Amor e Sexualidade em Freud: uma articulação para além do prazer genital

Esse texto trata-se de um artigo científico de Maria Teixeira, publicado na Revista Científica da FMU em 2023.

Segue link para consultas: ACiS • São Paulo • vol. 11 n. 1 • p. 61-79• março 2023

https://revistaseletronicas.fmu.br/index.php/ACIS/article/view/2700/1744

RESUMO

As dimensões do desejo, da libido, do simbólico e da afetividade estão relacionadas ao desenvolvimento psicossexual, sendo que para Freud a sexualidade não é meramente genital. Esse ensaio teórico de revisão explora os textos freudianos e as contribuições de autores contemporâneos da Psicanálise clássica, cujo objetivo é articular os textos ao tema amor e sexualidade, tendo como foco a teoria pulsional, seus destinos e seus representantes no psiquismo. Defendemos que o amor é uma articulação possível porque ultrapassa o ato sexual, estando ligado mais à idealização, portanto, dirigido a um alvo ou objeto que traga satisfação pulsional, aspecto constitutivo da personalidade.

Descritores: amor, sexualidade, libido.

INTRODUÇÃO

Nesse artigo, por meio de um ensaio teórico de revisão, buscamos sustentar a hipótese de que uma revisão conceitual do tema amor e sexualidade na obra freudiana pode evitar futuras

confusões quanto ao papel da sexualidade na vida psíquica do sujeito. Isso implica discorrer sobre conceitos fundamentais da psicanálise, tratados nas Obras Completas de Freud, como: Pulsões e Sexualidade, que é o cerne de sua descoberta. Assim como propõe Freud, considerar nesse estudo que a sexualidade humana não é em nada instintiva; que o ser humano, desde bebê, busca prazer e satisfação de variadas formas; e que a fonte de prazer não se direciona apenas aos órgãos genitais, nem é o único objetivo. E, que o tema amor e sexualidade abarca as tramas subjetivas e conceituais que estão envolvidas em toda construção teórica empreendida por Freud, para dar conta do que vem a ser o sujeito e o modo como Freud percebe o amor transferencial como motor do processo analítico.

Os textos freudianos que tratam da sexualidade: “Três ensaios sobre a teoria da Sexualidade”, e o artigo “As Pulsões e seus destinos” 2:5, interessam nessa revisão por entendermos que o conceito de Pulsão sexual em Freud engloba, as pulsões em geral e as várias vicissitudes pelas quais o sujeito passa durante o seu desenvolvimento integral. Ainda, que a Pulsão tem um destino claro: a satisfação, e o desejo, a busca sempre é por evitar o desprazer. E, ainda, sobre o destino das pulsões, conforme Garcia-Rosa 1 “A Pulsão não se dá de forma direta ou imediata, por exigência da censura do superego, ela implica sempre uma modificação da pulsão”. Por isso, entender os destinos das pulsões conforme apresentados por Freud, como: modalidades de defesa, precisa, ainda, ser teorizado. Interessa neste ensaio a definição de Freud 5sobre os quatro destinos possíveis para a pulsão em “As Pulsões e seus destinos”, a saber, -reversão, a partir de mudança de uma determinada atividade psíquica, para a passividade, revertendo o conteúdo; retorno ao próprio eu; recalque e sublimação, como um tipo de mecanismo de defesa. Isso significa que o sujeito está sempre entre o psíquico e o somático.

Conhecer esse lugar privilegiado da Pulsão na obra freudiana que trata dessa energia vital que move a natureza humana, -a pulsão, seus destinos e representantes, e, até que ponto a sexualidade abarca questões subjetivas. Ainda falaremos sobre o desenvolvimento psíquico, como ele foi pensado por Freud, como é esse processo dos registros inconscientes, como são produzidos e acessados na clínica psicanalítica. Ainda, como o “amor transferencial”, que diz respeito a um dos tripés do trabalho analítico, aparece. Isso é entender como a transferência que vem falar sobre a trama que envolve a natureza humana, -amor e ódio. Afinal, sabemos que o sujeito não fala de outra coisa quando procura a clínica, -do amor que falta, o que sufoca, o que transborda, o que faz sofrer, e tudo o que o sujeito busca é ser amado, cuidado e protegido.

Os conceitos relacionados ao funcionamento das instâncias psíquicas reguladoras da mente, que forma a psique humana -id, ego e superego, no texto os “Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade” 2, considerando suas funções distintas, e mais especificamente, a concepção clássica da segunda tópica, a estrutural ou dinâmica, frente aos processos econômicos, onde Freud se baseou na hipótese de que os processos psíquicos estão relacionados à circulação e distribuição de energias, e suscetível a aumentos, diminuições ou equivalências de energias.

O conceito do narcisismo primário, também, interessa nessa análise na medida em que no campo amoroso engloba os conceitos de amor e sexualidade. Afinal, Freud se preocupou com o desenvolvimento da sexualidade, mas, não a atrelou aos órgãos genitais, nem apenas ao sexual, no sentido de coito 2:9. Em “Contribuições para a Psicologia do amor II” 3, na esfera do amor, vimos que ele destaca registros inconscientes infantis que determinam características específicas do sujeito que vão implicar nas escolhas amorosas na fase adulta.

Ainda foi possível entender, que essa escolha passa pelo processo de subjetivação de uma das fases mais importantes do desenvolvimento psíquico: o “Complexo do Édipo”, mas, ainda, há o que precisa ser teorizado sobre esse processo para justificar os conflitos internos. A tentativa é revisar esse conceito que diz respeito ao que causa desprazer, e como a falta se instala .

Por meio dessa linha de pensamento, seguimos discorrendo sobre a hipótese de que Freud também percorreu o caminho do amor para tratar do funcionamento psíquico do sujeito; do desenvolvimento de sua sexualidade, considerando, o quanto o amor está implicado nesse movimento, mas não descartamos a agressividade presente na natureza humana, desde bebê, conforme propõe Freud. Isso é, tratar dessa pulsão que tem origem no corpo e tem ligação com a esfera psíquica, e acontece por meio de representantes pulsionais: o afeto e a representação.

