De volta à gripe suína

Lá pelos anos 90, tentei imaginar o surgimento de uma nova epidemia letal. Naquela ocasião, eu e, possivelmente, outros, conjeturei o surgimento de um nova e surpreendente epidemia letal, uma gripe. É necessário dizer, hoje, que a conjetura causou risos. Poucas décadas atrás, a suposição de uma gripe letal era risível para quase todos; mas se tal conjetura não parecia séria, que razão me teria levado a conjeturar possibilidade tal bisonha?

Minha suposição baseava-se em conhecimentos evolutivos, antigos e tradicionais: a evolução da relação de parasitismo. Mostrarei, esquematicamente, como essa relação tende a evoluir.

Suponha o surgimento de uma infestação extremamente letal; podemos pensar em algo similar ao ebola. Imaginemos que um indivíduo infectado pela doença tenha apenas poucas horas de vida. Assim sendo, um indivíduo infectado pode espalhar a doença para outros, mas o fará apenas por algumas horas, até ele morrer. Mesmo assim, a infecção pode se alastrar e dizimar extensas populações até vir a ser debelada, após a restrição de contato com indivíduos infectados.

Agora suponha o surgimento de uma linhagem menos letal da mesma doença, seja ela bacteriana, viral, ou de qualquer outra forma de infecção replicativa. Uma linhagem menos letal tenderia a matar o indivíduo mais lentamente, digamos, em dois dias. Assim, enquanto a linhagem inicial acarretava a morte em apenas algumas horas, a nova linhagem, menos agressiva, acarreta o óbito em dois dias. Note que, embora aparentemente mais branda, a nova linhagem tende a contaminar um maior número de indivíduos, já que os infectados permanecem vivos por mais tempo, mantendo-os assim, potenciais transmissores da infecção.

O surgimento de uma linhagem ainda mais branda que a anterior, que matasse os indivíduos infectados em, digamos, 5 dias, tenderia, pelas mesmas razões aventadas anteriormente, a se alastrar mais facilmente que as linhagens anteriores. Através desse raciocínio, podemos perceber, analisando a dinâmica aventada, que o surgimento de linhagens menos agressivas da doença tendem a se perpetuar, e a substituir as linhagens mais letais. De fato, linhagens extremamente letais que aniquilam seu transmissor muito rapidamente, tendem a ser substituídas por linhagens mais brandas, que de certa maneira, poupam seus hospedeiros.

De fato, os estudos sobre as relações de parasitismo demonstram que, a longo prazo, essa relação tende a adquirir um caráter inócuo para o hospedeiro, chegando mesmo a atingir um estágio em que o hospedeiro se beneficia de seu parasita, quando a relação passa a ser chamada "mutualismo". A evolução pode até mesmo acarretar uma relação de dependência mútua: com o passar das eras, é possível que a infecção original evolua para uma relação não só benéfica, mas necessária para ambos, "parasita" e hospedeiro (tal é o caso das mitocôndrias, por exemplo, originariamente parasitas). A explicação para tal fenômeno é bem simples, e na mesma linha das anteriores: linhagens que favorecem os indivíduos infectados tendem a perdurar por mais tempo, propiciando assim seu próprio alastramento. Linhagens agressivas, que debilitam, ou matam seu hospedeiro, tendem a sucumbir devido a essa ação suicida.

Quando a AIDS surgiu foi um verdadeiro flagelo!, costumava aniquilar os portadores em meses, ou, no máximo, poucos anos. Durante os anos 80, quando a epidemia surgiu, os indivíduos infectados se debilitavam muito rapidamente, adquirindo características físicas doentias que reduziam as chances de transmissão dos indivíduos. Novas linhagens do vírus, cada vez mais brandas, menos agressivas, menos letais, foram surgindo, se impondo, e substituindo antigas linhagens mais letais, conforme a dinâmica descrita acima. Apesar disso, os médicos se calam sobre esse fato, preferindo atribuir a sobrevida dos pacientes atuais a supostos avanços da medicina, muitíssimo menores que os decantados por eles, se existentes. (Os médicos também se calam sobre a origem da doença, transportada de macacos para o homem através da fabricação de vacinas infectadas com o vírus).

Assim como a AIDS é doença originária dos primatas, a gripe é doença de aves. As galinhas, por exemplo, convivem com a gripe desde eras distantes. Galinhas e vírus da gripe encontram-se mutuamente adaptados uns aos outros.

