MAUS EXEMPLOS PRIMEIRO-MUNDISTAS

“Quem quiser negar a grã-verdade,

negue também ao Sol a claridade

e certifique-se mais que o fogo é frio”

Luís de Camões

Primeiro Mundo não significa, necessariamente, primeiro lugar global, máxime no que respeita às relações e políticas sociais humanas. Vê-se isso clara e cotidianamente confirmado quando se acompanha o noticiário que emana dos órgãos de informação de massa, os chamados mass media, ou, para nós, simplesmente mídia (rádio, jornais revistas, TV e outros).

Opulência econômico-financeira nem sempre reflete sadia convivência étnico-racial e harmonia ou satisfação populacional, com equânime distribuição das riquezas e das ações sociais.

A morte da Sra. Rosa Parks, ocorrida em 24 de outubro de 2005, uma humilde, mas respeitável costureira negra, aos 92 anos, que no nem tão distante ano de 1955, ao se recusar a ceder seu lugar num ônibus para um passageiro branco, pelo que foi imediatamente presa e multada por infringir as leis americanas vigentes, fez deflagrar, de forma incontida e crescente, a insurgência das comunidades negras daquele país contra a abominável “lei do apartheid”, que se iniciou com um boicote de mais de um ano ao serviço de transportes urbanos, robustecida pelas concentrações e pregações promovidas por um jovem pastor protestante negro, Martin Luther King, discípulo de Gandhi e, portanto, partidário da não-violência, que viria, anos mais tarde, a receber o Prêmio Nobel da Paz (1964), até vir a ser assassinado, de forma nunca devidamente esclarecida, em 1968.

O sempre lembrado e querido presidente John Fitzgerald Kennedy é outro exemplo categórico da intolerância e do racismo do big brother de cima: o dinamismo e a firmeza de sua política interna em favor da igualdade racial (fim do apartheid) e de sua diplomacia anti-Guerra Fria fê-lo igualmente mártir dessas causas: foi assassinado em Dallas, em 1963, em circunstâncias outrossim nunca perfeitamente desvendadas. Foi uma luta árdua e sempre tinta de sangue, até culminar com a revogação dessa “excrescência legal” que excluía os negros de várias atividades e locais públicos (escolas, cinemas, transportes coletivos e outros), além do livre direito de ir e vir, substituída pela Lei dos Direitos Civis, sancionada em 1964 e posta a viger em 1965.

Isto mesmo! Há tão-somente pouco mais de 40 anos nossos vizinhos “do andar superior” abjuraram conduta tão vergonhosa e abjeta. E são exatamente esses que se arvoram, hoje, a impositores e guardiões dos direitos humanos pelo mundo em fora, mesmo que, para tal, tenham que usar a força das armas – de que dispõem como ninguém! – como acabamos (a rigor ainda nem acabamos) de ver no Afeganistão e no Iraque.

Ainda há pouco, uma dessas revistas de circulação nacional, trouxe à baila, em reportagem ilustrada, a perversa e triste situação vivida pelos desgraçados presos que têm a desdita de ser encarcerados nas lúgubres masmorras de Guantánamo, eis que ali são submetidos a tratamento desumano e cruel, incluindo minguada e péssima ração alimentar, acorrentamento dos pés a bolas de ferro e outros maltratos que tais, tal-qualmente era correntio ao tempo da escravidão de séculos passados. E lá, a predominância absoluta é de “gente de cor”, diz o artigo.

Estuda-se a melhor forma de fechar essa mal-cheirosa masmorra, engastada em um pedaço de Cuba, onde cerca de 250 detentos continuam detidos e apenas 20 deles foram indiciados, símbolo dos excessos da “guerra contra o terrorismo” deslanchada pelo governo Bush e acerbamente criticada pela comunidade internacional. Lá estariam “os piores terroristas” (leia-se: estrangeiros, em flagrante xenofobia) segundo o atual governo e sua possível extinção deverá ser objeto de melhores estudos por parte do governo que vige. Será?

