O Desenvolvimento da Humanidade e o forte poderio das Crendices Populares

O Desenvolvimento da Humanidade e o forte poderio das Crendices Populares

Luiz Eduardo Corrêa Lima

(Professor Titular da FATEA/Lorena/SP)

Nos últimos tempos tenho me preocupado bastante com a total despreocupação da grande maioria das pessoas, independente de classe social, de nível cultural e mesmo de religiosidade, com a questão da Evolução Biológica. Apesar de o fato evolutivo ser algo já consagrado nos meios científicos, ainda existem alguns pseudo-cientistas e muitos céticos que teimam em não admitir o óbvio. Azar deles, porque eu não vou me ater a isso.

Deixo essa tarefa por conta do Richard Dalkins, Stephan Gould, Edward Wilson e outros grandes evolucionistas, que têm sabido e muito bem, dar as merecidas pancadas nesses “arautos do absurdo”, fomentadores de crendices e contrários às verdades da Ciência, cuja intenção precípua é satisfazer seus interesses pessoais, muitas vezes escondidos atrás de fantasias religiosas. Tenho certeza que as religiões não precisam disso, pois certamente isso não faria as pessoas acreditarem menos em Deus.

Mas, o que realmente me preocupa é a influência na opinião pública e a grande força que essa meia dúzia de malfeitores da humanidade tem demonstrado possuir perante as pessoas de um modo geral. Quando eu digo malfeitores da humanidade é exatamente isso que eu quero dizer, porque negar a verdade científica é tentar manter a humanidade na escuridão do desconhecimento e na escravidão da dependência do sobrenatural.

É óbvio que o povo brasileiro não é o mais indicado como referência no que diz respeito ao nível de conhecimento científico. Entretanto, pasmem senhores, mas esse não é um problema somente do Brasil. Estudos desenvolvidos em vários países do mundo, inclusive Estados Unidos e Inglaterra, mostram que a maioria das pessoas acha um absurdo, por exemplo, relacionar o homem com os demais primatas. Isto é, com os nossos primos biológicos, os macacos.

Eu tenho me perguntado basicamente duas coisas: por que tanta relutância em admitir o óbvio, haja vista que as semelhanças morfológicas e fisiológicas são gritantes? De onde vem essa má vontade em querer aceitar uma verdade mais que evidente?

Interessante e intrigante mesmo é que ninguém duvida, por exemplo, que os gatos domésticos são parentes dos gatos selvagens, que os cães domésticos são originados dos cães selvagens, que os papagaios são primos das araras, que as lagartixas são próximas dos jacarés e que os dinossauros são assemelhados aos lagartos. Ora o que acontece com o gênero humano que ele admite tudo para os demais animais, porém não admite nada para ele próprio. Ele é diferente e não se enquadra nesse processo. Aliás, para muitos humanos é difícil até mesmo aceitar a condição humana de pertencente ao Reino Animal.

Onde poderemos obter a resposta para essa situação extremamente antagônica? Será na religião? Será na prática social que conferiu uma “superioridade” aos humanos? Será na nossa pretensa “racionalidade exclusiva”? Ou será apenas em mais um, dos muitos preconceitos descabidos e reforçados por crendices absurdas que insistem em se manter no cotidiano das pessoas, insufladas por aqueles “arautos do absurdo”?

Infelizmente desconfio que a resposta esteja na última pergunta e tenho tentado, dentro do possível, fazer a minha parte para impedir o crescimento dessas pragas sociais. Tenho orientado as pessoas, com quem me relaciono mais proximamente, em particular os meus alunos, a questionarem algumas “verdades costumeiras”, avaliando suas respectivas viabilidades. Começo sempre por demonstrar que não só é possível, como é bem plausível a condição animal do homem como organismo vivo. Depois, passo para mencionar os parâmetros mais imediatos que nos relacionam aos primatas e por fim deixo claro que, se somos mesmo “seres superiores”, não temos que temer e principalmente que omitir a nossa condição primatológica. Até porque os primatas estão efetivamente entre as espécies mais evoluídas de animais.

Para dar um exemplo de minha forma de tratar a questão vou citar agora uma situação comum e já comentada muitas vezes pela maioria das pessoas que eu aproveito para desmistificar o assunto e “vender o meu peixe”. Há quem afirme que “uma sucuri engole um boi”. Antes de comentar, primeiramente eu faço todos lembrarem que em condições naturais: sucuri nenhuma jamais teria visto um boi, pois o boi primitivamente estava na Ásia e na Europa e a sucuri aqui na América do Sul. O homem é quem colocou o boi onde a sucuri já estava há muito tempo.