Não é fácil para um parasita transpor a barreira entre espécies distintas, especialmente se pouco aparentadas. Os vírus das gripes aviárias tendem a ser inócuos para nós, uma vez que esses vírus não estão adaptados a nos infectar.

Quando a infecção passa de uma espécie para outra, no entanto, chega sem ter passado pelo estágio de atenuação descrito acima. Por essa razão, uma nova doença infecciosa tende a chegar de maneira bastante contundente. Foi essa suposição que me levou, nos anos 90, a conjeturar uma possível epidemia de gripe aviária, agressiva e letal.

Décadas depois, após o desenvolvimento de remédios antivirais caríssimos, e de vacinas para a gripe, a hipótese, antes risível, se tornou extremamente lucrativa; os meios de comunicação começaram a noticiar a iminência de uma tenebrosa gripe aviária advinda da Ásia, onde alguns indivíduos morreram infectados por galinhas.

Passarinhos mortos, vítimas de uma suposta gripe aviária universal, passaram a ser encontrados pelo mundo todo, constituindo ameaça tenebrosa a todas as populações humanas (desconsiderando o fato de que as infecções tendem a se restringir a uma espécie, sendo "aves" um enorme grupo composto por inúmeras espécies).

Mas a tão esperada gripe aviária insistiu em não se alastrar entre nós, foi necessária a criação de uma gripe suína!

Somos mamíferos, e, portanto, bem distantes evolutivamente das aves. Somos muito mais aparentados aos porcos, mamíferos como nós. É mais fácil para um parasita transpor barreiras entre espécies assemelhadas. Por isso, é mais fácil uma gripe advinda de porcos nos infectar, que uma outra, originária de aves. De fato, a gripe acabou chegando aos porcos através de nós. A doença de aves chegou a nós, através dos criadores de galinhas; nós as transmitimos aos porcos domésticos; ambas as transmissões decorrentes da intimidade de nossas relações com esses animais.

Quando a gripe humana infecta os porcos, passa a sofrer a mesma dinâmica de adaptação à nova espécie. Ao se adaptar aos porcos, ela reduz sua letalidade sobre essa espécie; ao mesmo tempo perde a adaptação adquirida à espécie anterior: o homem. Quando ela retorna à humanidade, chega novamente agressiva, já que desadaptada a nós, embora nem tanto quanto na infestação original. É esperado que uma gripe advinda de porcos nos chegue bastante agressiva. Depois de uns meses, no entanto, ela se abranda, assim como já ocorreu com tantas outras. Por essa razão, não precisamos nos preocupar com o retorno da gripe suína, ela já se transformou em uma gripe banal, inofensiva.

Os lucros decorrentes da gripe, no entanto, cresceram enormemente.

Então, foram noticiadas inúmeras mortes decorrentes da nova gripe. O mundo inteiro se mobilizou para o combate a epidemia.

O DADO MAIS IMPORTANTE, no entanto, foi a alteração NA METODOLOGIA DE CONTAGEM DE VÍTIMAS. Ocorreu assim: sempre houve gripes e ninguém nunca se preocupou com isso, uma doença chata, apenas. Também sempre aconteceram mortes devidas a problemas respiratórios, pneumonias por exemplo. Tais problemas, no entanto, costumam surgir com sintomas leves, como os de uma gripe; a pessoa debilitada pode sucumbir a uma simples gripe e ter seu quadro clínico agravado até uma pneumonia fatal; essa dinâmica é bastante corriqueira, sempre foi.

Mas, tais fatalidades eram descritas como mortes decorrentes de pneumonia, ou de qualquer que fosse a causa final. Não havia sentido em se dizer que a pessoa havia morrido de gripe, um contrassenso; dizia-se ter morrido de pneumonia.

Mas os lucros vislumbrados pelos detentores dos antivirais e vacinas contra gripe acarretaram uma alteração da metodologia; assim: mortes ocorridas após a manifestação dos sintomas da gripe passaram a ser descritos como causados pela gripe; poderia ser manga com leite!

O número de pessoas que pega gripe é muito alto. Além disso, os quadros de doenças respiratórias começam usualmente com sintomas similares aos da gripe, de modo que, parte considerável das mortes devidas a problemas respiratórios podem vir a ser atribuídas a uma gripe prévia. Mas atente para o seguinte fato: a gripe continua sendo gripe, aquela doencinha chata que sempre nos incomodou.

O que mudou realmente não foi a gripe, mas a maneira com que alguns obtêm lucros!