover para o bem comum. Foram desfigurados em prol da dominação. O Papa, então, busca discernir as profundezas de nossa política. É um discernimento espiritual e nos moldes metodológicos de promover processos para os quais a Igreja possa ouvir, discernir e agir coletivamente.

 

O horizonte desses processos está situado no conjunto das várias crises pelas quais passa a humanidade atual: crise socioambiental, migração, desenfreado descuido com a casa comum, agigantar-se da pobreza e da miséria, conflitos internacionais vistos como uma quarta Guerra Mundial feita em pedaços, falta de solidariedade e de amizade social. Para Francisco, argumentos do passado que invocavam a possibilidade de uma “guerra justa” não parecem adequados ao novo momento da Igreja no mundo.

 

As saídas propostas por Francisco estão fundadas em valores derivados da irmandade universal, do amor fraterno em sua dimensão universal. Por isso, esse sentimento não pode ficar confinado nas fronteiras nacionais, nas discriminações de religião, raça, gênero e classe social. É urgente pôr-se em prática uma política da civilização planetária multilateralista, voltada para o bem comum, à solidariedade, ao convivialismo, ao reconhecimento da igualdade e da fraternidade. Por isso, torna-se central uma governança global que elimine o vírus da desigualdade.

 

Concluindo, essa Encíclica do Papa se insere no longo desenvolvimento da Doutrina Social da Igreja iniciada em 1891 com a publicação da Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão III que tratava da condição dos operários, explorados pela revolução industrial. Eles formavam a periferia daquele momento que requeria maior cuidado por parte da Igreja e dos governantes. A Encíclica Fratelli Tutti é fiel ao caminho do magistério da Igreja e se torna o grito profético diante de um mundo estilhaçado por tantas crises.

 

 

Edebrande Cavalieri
Enviado por Edebrande Cavalieri em 26/01/2024
Reeditado em 26/01/2024
Código do texto: T7985184
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