MERCADO - CRENTES NA MODA

Cada vez mais empresas, evangélicas ou não, têm lançado produtos para cativar a mulher cristã

No filme Os Delírios de Consumo de Becky Bloom – adaptação do romance homônimo de Sophie Kinsella, a atriz Isla Fisher faz o papel de uma jornalista pobretona que gasta cada centavo que ganha com roupas, sapatos, bolsas e outros apetrechos que fazem parte do consumismo feminino. Repleto de clichês hollywoodianos, mas com um roteiro que agrada em cheio às mulheres, o longa reflete uma tendência consumista cada vez mais comum na sociedade contemporânea, inclusive entre as mulheres evangélicas. Cansadas daquele paradigma de que “crente é careta”, muitas irmãs têm encontrado maneiras saudáveis de alimentar o ego sem que os valores morais e espirituais sejam transgredidos. Por sua vez, diversas empresas – inclusive aquelas que não carregam a insígnia de cristãs – estão de olhos bem atentos para essa nova tendência comportamental; prova disso é que atualmente o mercado já está bem abastecido de produtos fabricados para usufruto do público evangélico feminino.

Sediada na cidade de Goiânia (GO), há cerca de dois anos a empresa de confecção Sol da Terra decidiu diversificar um pouco seu público alvo ao lançar o selo Moda Evangélica. Além da necessidade mercadológica, a ideia por trás da proposta tão inovadora quanto inusitada era de criar um figurino que se adequasse ao perfil da mulher cristã moderna, mas sem aquelas frases muitas vezes apelativas e comumente estampadas em camisetas, do tipo Deus é Fiel, 100% Jesus ou Jesus te Ama. E o negócio iniciado lá no Planalto Central parece estar indo de vento em polpa, tanto que nos últimos anos o volume de vendas praticamente dobrou, e a empresa tem abastecido lojas espalhadas por diversos estados brasileiros com seus modelos para lá de comportados – ou tradicionais chiques, como preferem os mais aristocratas.

Ser evangélica não é um atributo essencial para trabalhar na Sol da Terra, mas as funcionárias fazem questão de zelar pelo bom comportamento e procuram estar sempre bem informadas sobre as novidades da moda feminina, como é o caso de Elliza Kênia Souza, que é a católica e há dois anos faz parte do time de vendedoras da empresa. “As roupas que confeccionamos para as mulheres evangélicas são elegantes e comportadas, mas não deixam de seguir as tendências ditadas pela moda, com cores, tecidos e bordados do momento”, explica a vendedora.

Se, em pleno século 21, ainda há aqueles crentes mais conservadores que pensam que se embelezar chega a ser um sacrilégio e não condiz com a postura de uma verdadeira mulher cristã, para a estilista paulistana Thamara Fonseca, que trabalha com moda evangélica, o surgimento de grifes com temática religiosa é importantíssimo para o mercado de confecções e em nada contradiz os princípios morais ou religiosos, tanto que a beleza e a delicadeza feminina são citadas em todos os livros sagrados. “A vaidade na proporção correta está diretamente ligada à preservação da feminilidade, da suavidade e da delicadeza”, enumera Thamara, que é adepta ao islamismo e nem por isso enfrenta preconceitos ou perseguições por sua opção profissional. “As pessoas pensam que a mulher muçulmana tem que andar sempre arrastando a famosa burka, ou que as evangélicas devem vestir saias até os pés e ter cabelos compridos; na verdade, nós podemos usar jeans e vestidos como toda mulher”, explica. E é justamente nessa visão deturpada da sociedade em relação aos religiosos que a estilista busca inspiração na hora de esboçar seus croquis. “Hoje conseguimos acompanhar a mesma moda que é apresentada nos desfiles e usada nas ruas, e os comentários equivocados que muitos fazem das mulheres cristãs é que me levam a criar uma moda evangélica jovem, descontraída e alegre”, conclui.

Essência cristã – Elegante, culta, ungida e perfumada com um aroma que exala o bom perfume de Cristo. Para Neusi Gomes Rossini Pantera, capixaba que mora no Rio de Janeiro, essas devem ser as virtudes básicas da evangélica do século 21. Como empresária, um de seus primeiros empreendimentos depois de se converter – que se deu após ter sido convidada para um jantar da Associação dos Homens de Negócios do Evangelho Pleno (Adhonep) há doze anos – foi idealizar uma linha de óleos aromáticos específicos para as mulheres cristãs, não por iniciativa própria como ela mesmo frisa, mas por determinação divina. “Num sonho Deus me orientou a confeccionar os óleos aromáticos para unção; mas como na época eu era recém-convertida e não conhecia profundamente a Bíblia, contratei uma profissional familiarizada com as escrituras e a enviei para Israel para que pudesse pesquisar todas as especiarias usadas no preparo desses óleos. Após essa pesquisa, realizada há dez anos, minha intenção era lançar uma linha completa de cosméticos evangélicos, mas a princípio me concentrei na produção dos óleos de mirra, nardo e óleo sagrado da unção”, relembra Neusi, que frequenta assiduamente a Sara Nossa Terra da Barra da Tijuca. “Porém, após a fabricação, em vez de Deus me permitir vender os produtos, ele me orientou a guardar o projeto e semear a ideia em igrejas pentecostais de diferentes denominações. Então eu doei todo o estoque e fiquei à espera de sua autorização para reiniciar a produção”, continua.

