Passando por cima dos 388 anos de escravidão

Há uma equação a ser enfrentada em nosso país: 509 anos de nação, 388 vividos sob o regime do escravismo e apenas 120 anos de liberdade (ao menos formal) para mais da metade da população. De Cada dez dias de nossa história, sete foram vividos sob o escravismo.

Somado o legado do período do escravismo àquele que se seguiu pós-abolição, marcado pela mais absoluta omissão estatal brasileira em face das desigualdades e das discriminações raciais, contabiliza-se uma trajetória de exclusão social e econômica dos descendentes de africanos. A negação do racismo, uma hiprocrisia que durante décadas orientou o discurso oficial do nosso país, apenas serviu para aprofundar ainda mais as desigualdades e impedir que o país e a "Sociedade" atuassem de forma a enfrentar o problema.

As políticas econômicas que se seguiram pós-escravidão mantiveram negros e negras às margens da sociedade, prevalecendo até hoje a exclusão. A situação dos ex-escravos foi tratada de forma unilateral de maneira geral. Indicadores sociais e econômicos dos mais variados institutos de pesquisa atestam que a população negra é a mais penalizada, seja qual for o plano econômico adotado. "Não há dúvida de que o quadro da desigualdade socioeconômica atual reproduz, em termos ampliados e contemporâneos, a desigualdade característica da sociedade escravocrata."

A junção da pobreza com o racismo resultou em uma sociedade na qual um negro pobre tem menos chances de ascensão social do que um branco pobre. A expressão mais dramática da extensão dessa desigualdade é quando deparamos com a realidade, que de cada dez pobres, seis são negros. Enquanto cerca de 22% dos brancos são considerados pobres, este percentual na população negra é mais do que o dobro 47%. Mais de 64% dos mais pobres e pelo menos 70% dos indigentes são negros, como também a maior parte dos desempregados e subempregados do país também são negros.

O denominado desemprego estrutural (fazendo uma grosseira comparação) existe desde 13 de maio de 1.888, quando cerca de metade da população brasileira à época viu-se privada de quaisquer oportunidades de emprego e de inclusão social, quando poderiam se beneficiar da indústria que acabava de nascer no país.

Há a necessidade de uma intervenção estatal, norteada pelos princípios da transversalidade, da participação e da descentralização, que seja capaz de tornar iguais as oportunidades, impulsionando de modo especial aquele segmento que há cinco séculos trabalha para edificar este país, mas que continua sendo o alvo de toda sorte de mazelas, discriminações, ofensas a direitos e violência pura e simples, material e simbólica.

Põe-se ainda ter como defesa do sistema de cotas, o fato de que a própria Constituição da República dá substância ao princípio da igualdade, como, por exemplo, no caso da reserva de vagas, para os deficientes físicos, a compensação social também em benefício dos negros.

As cotas não seriam contrárias à idéia de mérito individual, pois teria como meta fazer com que ele possa efetivamente existir, além disso, em uma sociedade marcada pelas contradições de classe, gênero e raça, o mérito não passa de um discurso ideológico.

É bom lembrar que quem é a favor das cotas não é contra a melhoria da rede pública de ensino, mas lembremos que isto exige um esforço de médio a longo prazo, ciclo de uma ou duas gerações, no mínimo! Até lá, os negros vão continuar sendo destituídos de cursar uma universidade pública e de qualidade, e vão ter que esperar a "boa vontade" dos governantes de melhorar a rede pública, para verem seus netos, talvez, ingressaremem em uma universidade, ou então que esperem a próxima encarnação.

Clusius
Enviado por Clusius em 26/08/2010
Reeditado em 27/08/2010
Código do texto: T2460392
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