Obrigação recíproca de prestar alimentos

Prólogo:

Uma filha de apenas dezesseis anos, linda, rebelde e extremamente desrespeitosa, dirigindo-se à mãe viúva, doente, sofrida; com uma prole maior do que podia prover com sua pensão minguada, em suas necessidades básicas; disse aos gritos, com olhar de escárnio:

“Ontem cheguei cedo da balada, não era nem quatro horas da madrugada e não havia nada para eu comer. Não se esqueça que você ou meu vovô Henrique tem obrigação de me alimentar. Eu não pedi para nascer nessa porcaria de família careta! E quer saber de uma coisa? Se eu pudesse escolher você NÃO SERIA MINHA MÃE!”.

Ora, da mesma forma que o filho menor pede pensão alimentícia por intermédio da mãe, o pai idoso também pode e deve pleitear pensão alimentícia aos filhos. Assim, todos os filhos do idoso podem ser obrigados a pagar a pensão, mas os valores variam de acordo com as posses de cada um, afinal, uns podem mais e outros, menos, e essas ações são parecidas com a Ação de alimentos de pai para filho.

Para entrar com uma ação judicial deste tipo, é preciso procurar um advogado que atue na área do direito familiar, havendo necessidade, de uma forma geral, de apenas documentos que comprovem a filiação.

Em sendo um título executivo, entende-se que pode ser executado, gerando, assim, a prisão civil, onde tantos pais inertes e insensíveis às necessidades dos filhos são presos, assim como os filhos insensíveis podem ser despachados para as cadeias por não cuidarem e respeitarem as necessidades elementares dos pais idosos.

Dispõem os artigos 1.696 a 1.698 do Código Civil Brasileiro:

Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.

Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.

Portanto, distintos leitores e colegas de labuta forense, inicialmente deve ser demandado o pai da criança (parente mais próximo em grau). Caso se verifique no decorrer do processo o disposto no art. 1.698, aí sim, poderão ser chamados a integrar a lide os de grau imediato (avós). Vale ressaltar que uma das características da prestação de alimentos é a RECÍPROCIDADE, preceituada no Art. 1696, CC, sendo assim poderá recair sobre o Avô ou Avó, a obrigação alimentar.

A cada dia aumenta o número de litígios envolvendo netos que recorrem ao Poder Judiciário, exigindo dos seus avós os alimentos necessários para o seu sustento. Tal situação, entretanto, não deve ser vista como novidade.

O Código Civil de 1916, vulgarmente conhecido como Código “Velho”, já trazia dispositivo pertinente ao tema, sendo este o seu artigo 397 que dizia o seguinte: “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”.

O Código Civil de 2002, vulgarmente conhecido como Código “Novo”, repetiu, verbatim, no artigo 1.696, as disposições constantes do Código anterior.

O maior interesse sobre o tema, na atualidade, deve-se talvez ao maior acesso que a população tem à informação. Todos conhecem os seus direitos hoje em dia, mais do que antigamente.

Os operadores do Direito devem estar a par do tema, já que em algumas situações, o único meio para que o neto, geralmente menor, tenha satisfeitas as suas necessidades básicas, seja incluir os seus avós em uma ação de alimentos.

O DIREITO AOS ALIMENTOS

Antes de mais nada devemos conceituar os alimentos. Nos dizeres de Yussef Said Cahali, em seu livro Dos Alimentos, RT Editora, “alimentos são, pois, as prestações devidas, feitas para que quem as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto a física (sustentação do corpo), como a intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional)”.

Com o conceito acima é de bom grado deixar de lado o entendimento simplório de que os alimentos constituiriam apenas “comida”. Não se deve olvidar o seu caráter moral. Neste conceito estão englobadas a alimentação, a vestimenta, a saúde (tratamento médico e remédios), a educação, a recreação etc.

Resumindo, tudo aquilo que é necessário para que se tenha uma vida digna e de acordo com o que preceitua a CF/1988 quando dá prevalência ao princípio dos direitos humanos.

Como não poderia deixar de ser, o direito aos alimentos encontra guarida, primeiramente, na Constituição Federal. O maior de todos os direitos é o direito à vida, garantida a sua inviolabilidade pelo artigo 5º da nossa Lei Maior. A Constituição ainda erige a dignidade da pessoa humana como um de seus princípios fundamentais. Está expresso em seu artigo 1º, inciso III.

Pode-se dizer, portanto, que para a manutenção da vida, a “comida” é necessária, e para a manutenção da vida digna, é necessário que a pessoa receba vestimenta, saúde, educação, recreação, afeto, etc.

Certamente uma sentença judicial que, não obstante a possibilidade do alimentante estipule “quantum” suficiente apenas para o provimento de “comida”, não será justa.