Após a retomada do negócio, juntamente com mais duas sócias – uma delas a cantora e pastora Alda Célia –, Neusi se mostra muito animada com a repercussão e as excelentes perspectivas futuras, tanto que além das sete variedades de óleos, a empresa pretende lançar em breve um gel antisséptico para as mãos e loções corporais com essência de mirra, aloés e romã. “Por onde passamos divulgando nossos produtos, seja em congressos ou nas próprias igrejas, a aceitação tem sido excelente”, comemora.

Tão antigo quanto as próprias escrituras, o óleo é citado no Antigo e no Novo Testamento como símbolo da unção de Deus, e simboliza a capacitação, a força e o poder de Deus dirigida aos cristãos. Assim, deixando um pouco de lado a questão comercial, a evangélica acredita que a essência de seus produtos aromáticos também pode causar um efeito evangelístico no mundo contemporâneo. “O óleo simboliza a unção do Espírito Santo que cura, liberta e restaura; assim, tenho consciência de que também é um instrumento para a liberação da fé cristã”, conclui.

Mulher que lê – Quando o assunto é religião, a distância que separa empresas que caminham por setores tão díspares – seja de confecção, cosméticos ou voltadas para o mercado editorial – parece gradativamente se encurtar; afinal, a linguagem pode ser diferente, mas o propósito e o público-alvo são exatamente o mesmo.

Uma das maiores distribuidoras de literatura cristã no Brasil – a Editora Vida – também têm apostado no retorno comercial e espiritual dos investimentos aplicados no mercado de produtos específicos para mulheres; afinal ninguém é ingênuo a ponto de não admitir que se trata de um público consumidor em potencial e a subsistência de qualquer empresa do ramo pode estar diretamente relacionada à atenção a elas despertada. “Pelas estatísticas as mulheres leem mais do que os homens; nesse sentindo, elas também compram mais”, compara Sérgio Henrique de Lima, atual diretor executivo da editora e membro da Assembleia de Deus do Belém.

Para justificar a atenção atribuída às mulheres cristãs, a Vida – que agora é controlada pelo grupo argentino Peniel Producciones – chegou até a criar uma categoria específica – Vida de Mulher – com uma infinidade de obras que visam a informação, educação e edificação de suas milhares de leitoras. “Em nossa linha editorial temos dado muita ênfase às publicações para mulheres, embora não mais identificados por um selo específico. Somente neste ano esses produtos representaram 25% de nossa produção, incluindo quatro edições especiais para presentes, com um fino acabamento”, comemora o executivo, que ainda credita à mulher uma fundamental importância no direcionamento cristão de toda a família. “A mulher é peça imprescindível na educação familiar, e tudo o que ela lê acaba refletindo em seus relacionamentos. Além disso, nas igrejas normalmente elas são mais dedicadas ao serviço e apoio ministerial e têm um poder imensurável de influenciar e convencer o próximo”, conclui.

Compactua com a opinião do concorrente, o carioca Renato Fleischner, gerente de produção editorial da Mundo Cristão, outra gigante do segmento editorial do país. “Por serem mais atuantes e pela inserção crescente no mercado de trabalho, o poder de influência e compra das mulheres aumentou significativamente”, destaca.

Se as estatísticas comprovam que a Bíblia é o livro mais vendido no planeta – só a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) distribui 7,7 milhões por ano em cerca de 100 países, e o Brasil lidera o ranking dos maiores produtores –, então por que não se criar uma versão feminina das Escrituras? Talvez essa tenha sido a pergunta feita pelos editores da MC antes de trazer para o mercado brasileiro A Bíblia da Mulher que Ora, de Stormie Omartian, um dos grandes nomes da literatura cristã da atualidade e tida como exemplo para milhares de evangélicas em todo o planeta. Seus livros O Poder da Esposa que Ora e O Poder da Mulher que Ora (ambos distribuídos no Brasil pela Mundo Cristão) chegam à impressionante marca de 360 mil exemplares comercializados anualmente. “Além de ser o grupo mais atuante nas igrejas evangélicas, as mulheres constituem cerca de 70% de nossos clientes. Por isso, em nossa linha editorial, focamos temas de grande interesse para o público feminino, como casamento, família, prática devocional, oração e infantil”, explica Fleischner, que é membro da Igreja Metodista de Campo Belo, em São Paulo.

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JDM

José Donizetti Morbidelli
Enviado por José Donizetti Morbidelli em 24/09/2009
Reeditado em 04/10/2022
Código do texto: T1828744
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