Palmadas não...

Não sou psicóloga, nem psiquiatra ou pedagoga, sou mãe e muito embora não tenha nenhum diploma fornecido por qualquer faculdade, tenho o que nenhum diploma fornece e que alguns professos universitários recebem como adicional em seus vencimentos, TIDE.

Eu não tenho TIDE, eu sou TIDE. Mãe não é atividade é responsabilidade, mãe não é formação, não dá direito a diploma, mas ser mãe é ter o TIDE incorporado automaticamente e mais, nosso TIDE não é para 08 horas, a exemplo dos professores universitários, o TIDE materno é de 24 horas. Pai também, que fique bem claro.

Alguns perguntarão, ué mas mãe e pai não dormem? Dormem, mas acordam quando necessário, ou então, não dormem e acompanham o sono daquele que dorme e está com febre, monitorando a temperatura, fazendo revezamento.

Mas alguns podem pensar em outra comparação, Plantão de Sobreaviso, que algumas categorias profissionais pagam a alguns profissionais que ficam em sobreaviso por 24 horas. Vou ser repetitiva: ser mãe e pai não é estar em plantão de sobreaviso é estar em TIDE 24 horas. Pais não realizam suas atividades e simplesmente param quando a “empresa” tem problemas... O pai, a mãe não deixa a “empresa” de lado e vive sua vida, com filho não é assim, você não deixa de lado, vive sua vida e quando há problemas você vai lá e resolve. Claro você resolve problemas, mas não é só isso, você educa, corrige, dá tempo, atenção, carinho, repreende, até mesmo castiga, em suma você Ama. TIDE.

No caso da mãe e do pai a sigla TIDE se aplica perfeitamente, muito mais que a qualquer atividade – TIDE – Tempo Integral de Dedicação Exclusiva. Não é dedicação exclusiva?? Não??

Você não pára com a limpeza da casa e o almoço?? você não se ausenta de suas atividades profissionais para levar seu filho ao médico??

Você não deixa a casa e o escritório de lado para ir àquela reunião de “pais”, ou então pior, quando a Diretora da Escola convoca?

A responsabilidade e autoridade dos pais é implícita ao seu TIDE.

Como esse TIDE, essa responsabilidade e autoridade não estão escritos, mas são exigidos, não de uma forma oficial, legal. Não através de documentos assinados e protocolados. Ser mãe, ser pai não é profissão, para um profissional há limite de exigência, mas eu desconheço um limite de exigência para uma mãe e para um pai. Esse é um assunto nebuloso, escorregadio, flexível, muito flexível, para usar uma palavra mais positiva e polida que as duas primeiras. Afinal a lei estabelece o que você não deve fazer, mas a cultura não estabelece um limite do que você deve fazer.

E agora além das responsabilidades pertinentes e não escritas, tem uma que está escrita, pais não podem dar palmadas.

A questão não é se o Estado (Governo) tem autoridade para isso ou não, a questão não é simplesmente se o Estado deveria ter entrado nesse assunto e arbitrado a esse respeito, a questão maior é o que essa gerência estatal reflete, qual seja, a crise de autoridade dos pais.

Enredamos por muitos questionamentos a respeito desta responsabilidade e autoridade e querendo romper com o que identificamos como um autoritarismo milenar, implementamos menos ordens e mais dialogo. Ótimo. A vida é dinâmica e achamos que sendo mais flexíveis teríamos como contrapartida a gratidão de nossos filhos, ou pelo menos o reconhecimento social de nosso esforço. Ledo engano.

Conversamos sobre direitos infantis e estabeleceu-se o ECA. Refletimos e debatemos sobre a violência infantil e já não podemos mais dar “palmadas” em nossos filhos.

A crise de identidade de pais e mães deixou os lares e foi reconhecida, legitimada e sancionada pelo Governo.

Você nunca deu “palmadas” em seus filhos? Eu já. Nunca os espanquei, mas já lhes dei palmadas.

Crise abre espaço para reflexões e novos rumos, mas também abre espaço para radicalismos.

E agora o radicalismo está sancionado. Não há o que fazer. Agora é Lei.

“Dura Lex sed Lex” – A lei é dura mas é lei.

Quem sabe agora possamos refletir com mais discernimento sobre a autoridade dos pais e sobre os direitos dos filhos. Avançamos bastante nos direitos infantis e retrocedemos bastante na autoridade dos pais.

Estamos perdidos, não queremos ser os “cruéis” e autoritários que dizem “não”, estabelecem horários para dormir, almoçar, fazer tarefas, ver televisão e etc... regras que nossos pais estabeleciam e que ao que eu saiba, ninguém morreu por isso.

Mas...eles tem direitos certo? e ultimamente, nós só temos deveres....

E como nós trabalhamos o dia inteiro, quando estamos em casa precisamos relevar, afinal eles estão carentes e nós estamos em dívida. E então pergunto: Não estar em casa porque estamos trabalhando é errado? Estamos roubando o tempo de nossos filhos?

E se estamos em dívida, nossos filhos estão cobrando a conta, só que tem um porém, eles estão cobrando a conta com juros e dividendos astronônimos e em nossa culpa e dúvida, nós estamos entregando tudo. O poder está com eles e o Governo está simplesmente reconhecendo o poder deles, porque nós abrimos mão do nosso. Não somos mais pais, somos amigos e parceiros e amizade e parceria são relações entre iguais. Nós nos igualamos aos nossos filhos e o Estado simplesmente está reconhecendo oficialmente isso.

Não cabe questionar a Lei, o Estado. Cabe questionarmos a nós mesmos. Cabe fazer o caminho inverso, cabe voltar atrás, “dar a mão à palmatória”: as gerações passadas cometeram seus erros, mas não estavam tão erradas quanto imaginávamos! Mas para trilhar qualquer caminho, diferente desse que construimos, precisamos nos encontrar, nos reconhecer e valorizar: somos mães e pais.

Valéria Trindade