Dessa forma, o afeto como representante pulsional, é o que intermedia o acesso ao psíquico. E, para sustentar que Freud não falou de outra coisa, a não ser do amor que nos move, pois é a Pulsão de vida que rege a natureza humana. Isso é tratar da sexualidade como uma dimensão humana essencial que deve ser entendida na totalidade dos sentidos propostos por Freud, cujos paradigmas, ainda precisam ser discutidos, justificando a importância e a possibilidade de articulação dos conceitos teóricos relacionados ao amor e sexualidade, desvinculados do cunho puramente sexual. Freud não falou só de sexo, e sim desse lugar que cada um ocupa no mundo que fala de sua subjetividade, sexualidade, que diz respeito a ele próprio e a mais ninguém.

MÉTODO

O material aqui apresentado é um ensaio teórico, com a proposta de avanços teóricos sobre os principais conceitos freudianos que tratam do desenvolvimento e funcionamento psíquico do sujeito, considerando os elementos conceituais das Obras Completas de Sigmund Freud, sob a luz de autores contemporâneos em Freud. Os levantamentos bibliográficos são tratados de forma qualitativa, conforme Turato 14. Realizou-se uma leitura cronológica, uma busca terminológica de alguns termos específicos freudianos, e citamosos relevantes ao tema, a fim de compreender o percurso histórico feito por ele para a construção das teorias. Alguns termos utilizados e desmistificados, foram: Pulsão, sexualidade e libido. Por meio de uma revisão conceitual analisamos as possibilidades de articulação dos conceitos teóricos relacionados ao tema amor e sexualidade em Freud, tendo como foco a teoria pulsional, seus destinos e seus representantes. Entendemos que descrever o processo psíquico, conforme validado por Freud, implica discorrer sobre o conceito de pulsão, seus representantes psíquicos ideativos Pulsão sexual e Pulsão de morte, um dos temas metapsicológicos mais essenciais à obra freudiana; os conceitos relacionados ao funcionamento das instâncias psíquicas reguladoras da mente, -id, ego e superego, e suas funções distintas conforme a concepção clássica da segunda tópica, -a estrutural ou dinâmica. A busca é por evitar futuras confusões sobre o que já foi teorizado por Sigmund Freud sobre a sexualidade humana, considerando as dimensões do desejo, da libido, do simbólico e da afetividade, para sustentar que a sexualidade em Freud não é meramente genital. Nessa perspectiva, consideramos também, as fases de desenvolvimento psicossexual, a constituição do sujeito, e a repercussão e impacto dessas etapas no seu desenvolvimento psíquico. Portanto, o objetivo é não perder a essência dos escritos freudianos, sob o risco de estarmos tratando de outra coisa, e não, do que foi de fato, tratado e validado por ele. A proposta é sustentar a hipótese de que amor e sexualidade em Freud é uma articulação possível, e para além do puro prazer genital .

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para discorrer sobre o processo psíquico e o papel da sexualidade na vida psíquica do sujeito, recorremos ao texto freudiano, “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”; transitamos sobre o conceito de Pulsão, seus destinos e seus representantes, no qual encontramos uma articulação freudiana considerando, nesse processo, o biológico e o psicológico. Portanto, podemos considerar que há um movimento causado por estímulos externos, onde o interior do organismo é a própria vida mental. 2Reconhecemos, ainda, o caráter limítrofe das pulsões, ou seja, esse representante psíquico das excitações provenientes do corpo, que estão sempre em movimento, e chega ao psiquismo causando prazer ou desprazer, por meio da força ou pressão, sendo que há um objeto alvo específico e a fonte de satisfação.

Para tratarmos da temática amor e sexualidade em Freud, o texto “Contribuições para a Psicologia do amor” nos trouxe à luz a contribuição freudiana sobre o entendimento de como os conflitos internos infantis determinam o padrão de comportamento, a identidade de um novo ser, e é responsável pela escolha de um objeto de desejo que possa lhe trazer garantia de satisfação. Constatamos que desenvolver a capacidade de amar e desejar é viver se equilibrando entre o erótico e o afetivo, mas, esse movimento, nem sempre tem uma conotação sexual, no sentido de coito. Isso é poder interpretar o quanto os primeiros vínculos amorosos da criança, na mais tenra infância, podem determinar a escolha amorosa ao longo da vida, conforme postula Freud. 3

Nesse percurso, tratamos dessa tendência universal à depreciação na esfera do amor, conforme propõe Freud, no texto “Contribuições para a psicologia do amor II”, onde ele postula que o homem se destaca por meio de características específicas de forma inconsciente, e isso aparece na sua fala, nos tropeços, nos atos falhos, no “Não era bem isso que eu queria falar”, denunciando no meio externo os conflitos que se passam na mente humana entre essa capacidade de amar e desejar sexualmente o mesmo objeto ao longo da vida, sem a conotação de desejo sexual, porém, com investimento libidinal.3, 5Em “Artigos de metapsicologia, narcisismo, pulsão, recalque, inconsciente”22, a libido é concebida por Freud como uma energia psíquica, como uma expressão anímica da pulsão sexual, ou ainda como uma força suscetível de variações quantitativas que poderia servir de medida para os processos e as transformações no domínio da excitação sexual. Porém, acreditamos que a questão de desvincular a libido do que não é sexual, ainda não se constitui como uma ideia clara, no entanto, Freud traduz como uma energia afetiva que busca o prazer desde a mais tenra infância, e apesar de estar concentrado e caracterizado pela concentração da libido em zonas erógenas, não é apenas desejo sexual, no sentido de coito, porém, conforme Garcia-Roza 1na citação a seguir: A palavra libido, em latim, tem uma significação aproximada a “vontade” e “desejo”; Freud assinala que a palavra alemã mais aproximada do que ele presente designar por “libido” é prazer, gana, mas, que é inadequada porque designa a sensação de necessidade como a de satisfação; finalmente, em várias passagens, emprega os termos “libido” e “pulsão sexual” como se fossem sinônimos.9Consideramos que é nesse sentido que o conceito de Pulsão Trieb entra no discurso do desejo inconsciente, e que há uma interligação de registros que a priori parecem distintos do ponto de vista da sexualidade, mas, e se eles se compõem ou se completam, trata-se de uma mesma problemática, eles mesmos não fazem remissões um ao outro.