Esses episódios, aliás, nos trazem à memória fatos “de triste memória”. Foram seus avoengos, os empertigados súditos do intangível Império Britânico (no qual, jactavam-se eles, “o Sol nunca se punha”) que deram partida ao odioso tráfico/tráfego negreiro mundial, aprisionando negros africanos para levá-los a servir como escravos nas cortes européias, a serviço dos nobres e lords e, depois, para suas inúmeras colônias espalhadas pelo mundo, para manterem ativas e rentáveis as plantações de chá e cana-de- açúcar, inclusive aqui perto, na América Central, e na do Sul, na ex-Guiana Inglesa, hoje simplesmente Guiana.

Detiveram a primazia desse execrável comércio humano secularmente, porém, aquando da revolução industrial inglesa, por não lhes ser mais interessante e até se lhes configurar danosa aos objetivos a mão-de-obra escrava, passaram a policiar os “sete mares” como repressores e inibidores do tráfico negreiro, apresando barcos tumbeiros de outras nações que se atreviam ou aventuravam a desafiar a marinha de sua majestade, surgindo, aos olhos (cegos ou, no mínimo, estrábicos) do mundo, como grandes defensores e libertadores de nossos irmãos de cor, malversando a verdade dos fatos. A replicar o Escritor e Acadêmico José Carlos Gentili: “O peso da ganância faz alterar-se o comércio, vedando-se a comercialização da escravidão sob aparente e repentino espírito libertário e humanitário”. E conclui: “O que faz a libra esterlina na consciência dos homens!”

Mais recentemente, uma eminência do alto escalão governamental do império hegemônico setentrional do Novo Mundo externou sua “luminosa idéia”, a fim de fazer cair os índices de criminalidade e pobreza da mais rica nação do planeta: o impedimento coercitivo da procriação dos elementos negros daquele portentoso e “avançado” país.

Agora, um senador negro teve a “petulância” de se lançar candidato à presidência da ponderosa nação (ora vejam só!) e já os ferrenhos defensores da “brancura” racial puseram-se em campo para impedir tal “desastre”, intentando matá-lo!! A tentativa felizmente fracassou e o democrata Barack Obama foi eleito até com expressiva diferença.

Logo o diretor da famigerada Ku Klux Klan, a associação racista mais radical do planeta, apressou-se a dizer que o presidente eleito “é só metade negro”, fazendo publicar em um site do grupo extremista branco que “Barack Obama se tornou o primeiro presidente mulato dos Estados Unidos”, e não negro, “já que ele não foi criado em um ambiente negro”. “Ele foi criado por sua mãe (branca)”. O intolerante diretor da KKK foi mais adiante: “o povo branco” dos EUA vai logo perceber que é chegada a hora de se unir contra aqueles que odeiam seu modo de vida. E agora? Tristes exemplos! Péssimos exemplos desses senhores do “civilizado” Primeiro Mundo. Mundo cão!

O próprio Obama, aliás, quando ainda em campanha (vai ver que visando a neutralizar em parte a pressão racista), admitiu ser mulato (menos mal!). Quem sabe o mais novo ocupante da Casa Branca não se sairia ainda melhor se assumisse a mesma “coloração” criada e adotada pela nossa queridíssima e esplêndida cantora maranhense Alcione (a cada dia melhor), que para seu grande e fiel público se declara “marrom”?

Queira Deus possa o recém-empossado presidente da rica nação norte-americana realizar um governo de pacificação e prosperidade econômica (apesar da aguda crise que sobre ela se abate), de modo a favorecer o gradual desfazimento do arraigado racismo que por lá impera. Amém.

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Médico e Escritor – SOBRAMES/ABRAMES

E-mail: serpan@amazon.com.br

Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 20/05/2009
Reeditado em 20/05/2009
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