Antes de situarmos o assunto no Código Civil, necessário é que não haja confusão entre os alimentos que têm como base o artigo 1.565 e seguintes, e os alimentos que se fundamentam no artigo 1.694 e seguintes.

O artigo 1.565 do Código Civil responsabiliza os cônjuges pelos encargos da família, sendo que o artigo seguinte diz ser dever de ambos os cônjuges a mútua assistência, e ainda o sustento, a guarda e a educação dos filhos.

Tais dispositivos legais baseiam-se nos deveres de família, e como bem lembra Maria Helena Diniz, em seu didático Curso de Direito Civil Brasileiro, 5º volume, Editora Saraiva, “os deveres familiares não têm o caráter de reciprocidade por serem unilaterais e devem ser cumpridos incondicionalmente”.

Aqui é válido o destaque da expressão: “incondicionalmente”. Isto quer dizer que o dever de sustento deve ser cumprido, independentemente da possibilidade do “devedor”. O filho não deve suportar o ônus de provar ao seu pai a necessidade dos alimentos, já que esta insurge naturalmente.

Já os alimentos do artigo 1.694 do Código Civil e artigos seguintes, além de não possuírem o caráter da incondicionalidade, dependem das possibilidades do devedor e das necessidades do credor. Neste caso, a obrigação de prestar alimentos é recíproca.

OS AVÓS PODERÃO PRESTAR ALIMENTOS

Segundo o artigo 1.694 do Código Civil, “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”. A partir de tal dispositivo legal, surgem as disposições a respeito da obrigação alimentar.

Como já dito, a obrigação alimentar, diferentemente do dever de sustento, possui o caráter de reciprocidade, como atesta o artigo 1.696, quando diz que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”.

Deste modo, não apenas os avós devem prestar alimentos aos netos necessitados, mas estes devem prestar àqueles, no surgindo da necessidade.

A obrigação dos avós de prestarem alimentos, que tem como base o artigo 1.694 do Código Civil, possui algumas especificidades. Talvez a mais importante seja o seu caráter sucessivo. A obrigação é sucessiva, pois o neto só exigirá dos seus avós alimentos se os seus pais não tiverem condições de prover o seu sustento.

O artigo 1.698 ainda diz que “se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide”.

O artigo supracitado traz algumas vedações. Se alguém, por exemplo, ajuíza ação de alimentos em face de seu bisavô, este poderá se isentar da obrigação caso o autor da ação possua avós capazes de providenciar os alimentos.

Deve-se lembrar que os parentes de grau mais distante somente serão chamados se os primeiros obrigados não estiverem em condições de suportar o encargo, assim se manifestando o seu caráter substitutivo.

Esse caráter substitutivo foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no Agravo de Instrumento 20000020015386, publicado no DJU em 21/03/2002, tendo como relator o Desembargador Edson Alfredo Smaniotto, que tem a seguinte redação:

“EMENTA: ALIMENTOS – SOLIDARIEDADE FAMILIAR – OBRIGAÇÃO COM CARÁTER SUBSTITUTIVO DOS AVÓS. Os avós, desde que possível, em face do princípio da solidariedade familiar na ação de alimentos, assumem obrigação substitutiva dos pais que não reúnem condições financeiras para a garantia da sobrevivência da prole que geraram”.

A responsabilidade dos avós, além de substitutiva, pode se manifestar de forma complementar. Isto quer dizer que se alguém recebe do seu pai quantia insuficiente para que tenha uma vida digna, poderá pleitear que os avós somem a isso determinada prestação.

O Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão interessante a respeito do tema, no Recurso Especial Nº 366.837 - RJ (2001⁄0121216-0), de relatoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, que diz o seguinte:

“Ementa: CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. RESPONSABILIDADE COMPLEMENTAR DOS AVÓS.

Não é só e só porque o pai deixa de adimplir a obrigação alimentar devida aos seus filhos que sobre os avós (pais do alimentante originário) deve recair a responsabilidade pelo seu cumprimento integral, na mesma quantificação da pensão devida pelo pai.

Os avós podem ser instados a pagar alimentos aos netos por obrigação própria, complementar e⁄ou sucessiva, mas não solidária. Na hipótese de alimentos complementares, tal como no caso, a obrigação de prestá-los se dilui entre todos os avós, paternos e maternos, associada à responsabilidade primária dos pais de alimentarem os seus filhos.

Recurso especial parcialmente conhecido e parcialmente provido, para reduzir a pensão em 50% do que foi arbitrado pela Corte de origem”.

De conformidade com o acórdão, a obrigação de alimentos se dilui entre os avós, sejam eles paternos ou maternos.

Isso quer dizer que um avô paterno pode opor o fato de existir um avô materno, também em condições de prestar alimentos. Seria injusto se a obrigação surgisse apenas para aquele eleito pelo alimentando como devedor.