Então, a busca é sempre por se fazer entender. É isso que nos permite entender que Freud percorre esse campo amoroso onde os conceitos, Pulsão e Sexualidade, estão interligados, pois ele prioriza a sexualidade enquanto estruturante do ponto de vista psicológico em detrimento dos aspectos biológicos. Mas, ele não descarta o desenvolvimento integral do sujeito nesse processo, a saber: afetivo-emocional, moral, social e psicológico.1Nesse percurso, é possível entender como a sexualidade é entendida do ponto de vista infantil, assim conforme propõe Freud, pois ela se desenvolve junto ao corpo materno por meio de correntes afetivas. Isso é diferente de afirmar que a criança deseja ter relação sexual com a mãe ou com o pai. E, sim, que há uma relação amorosa que se equilibra entre o erótico e o afetivo, que corresponde as correntes afetivas relacionadas aos primeiros vínculos amorosos com uma figura que tem uma representatividade para a criança, no caso da mãe, ela é um modelo de amor, o primeiro grande objeto de amor daquele ser que nem sabe quem ele é ainda. A mãe é alguém que lhe cobriu de amor e sensualidade, e satisfez todas as suas necessidades. A criança vai, também, seduzir aquele que é capaz de satisfazer as suas necessidades e desejos. É por esse processo que caminhamos, -tratamos desse conflito psíquico que se inicia no neurótico na mais tenra infância, ou, mais especificamente, quando a criança aprende a substituir um objeto de desejo por outro. Isso é pensar nesse lugar faltante que faz parte da natureza humana, segundo a psicanálise em Freud.6:7

Na tentativa de revisar o conceito de pulsão, seus destinos e representantes, constatamos que o conflito se instala causando desprazer quando um objeto original de um impulso desejoso falta ou é substituído. Nessa substituição, há uma consequência, a busca de um novo representante, pois, a tarefa é encontrar um novo destino para essa descarga de energia pulsional excedente. Acreditamos que é nesse sentido que a repressão entra, causando desprazer. E o homem segue assim, com essa sucessão infindável de objetos substitutos pelo simples desejo de uma satisfação ou gozo completo, e vimos por essa trajetória que não se trata de desejo de cunho sexual, pois há toda uma subjetividade implicada nesse processo, e entra de forma única para cada sujeito.3

Podemos observar que para construir as suas teorias, Freud em diversos momentos recorreu aos mitos, peças teatrais, como a tragédia grega do filósofo sofista Sófocles. Ao entender a natureza humana, e para tratar dessa dualidade identificada, amor e ódio, teve a contribuição da luta entre Eros e Tanatos, que fala dessa luta interna que o homem tem dentro de si, que diz que onde há amor deve haver ódio, isso é poder afirmar que amamos e odiamos com a mesma intensidade. Para desenvolver o “Complexo de Édipo”, que é o eixo fundamental da psicanálise, Freud se espelha no trágico destino de Édipo Rei, escrito por Sófocles por volta do ano 427 a. C., que relata a travessia da vida de um jovem em busca da revelação de sua origem, e, é por esse percurso que ele chega à teoria que é o cerne de seus

estudos, a sexualidade, e, dessa forma, pôde desvendar os “nós” da essência humana, e o quanto esse desenvolvimento está implicado nas escolhas do sujeito ao longo da vida.7

De acordo com Roudinesco 12, “parece que o que Freud propõe é que a psicanálise acolha a tragédia cotidiana de vida do sujeito”, e, podemos atrelar mais uma vez isso ao método terapêutico proposto por ele para tratar do que ele chama de “miséria banal”, pois, segundo ele, o sujeito sempre dá uma dimensão maior ao incômodo, ao que lhe traz desprazer. E a busca na clínica é sempre por sublimar os impulsos ou idealizações inaceitáveis.

A sublimação é um tipo de mecanismo de defesa maduro, que transforma esses impulsos e ações inaceitáveis em comportamentos socialmente aceitáveis, possivelmente resultando em uma conversão a longo prazo da pulsão inicial. Isso é entendido como uma medida de exigência de trabalho imposta ao psíquico em consequência de sua relação com o corporal” em “Cinco lições de Psicanálise”.14

Para desenvolver o tema amor e sexualidade percorremos pelos principais conceitos que inauguram a psicanálise em Freud: a noção de inconsciente; a teoria sexual e o princípio do prazer e de desprazer; a teoria das pulsões e a noção de aparelho psíquico que tratam da formação da personalidade do sujeito.22

Buscamos, ainda, nos escritos Freudianos sobre “Observações ao amor transferencial”10, em que ele discorre sobre o “fenômeno de amor” no curso da análise Freud. Garcia-Roza1ainda constata nessa passagem que ele se refere a aquela falta primordial de que já tratamos pois, é enquanto desejo que o homem se revela a si mesmo na busca de reconhecimento de pertencimento. Ele carrega em si um desejo inconsciente de ser amado, desejado, e vive na busca de duas "autoconsciências" a certeza e a dúvida, nesse processo de se tornar propriamente desejado, tal qual como exposto na citação a seguir: As duas Auto Consciências nesse processo se reconhecem, para si mesmas e para a outra, ao transformarem em verdade objetiva o que era apenas uma simples certeza subjetiva. Só há Eu verdadeiramente humano na relação com outro humano, mas também esse Eu só se constitui na supressão do outro Eu. A ação a que conduz o reconhecimento é uma ação negatriz; sua função é preencher o vazio do Desejo pela transformação-assimilação do não-Eu desejado.1