A partir daí posso afirmar, sem medo de errar, que o boi não poderia ser de maneira nenhuma o “prato predileto” da sucuri, até porque ela nem conhecia esse “prato”. Isto é, mesmo que ela pudesse comê-lo, isso só aconteceria em condições extremas de desespero da sucuri ou de incapacidade física do boi, o que eu acho pouco provável para um predador que vive numa área extremamente rica em presas muito menores, mais fáceis de serem obtidas e menos trabalhosas de serem comidas. Além disso, a sucuri “caça melhor” na água e o boi não é muito dado a esse tipo de ambiente.

Por outro lado, eu peço às pessoas que pensem numa sucuri grande, muito grande, uma mega sucuri e aí eu já começo a acabar com as crendices. Antes que alguém invente um “monstro” fantástico e impossível de 30 metros, eu já vou dizendo que essa “mega sucuri”, poderá ter no máximo 10 metros de comprimento e 20 a 25 centímetros de largura. Fazendo uma conta rápida, se cada metro dessa “mega sucuri” pesar 20 kg, ela terá no máximo 200 Kg, o que certamente já é um imenso absurdo. Depois eu peço as pessoas para pensarem num boi pequeno e chamo a atenção que boi pequeno é um boi adulto de pequeno porte e não um bezerro recém nascido. Por menor que esse boi seja, ele deverá pesar uns 350 a 400 Kg. Isto é, ele terá o dobro do tamanho em massa física da sucuri. Donde se pode concluir que a “mega sucuri” é fisicamente incapaz de engolir o pequeno boi.

Porém, se isso é impossível, como surgiu essa lenda? Esta é outra questão, mas eu não vou me preocupar com isso no momento. O que me interessa é: porque uma inverdade como esta se repete e se mantém no imaginário popular? E porque quase ninguém questiona os absurdos contidos na afirmativa e acabam repetindo a mesma?

Parto então para a segunda fase de meu plano de exterminar crendices e de mostrar que o homem é um animal e como tal tem medos, principalmente no que refere a outros animais maiores ou pretensamente mais “perigosos”. Para isso os animais, inclusive nós, desenvolveram evolutivamente um sistema nervoso capaz de permitir respostas as imposições do ambiente externo, inclusive a presença desagradável de uma sucuri. Assim, o sistema nervoso está cada vez mais adaptado e disposto a criar e desenvolver mecanismos que possam manifestar esses medos a nosso favor. Isto é, para que nos precavamos de favorecer aos riscos eminentes de toparmos com esses outros animais maiores e “perigosos”. Se a sucuri pode engolir um boi, certamente poderá engolir um humano e aí a afirmativa, embora também seja ilógica, é certamente mais plausível. Desta forma, é melhor eu me afastar da sucuri. Isso faz com que o medo natural do homem pela sucuri aumente.

Mas e os macacos? Será que a sucuri engole macacos? Certamente isso é bem possível, haja vista que, ao contrário dos bois, muitos macacos sempre conviveram com as sucuris, ao longo de milhares de anos de convivência evolutiva em ambientes comuns. Mas então, porque não é comum nós ouvirmos dizer que a sucuri come esses tipos de primatas? Por que como acontece conosco os macacos tem um cérebro relativamente grande, um sistema nervoso bastante desenvolvido e que está bem adaptado nas suas respectivas formas de proteção, inclusive para se afastar das sucuris. Muito embora, ocasionalmente, uma sucuri possa comer um macaco, certamente esse não é seu “prato preferido”, porque normalmente, embora vivam em áreas comuns, os macacos nem chegam perto de sucuris e elas não ficar na espreita de presas que certamente lhes farão gastar muita energia e cujo resultado final poderá não ser nada compensador.

Nos ambientes naturais, os macacos são tão inteligentes quanto os homens são nos ambientes artificiais, tendo inclusive uma organização social bem definida na maioria das espécies e uma maneira própria de tratar e defender os interesses do grupo. Aliás, nesse sentido, alguns macacos são até bem melhores do que determinados homens, porque eles não trabalham contra a sua própria espécie, mesmo quando querem levar vantagens sobre outros no grupo social. Os macacos não só dão respostas positivas às ações externas, como também são capazes de aprender.

Em suma, ser comparado com macacos, não é ruim para os homens, porém em muitos casos é ruim para os macacos, que costumam trabalhar no sentido de melhorar as condições de vida das suas respectivas espécies. É pena que ainda existam muitos homens que não tenham aprendido a viver melhor com os exemplos oriundos dos nossos primos, os macacos.

Podem ter certeza que os macacos não irão reclamar e tampouco poderão se rebelar contra a humanidade, se o homem resolver finalmente reconhecer e assumir sua origem primatológica. Embora, alguns macacos poderiam efetivamente fazer isso no seu direito, haja vista que eles são socialmente mais corretos que muitos homens.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (54) é Biólogo (Zoólogo), Professor Universitário, Escritor e Ambientalista;

É Membro Fundador e atual Vice-presidente da Academia de Letras de Caçapava;

Foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.