É importante também frisarmos que o simples inadimplemento do pai, devedor de alimentos, não faz nascer para os avós a obrigação, já que deverá o alimentando recorrer à execução de alimentos para a satisfação do débito.

CONCLUSÃO

Os avós podem ser obrigados a prestarem alimentos aos seus netos se tal for impossível aos ascendentes mais próximos, no caso os pais. Tal obrigação decorre da lei, que simplesmente reverencia dever de ordem moral.

Entretanto, a obrigação alimentar dos avós possui algumas características que a diferenciam do dever de sustento que os pais têm para com os filhos menores. A obrigação dos avós é sempre condicionada às suas (deles) possibilidades.

O juiz deve aplicar a lei com sabedoria, evitando que se cometam algumas injustiças, como retirar daquele que trabalhou a vida toda e agora espera um pouco de conforto, o necessário que para que tenha uma velhice digna.

Para encetar devemos observar que o principal traço diferencial entre a pensão alimentícia decorrente do poder familiar e a decorrente do parentesco é que naquela, apesar do alimentante pagar de acordo com suas possibilidades, não se verifica a necessidade do alimentado, ou seja, o pai ou a mãe têm a obrigação de prestar alimentos independentemente do filho (a) deles necessitar.

No que tange ao direito de receber pensão até os 21 anos ser direito adquirido para os casos que tiveram sentença proferida antes do início da vigência do novo Código Civil, entendo que não é o caso, sendo, no máximo, uma expectativa de direito.

Senão vejamos: tanto o artigo 229 da Constituição Federal como o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente tratam de "filhos menores", sendo que o artigo 5º do novo Código Civil diz que "a menoridade cessa aos 18 anos completos", e ainda, o inciso III do artigo 1635 do mesmo diploma legal dispõe que o poder familiar se extingue "pela maioridade".

Assim, considerando-se que o dever de sustento se funda no poder familiar, não há como aceitar que após a entrada em vigor do novo Código Civil alguém com mais de 18 anos continue recebendo pensão em virtude do poder familiar.

E mais, mesmo nos casos em que na Sentença constou que a pensão seria paga até que o filho(a) completasse 21 anos, conquanto o alimentado(a) tenha direito a receber a pensão até referida idade em virtude da coisa julgada, completada a nova maioridade civil (18 anos) a pensão deixa de ser decorrente do poder familiar e passa a ser decorrente do parentesco.

Da mesma forma, há que se observar que a pensão paga ao filho estudante até 24 anos, após este completar 18 anos é decorrente da relação de parentesco e, desta forma, o filho(a) deverá provar sua necessidade.

Tente você, leitor (a) amigo (a), conversar com aquele seu vizinho idoso, aquele casal vizinho que vive em dificuldades por já ter certa idade e que foram abandonados pelos filhos, sem dinheiro, sem amor, sem vida normal.

Nós podemos fazer nossa parte, esclarecendo-os e alertando-os sobre os direitos de uma vida mais digna em face daqueles que eles próprios colocaram no mundo e abdicaram parte da vida para criar, fizeram inúmeros esforços para educar e alimentar e, agora, o mínimo que podem ter é uma retribuição honrosa por toda esta dedicação.

Por fim, entendo que, apesar da extinção do poder familiar pela maioridade ocorrer independentemente de declaração judicial, é aconselhável que o pai ou mãe que desejar se ver livre do encargo alimentar após o filho completar a maioridade civil interponha ação de exoneração de alimentos (Note-se que há quem admita que tal pedido seja feito nos autos do processo em que foram fixados os alimentos), na qual poderá ser requerida a tutela antecipada nos termos do artigo 273, inciso I, do Código de Processo Civil, mesmo que seja apenas parcial para efeito de que as pensões sejam depositadas judicialmente até final decisão do processo.

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Fontes consultadas:

– Constituição Federal Brasileira de 5 de outubro de 1988.

– Extraído do texto de GUSTAVO RUBERT RODRIGUES in A Obrigação de Alimentar dos Avós, 2006;

– SANTOS NETO, José Antonio de Paula. Do Pátrio Poder, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 110. (citando lição do grande mestre Yussef Said Cahali)

– Extraído do texto de Francisco José Cahali in Direito de Família e o Novo Código Civil, 2ª ed., obra coordenada por Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte: Editora Editora Del Rey, 2001, p. 194.

– DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 5 : direito de família, 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 469.

– RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v. 1, 30ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 31.

– NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p.205.

– MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito, 25ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 395.

– Extraído do texto de Francisco José Cahali in Direito de Família e o Novo Código Civil, 2ª ed., obra coordenada por Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte: Editora Editora Del Rey, 2001, p. 196/197.

– No novo Código Civil de 2002, artigo 1696.

– DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 468/469.

– Estatuto do Idoso - Lei 10.741/2003.

– Apontamentos e Notas de Aulas do Curso de Pós-Graduação.