Talvez, por isso, a busca pela clínica é sempre de necessidade humana de amparo, proteção e cuidado, e a transferência entra a fim de compreender os processos reprimidos pelo inconsciente que geram sintomas como a angústia ou a ansiedade. Podemos dizer que é nesse percurso que o estatuto da psicanálise em Freud é sustentado, e, também, a sexualidade é percebida como um aspecto do ser humano que não pode ser separado ou desvinculado de outros aspectos de sua vida. Entender que sexualidade não se limita apenas a uma relação de cunho sexual ou orientação sexual, e sim, das escolhas objetais em todas as áreas da vida. Isso é saber que se trata de um movimento do eu em relação a um objeto, permeada de afetos, e, também de reações hostis, mas que não fala de outra coisa, a não ser de como a sexualidade é constitutiva da subjetividade humana. É nesse sentido que sustentamos que o termo “amor” em Freud é reservado para o movimento do eu na direção de um objeto para além da relação de puro prazer sexual, porém, há uma marca do pulsional sexual, pois o corpo é puro libido, e é por meio dele que o prazer e desprazer se manifesta. Conforme Roudinesco em “Dicionário amoroso da psicanálise”13, o próprio termo sexualidade em Freud trata-se da libido, dessa energia psíquica que move a natureza humana, e tem o mesmo sentido compreensivo em que a língua alemã usa a palavra “lieben” que significa “amar”. E, para Freud no texto Narcisismo10-“o amar-se deve ser o principal propósito do sujeito”, mas por outro lado, ele precisa renunciar à parte do narcisismo primário para ser capaz de amar alguém além dele mesmo. Esse é, ainda, segundo ele, o melhor caminho de ultrapassar de forma mais amena as insatisfações, os desprazeres que vão surgir, sempre com essa marca pulsional pulsão de vida-amor, pulsão de morte-ódio.5Ainda, no texto “Observações sobre o amor transferencial”, Freud não hesitou em chamar de amor à "transferência" que acontece no curso da análise, pois conforme Freud, “trata-se de reedição de fantasias infantis direcionadas ao analista, na medida em que o terapeuta ocupa o lugar de referência de saber”. Isso é pensar no que se percebe na cena analítica, há um “doutor” que, supostamente, tudo sabe9.Essa constatação da transferência como um “fenômeno do amor”, também, rendeu a Freud boas explicações. Porém, o conceito de transferência, formulado por ele, sofreu reformulações e, jamais, deixou de ocupar seu lugar enquanto conceito fundamental, que é o cerne da construção de todo o conhecimento psicanalítico e do processo de análise. Freud identificou, nesse mesmo texto, que a estrutura do amor ou a paixão que se estabelece no setting terapêutico é a mesma do cotidiano das pessoas, e não se esquiva de dizer que não há nenhuma distinção entre aquele amor e outro amor verdadeiro, mas que cabe ao analista interpretar as associações do paciente e lidar com a reprodução do reprimido, as fantasias infantis que são direcionadas a ele, mas isso diz respeito ao manejo da transferência, e também, saber lidar com a contratransferência. Evidenciamos nesse percurso que Freud nomeou e instituiu o eu a partir da experiência primária de satisfação. E, ao denominar o eu como identificação inaugural do bebê quanto à figura materna, identifica a percepção desse bebê a partir dos signos percebidos, o que ele denomina de atenção psíquica. Podemos perceber que o eu, nesse sentido, se constitui como uma grande descarga de investimentos libidinais, um acúmulo de percepções e excitações,

onde a perda, mesmo que momentânea do objeto desejado a mãe, causaria ao bebê, segundo Freud, um grande desprazer. Podemos evidenciar, assim como Roudinesco12que “esse eu soberano, se constitui a partir do externo, por meio de um processo identificatório”. Isso é pensar que é nesse lugar que o novo ser vai criando memórias, uma identidade, uma singularidade, se percebe como único, se constitui como sujeito, e passa a falar, se colocar no mundo, a partir desse lugar subjetivo. Ainda, sobre a constituição do sujeito, em “Os Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade”2traz o conceito de autoerotismo, momento em que o bebê descobre o seu próprio corpo, e percebe que ele pode ser fonte de seu próprio prazer, pois o corpo é todo investimento libidinal. Por esse caminho, mais tarde, Freud inicia o conceito de Narcisismo em 191510, e pensa sobre o “Fenômeno do amor” que ocorre na transferência, e nos fenômenos identificatórios responsáveis pelas escolhas amorosas ou objetais; a busca do “ideal de eu”, e do narcisismo primário e secundário, também são desenvolvidos, pois trata-se de percursos que dizem sobre o desenvolvimento psicossexual e psíquico do sujeito com implicação de o sujeito se manter com todo o narcisismo remanescente da infância na vida adulta, ou seja fixado em uma das fases psicossexuais sem diferenciação dos aspectos que são instintivos, e, muitas vezes, não sustenta o seu modo narcísico de subjetivação, gerando conflitos internos e externos.6:10É por esse caminho, ainda, que Freud ao pensar sobre a natureza humana, percebe a dualidade existente na natureza humana desde a mais tenra infância, o amor e ódio ou agressividade nas relações humanas.

Em “Pulsões e destinos das pulsões”14, Freud postula que há um ódio inconsciente invejoso, secreto presente no homem, e tudo o que ele teme é que esses sentimentos sejam descobertos. Nesse processo pode aparecer um egocentrismo ingênuo que é próprio da criança em formação, um ódio invejoso. Segundo Freud, o ódio invejoso é realista, e se constitui, tanto na sua gênese como na sua função, por todo o corpo, como uma reação a uma raiva extremamente violenta subtraída ao consciente, raiva essa, dirigida ao outro que pode se sobrepor ao amor. Porém, esses pensamentos que são comuns na infância, são recalcados, apagados da mente, mas, deixam marcas que surgem no discurso, no tropeço das palavras, nos atos falhos, nos chistes, nos enganos, nas repetições do cotidiano. Ao fazermos alguns resgates das teorias que foram tratadas até aqui, percebemos que o objeto de ódio existe é real; que a sedução imaginária mãe X bebê é simbólica, e a rivalidade também existe, desde a mais tenra infância, porém, está circunscrita verdadeiramente como real na criança, assim como propõe Freud, e se situa como material latente que entra na estrutura do sujeito, e se manifesta de forma verbal ou não verbal. Portanto, o ódio invejoso pode ser negado e recusado, e não ser usualmente usado na linguagem, mas aparece frequentemente nas relações humanas, de forma velada ou explícita .

Ao final, podemos concluir que há um inconsciente que atua sem darmos conta disso, é o real e o imaginário nessa teia de significados e significantes. Para Garcia-Roza1, há uma desarmonia do pensamento ordenador entre o ser, o existir, o amar e ser amado, o amar e o odiar, pois “o sujeito existe de dentro para fora e é isso que intriga os que são avessos à psicanálise”. Entendemos, conforme o que já foi teorizado, que é por meio da teoria da sexualidade em Freud que o amor entra nessa trama, e, alguns conceitos como “a libido” e “Pulsão” dão sustentação ao desenvolvimento psicossexual. A pulsão para Freud é esse impulso dinâmico, inconsciente, que por meio dos quatro elementos: a pressão, o alvo, o objeto e a fonte, e, assim, ocorre o processo mental. Por esse processo, Freud chega ao conceito de “objeto da pulsão”, e como a pulsão consegue atingir um alvo, um objeto, sendo que esse objeto é uma representação mental de um objeto externo, não é fixo, nem previamente determinado, é um conjunto de elementos presentes nos atos pulsionais para a escolha objetal, e, não precisa ser, necessariamente, de cunho sexual.5,7Convém aqui entender a etimologia da palavra “libido” que vem do latim libidus, cujo significado é anseio ou desejo, e é caracterizada como a energia aproveitável para os instintos de vida. Vimos de acordo com Freud, que o ser humano apresenta uma fonte de energia separada para cada um dos instintos gerais, e -a libido é a manifestação dinâmica na vida psíquica e na pulsão sexual que é o que move o sujeito Roudinesco.13Na obra “Três ensaios sobre a sexualidade", vimos que Freud derruba a crença que se tinha sobre a sexualidade, traz à tona à sexualidade infantil; discute e propõe um novo entendimento àquilo que é entendido como sexual. Isso é entender mais uma vez, que o conceito de sexualidade de que ele trata vai além de sua definição relativa ao sexo, ou coito. Freud, ainda, denomina a sexualidade infantil como perverso-polimorfa, uma vez que se manifesta de várias formas, não havendo primazia de uma zona erógena determinada, afastando-se do modelo genital e de relação sexual. No entanto, segundo Freud, “há uma força instintiva e impulsiva que é sexualizada”, que recebe um investimento energético que movimenta o indivíduo no sentido de um objetivo alvo, que o leva na direção da satisfação ou busca do prazer, a Pulsão”, que é puro a libido, e precisa ser descarregado a um objeto alvo.1A pulsão de vida, conforme elaborada por Freud, diz respeito a autoconservação, e, pode ser associado ao movimento do bebê quando chega ao mundo desamparado e alienado, em um movimento pulsional de buscar o seio materno. Na tentativa de satisfazer sua fome, ele tem o instinto de sugar o seio; contudo, mesmo satisfeito, o bebê ainda continua mamando, movido pela pulsão sexual, na busca por satisfação libidinal que vai além da mera sobrevivência ou a busca por saciar a fome. Conforme Kupfer18, “é nesse sentido que Freud compreende o seio materno como uma zona erógena investida de a libido”. Isso é pensar no bebê mesmo saciado, continuar sugando. Nesse sentido, a busca não é mais de se alimentar, é a tentativa de o bebê encontrar satisfação ou prazer no acolhimento materno, e assim será no decorrer da vida, a busca do homem é sempre por preencher essa falta primária; voltar a aquele lugar de cuidado e proteção, e isso leva à neurose de angústia ou insatisfações. Importa aqui entender o real significado da palavra angústia para a psicanálise, conforme Roudinesco13, a palavra tem origem do latim anxietas que significa “ansiedade”, comumente utilizada pela Psicologia clínica para designar uma doença psíquica, -Transtorno de Ansiedade, Distúrbio, porém para a psicanálise, é apenas excesso de angústia. Trata-se daquela excitação livre e necessária de o sujeito sempre querer se ligar a algo que lhe traga aquela satisfação necessária. Haverá sempre satisfação e insatisfação, prazer e desprazer, ora amamos, ora odiamos.

Porém, para Garcia-Roza1, a psicanálise distingue o mero desprazer da dor psíquica propriamente dita. O desprazer tem a ver com a frustração, a não aceitação, apesar do incômodo, dá para viver com isso. Já a “dor psíquica tem a ver com excesso de angústia, acúmulo de excitação somática, que de tão intensa chega a desorganizar o psiquismo”. recalcado. Partindo da dimensão singular e estruturante na constituição do sujeito, em “Os três Ensaios sobre a sexualidade”2, entendemos essa organização nas pulsões sexuais infantis, onde Freud propõe uma divisão por fases de desenvolvimento da libido ou desenvolvimento sexual, que é o que contempla a evolução da sexualidade, com origem na infância. Ele sugere, ainda, um agrupamento das tais pulsões em fases de desenvolvimento sexual infantil: fase oral, fase anal, fase fálica, período de latência e fase genital, que estão intrinsicamente ligadas aos desenvolvimentos: afetivo-emocional, moral, social e psicológico.

Em cada fase, a libido obtém mais satisfação em uma zona erógena diferente, e apesar de bem definidas, não são estanques. A transição de uma fase para outra pode demorar mais tempo ou menos tempo, ou seja, não acontece de forma linear para todos os sujeitos. Inclusive, na fase adulta, pode-se também observar em análise a “fixação” em uma dessas fases ao longo da vida, conforme já tratamos por aqui.2

Do ponto de vista simbólico, conforme Kupfer,18a fixação em uma das fases do desenvolvimento psicossexual pode se tratar de uma fase regredida. Dessa forma, é possível verificar características de personalidades que expressem grande dependência, ansiedade, sentimento maior de desamparo, baixa tolerância à frustração, comportamentos esses, característicos de fases iniciais, na vida adulta. É nesse sentido que Freud, em "Três ensaios sobre a Sexualidade”, reconhece o valor estruturante da sexualidade na criança para um bom desenvolvimento integral. O desenvolvimento psicossexual permite a criança interpretar “o enigma da existência”, -perceber a presença do outro; as diferenças individuais; os valores morais dentro da sua sociedade; sua autonomia, e, para o seu próprio bem, percebe que precisa renunciar ao egocentrismo e narcisismo característico na criança em formação para fazer escolhas menos frustrantes no decorrer da vida.2:10.

Conforme Kupfer 18, ao pensar sobre a sexualidade infantil, percebe que o adulto confronta o presente com sua própria infância perdida. Nesse sentido, o adulto é colocado diante de um impasse, -reconhecê-la, podendo acompanhá-la em seu percurso subjetivo, ou negá-la, para não se deparar com suas frustrações, conflitos, desejos, e fantasias infantis. Há um consenso entre os contemporâneos em Freud, como é o caso de Kupfer18de que é na fase lactante que a natureza humana se expressa, pois já é possível perceber o manejo da agressividade na criança, exemplifica: “O bebê, na ânsia de se alimentar, pode morder o seio da mãe, num sentido de lançar um domínio sobre o objeto de desejo”. Isso pode significar que para o bebê não há uma distinção clara entre si e o externo, entre ter e destruir”.

Nesse sentido, a boca é o vínculo que a criança tem com o mundo nesta fase da vida. Por meio dela, a criança passa a conhecer e a provar o mundo externo.

Ainda, segundo Kupfer,18“o objetivo sexual vincula-se à “incorporação do objeto”. Isso é compreender que toda a energia libidinal está, nesse momento, voltada para a boca, e se trata do princípio de satisfação da zona oral, que tem uma função fisiológica vital para o bebê: a alimentação. Mas, com o tempo, a necessidade de repetir o prazer encontrado no ato de mamar desvincula-se da necessidade pelo alimento, e a criança procura outras fontes de prazer no contato com a mãe. É nesse sentido que Freud descreve que a sucção do bebê é dotada de natureza sexual de pura libido. Talvez por isso, algumas crianças ao abandonar o seio materno começam a fantasiá-lo, e pode continuar com a atividade de sucção sugando o próprio polegar, a chupeta, levando objetos a boca. E, ainda, segundo ela, é nessa fase que a criança dá início a atividade autoerótica, pois descobre que o seu próprio corpo pode ser responsável pela satisfação recebida, há a identificação do seu corpo desvinculado do outro a mãe, ou seja, descobre que ela mesma pode levar o alimento à boca, e que pode ser causadora de seu próprio prazer. Para Freud , em tal prática a criança procura repetir um prazer antes sentido no seio materno, e o objeto é substituído.

Vimos que a fase de substituição do objeto de desejo -seios maternos -pode ser estruturante para a formação da criança, e é a partir do desejo instaurado na criança pela falta do objeto de prazer que ela pode reagir com agressividade, e desenvolver esse sentimento, assim como pode desenvolver o sentimento de amor ao entender que precisa trocar uma coisa por outra, ou seja, direcionar o amor à outro objeto. Nessa perspectiva, Freud toma como fundamento da sexualidade infantil a sua disposição perverso-polimorfa, cujas as manifestações sexuais da criança são perversas porque não têm relação com a reprodução, e são polimorfas porque não estão centralizadas em um objeto sexual, mas assumem formas variadas de satisfação por meio de zonas erógenas, revestidas da libido, como partes da pele ou da mucosa de onde se origina uma excitação que traz prazer, e é sexual.

É nesse sentido que as primeiras satisfações por meio de zonas erógenas, são tomadas como a principal referência para os outros prazeres do corpo no decorrer da vida.2Ainda, segundo Freud, nos textos “Três ensaios sobre a sexualidade”2, a descoberta das diferenças anatômicas do sexo é também uma fase estruturante, e, que até certa idade as crianças de ambos os sexos supõem a existência de genitais masculinos em todas as pessoas. A descoberta da menina de que não tem um “pênis” é frustrante, no sentido de que algo falta nela, tem o sentido de castração mesmo.

Na fase “fálica”, entre 3 e 6 anos, a zona erógena é o falo, reconhecimento dos órgãos genitais e as diferenças anatômicas. Nessa fase é muito comum perceber a curiosidade das crianças com relação às zonas genitais, às suas próprias e às dos outros que as rodeiam. A primazia nessa fase não são os órgãos genitais, mas o “falo”, representação imaginária e simbólica do pênis.18Nessa fase, a criança tem um poder enorme de imaginação, de construir histórias, portanto, o menino acredita que a menina foi castrada, e a menina não entende por que não tem um pênis. Mas, é somente quando a organização sexual se completa, no período da puberdade, que o sujeito se reconhece em uma polaridade sexual entre masculino/feminino ou em uma orientação sexual própria que não é definida pelo órgão sexual.18Freud, a princípio, consegue descrever apenas o que afeta os meninos. O processo referente às meninas foi tratado no artigo de 1925,sobre algumas consequências psíquicas na descoberta da distinção anatômica entre os sexos, e a compreensão da angústia de castração da menina.13: 19, 20Essa cena primária, no conceito freudiano, pode produzir fantasias que, se não forem bem elaboradas e/ou conduzidas, podem suscitar a formação de uma estrutura perversa, inclusive.

É justamente nessa fase primária de grandes vivências, descobertas e experiências com as figuras parentais pai e mãe que se consolida o famoso conceito “Complexo de Édipo”.18 O Complexo de Édipo se designa o conjunto de desejos amorosos e hostis que a criança experimenta com relação aos seus pais. Ao longo do desenvolvimento psicossexual, o filho tende a buscar nas figuras parentais referências para seus sentimentos, e identificações ou busca de figuras representativas, elegida como “objeto de desejo”. A princípio, Freud postulou que o filho tende a se identificar com a figura paterna, e a filha com a figura materna, mas recua ao entender que as investidas e aspirações amorosas é por aquele que satisfaz todos os seus desejos e necessidades, logo, o “objeto” denominado por ele como “objeto de desejo”, é sexual, porque há uma descarga da libido.8Essa identificação, carregada de sentimento dentro da dinâmica familiar, fará com o que a criança olhe para aquele que rouba a atenção da mãe ou do pai como um rival, atacando-o, se defendendo com agressividade. Porém, apesar de se tratar de uma questão simbólica, pode ser estrutural, e o sujeito pode desenvolver um comportamento que envolve a Pulsão de morte, como: agressividade, ciúmes, raiva, rejeição, carência, e ter um egofragilizado.18Percebemos que em “O Mal-estar na civilização”, Freud21ao elaborar os seus conceitos, projeta fenômenos que envolve o amor e sexualidade na vida cotidiana, por meio de mecanismos sociais de controle, inevitavelmente, consideramos os destinos da pulsão na entrada na cultura, no social, que também, diz respeito a uma moral introjetada, ou seja, as leis, valores que regem a sociedade a qual o sujeito está inserido. A entrada na escola, é a grande entrada no social, e também, é o espaço compartilhado com suas leis e regras, que exige a troca do lugar privado pelo social, e podemos perceber o mal-estar na criança, por meio das resistências. Freud, ainda com relação ao ideal social sobre a criança, trata desses desejos destrutivos, da raiva, tristeza e solidão observados na criança, e que ela vive conflitos e contradições, assim como o adulto, e que é portadora de sexualidade, e isso, escapa ao controle da educação, pois ela é capaz das manifestações psíquicas do amor, da ternura, sedução, dedicação, mas também, do ciúme, da raiva e ódio.5Essa revisão teórica, compreende entender, também, o conceito “Complexo de Édipo”, tema central no desenvolvimento da sexualidade, conceito fundamental na estruturação da neurose, organizador da personalidade sob quatro aspectos fundamentais: possibilitar o entendimento da criançada necessidade de renunciar ao lugar onipotente, egocêntrico, possessivo e narcísico. Essa é a proposta freudiana de herança do Édipo que coloca em destaque a renúncia à satisfação pulsional em detrimento ao outro.8

Portanto, constatamos que a transição de se perceber vem do externo, na entrada no social, e está implicado na relação da criança com aquele que é responsável por sua formação, desencadeando sentimentos de amor e ódio, como traição, abandono, rejeição, ciúmes, vingança, inveja, insegurança, que se trata da “fixação” em alguma fase do desenvolvimento psicossexual. “Os sentimentos hostis, ou carências, que uma vez instalado, podem dificultar as relações interpessoais, desencadeando sofrimento psíquico”.

Dessa forma, assim como a criança aprende a amar, ela pode aprender a odiar, e ter sentimentos hostis.18Compreendemos, nessa revisão, que a dissolução do “Complexo de Édipo” é fundamental para a constituição do sujeito, pois de acordo com Freud, à luz de seus contemporâneos, é nessa passagem dos 3 aos 5 anos que o sujeito se estabelece em uma posição subjetiva. Isso é entender a “angústia de castração”, as renúncias necessárias que ocorrem de forma simbólica no imaginário, que pode garantir uma boa dissolução do Complexo de Édipo.8Por meio de autores como Roudinesco12, podemos entender a busca incansável de Freud para dar significado aos sentimentos e comportamentos que vão sendo apreendidos pelo homem, e ao que de fato tratou em suas teorias. Podemos afirmar que a sua grande descoberta foi entender que os sentimentos têm uma gênese nos vínculos primários.

Ao observar o mundo emocional da criança Freud percebe que o universo da criança não é pacífico, “é um mundo no qual a criança experimenta intrusos desejos, ansiedades e fantasias”, sentimentos esses que ela carrega para a fase adulta. No texto “O mal-Estar na civilização”, Freud 21 alcança um pensamento sobre o processo civilizatório e a ascensão da modernidade por conta do acesso do homem à cultura. Ele segue uma trajetória cronológica e com base na obra “Totem e Tabu” de 1913, se debruça para entender e desvendar as relações humanas e percebe essa ambivalência entre amor e ódio de tratou na teoria das Pulsões. E com base na filogênese da espécie desde a pré-história ele busca essa identificação e as bases da hostilidade humana.

Freud, ainda, postula que o amor está a princípio, situado do lado da pulsão sexual, enraizando-se no narcisismo primário. Amar, nesse sentido, é sinônimo de devorar, de possuir para si, e apesar de ser a primeira configuração de amor, há uma agressividade oculta, conforme podemos observar na fase oral. O amor e a pulsão sexual compartilham, em sua constituição, o prazer parcial ligado, de início, à boca. Porém, o ser humano vive em conflito com a ameaça da falta, da troca de uma coisa por outra; culpas que advém do medo de uma autoridade exterior, e medo das críticas do superego que, segundo Freud, são piores do que as sociais. Isso significa o afastamento de sua natureza instintiva, de querer a satisfação do seu prazer a qualquer custo, mas há os elementos regulatórios que regem a natureza humana, e isso causa o mal-estar nas relações humanas.5: 21.

Ao longo do texto “Totem e tabu”, observamos que há também, menções a reações de hostilidade de processos identificatórios de amor e ódio na própria família. E podemos identificar com o que acontece no processo civilizatório, -o amor e ódio nas relações, seja de pai e mãe, do amigo e do inimigo, nas relações amorosas, no qual há identificação como a horda do pai em “Totem e Tabu”. “A lei sempre entra como o proibido, o impossível de se realizar, é assim que se revela um desejo recalcado”, conforme Freud15. Nesse sentido, podemos afirmar que os processos inconscientes se desenvolvem e definem os destinos das pulsões, sempre no conceito limite entre o psíquico e o somático, representante psíquico dos estímulos que provêm do interior do corpo e alcançam a psique, como medida da exigência de trabalho imposta ao psíquico em consequência de sua relação com o corpo. Podemos entender que o comportamento gerado pelas pulsões se diferencia daquele gerado por decisões, por ser aquele gerado por forças internas, inconscientes, alheias ao processo de decisão consciente do sujeito. Portanto, a sexualidade humana é um fenômeno puramente pulsional, regido pelo simbólico, ora pulsão de vida, ora pulsão de morte, ora desejo, ora ligação e ruptura, e é isso o que atormenta o homem que busca respostas dentro dele mesmo e na clínica sobre o que traz sofrimento.12

Ao recorremos aos textos freudianos que tratam da sexualidade, os “Três ensaios sobre a teoria da Sexualidade”, o artigo “As Pulsões e seus destinos”, e em “Cinco Lições de Psicanálise”1,5,14, vimos que o conceito de “Pulsão sexual” engloba as pulsões em geral e as várias vicissitudes pelas quais o sujeito passa durante o seu desenvolvimento biológico e psíquico, pois o homem está sempre entre o somático e o psíquico. E a pulsão tem um destino claro: a satisfação. Essa, não se dá de forma direta ou imediata, e, por exigência da censura do superego, ela implica sempre uma modificação da pulsão. Por isso, os destinos das pulsões são, também, apresentados por Freud, como: modalidades de defesa. Freud, ainda reconhece, o caráter limítrofe das pulsões que estão sempre em movimento, e pode chegar ao psiquismo causando “sintoma”. Quando há um sintoma, também há um vazio que chega na consciência causando angústia. É nesse percurso que a repressão entra, visando evitar o desprazer e a busca de equilíbrio.

Portanto, ao descrevermos o processo psíquico, conforme validado por Freud, tratamos do papel da sexualidade na vida psíquica do sujeito, por meio dos conceitos centrais da teoria freudiana, conceitos esses, relacionados ao funcionamento da mente, estruturação do sujeito, para podermos sustentar que o amor é uma articulação possível em Freud, e a sexualidade é para além do prazer genital.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No campo amoroso, a sexualidade em Freud está implicada na quantidade de amor, à libido, ao afeto e a tudo mais que está relacionado à pulsão de vida. Isso engloba tudo que o sujeito busca fazer para se satisfazer e não apenas o prazer sexual. Para descrever o processo psíquico,

consideramos nessa revisão teórica o papel da sexualidade na vida psíquica do sujeito, tendo como embasamento teórico o conceito de pulsão, seus representantes e destinos, e ainda, as dimensões do desejo, da libido, do simbólico e da afetividade, pois, vimos que esses estão relacionados ao desenvolvimento psicossexual. É nesse percurso que o entendimento da sexualidade em Freud vai além do sentido genital, de coito, propriamente dito. Ao analisarmos as possibilidades de articulação dos conceitos teóricos relacionados ao tema amor e sexualidade em Freud, vimos que é natural ser remetido imediatamente ao conjunto de sentimentos essencialmente ligados ao sexo. Porém, uma das preocupações fundamentais de Freud foi encontrar um termo que pudesse se opor à pulsão sexual e evitar o dualismo entre a pulsão sexual com a sua força disruptiva, oposta às de autoconservação, e daí o termo pulsão de vida, que não seria apenas sexual. Vimos ao buscar descrever o processo psíquico e o papel da sexualidade na vida psíquica, o quanto ela está implicada na subjetividade de cada sujeito. E ainda, que o amor nas relações humanas pode funcionar como um modelo de busca de felicidade, de plenitude, e é nesse processo que Freud identifica a natureza ilusória presente em todos os sujeitos. Pois, há sempre a dualidade amor e ódio, e a pulsão sexual, “a libido” que pode ser direcionada a focos específicos, a algo que traga prazer, e, podemos ver amor até onde não há, inclusive. Ao percorrer as etapas do desenvolvimento psicossexual, podemos entender a repercussão e o impacto no desenvolvimento da sexualidade e subjetividade no percurso do sujeito. Portanto, não podemos perder a essência dos escritos freudianos, sob o risco de estarmos tratando de outra coisa, e não do que foi de fato tratado e validado por ele. Buscamos nessa revisão, analisar as articulações possíveis sobre o tema amor e sexualidade em Freud, tendo como foco a teoria pulsional, seus destinos e seus representantes no psiquismo. Vimos que o amor é uma articulação possível porque ultrapassa o ato sexual, estando ligado mais à idealização, portanto, dirigido a um alvo ou objeto que traga satisfação pulsional, aspecto constitutivo da personalidade, bem como, a implicação entre sexualidade e amor nos textos freudianos que trata de pulsão.

Tratamos do lugar que ocupa a Psicanálise no campo da sexualidade, do amor, do afeto e pulsão, e apresentamos uma visão do princípio do prazer, juntamente com o princípio da realidade que é a base do rumo dos acontecimentos psíquicos e funcionamento mental do sujeito, bem como, a sua forma de se comportar em relação ao amor e à escolha objetal que é para onde a pulsão é direcionada. Constatamos ainda, que a sexualidade não é meramente genital, ela é a base da formação da personalidade e da subjetividade. Portanto, a sexualidade tem uma dimensão afetiva e essencial, que deve ser entendida na totalidade dos sentidos propostos por Freud, cujos paradigmas precisam ainda ser estudados justificando a importância desse estudo, e evitando, assim, futuras confusões quanto ao papel da sexualidade na vida psíquica do sujeito.

REFERÊNCIAS

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7. Freud SS. Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos homens: contribuições à Psicologia do amor II. Volume XI: 57-147. Tradução por Paulo Cézar de Souza.Rio de Janeiro: Imago: 1996.

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11. Freud SS. Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outrostextos freudianos. Tradução por Paulo Cézar de Souza. Rio de Janeiro: Imago; 1996.

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20. Freud SS. A organização genital infantil: uma interpolação na teoria da sexualidade. Volume XIX. Tradução por Jayme Salomão. Rio de Janeiro. Imago; 1972.

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