RAZÃO DE SER LEAL

Sinceridade, franqueza e honestidade são características da pessoa que sabe manter-se fiel aos seus compromissos apesar da enorme dificuldade que é, para qualquer indivíduo nos tempos atuais preservar valores e sentimentos que não norteiam a doutrina da sociedade capitalista. Nesta sociedade, os valores estão invertidos, o “faz de conta” permeia as relações humanas e os interesses mesquinhos se sobrepõem aos sentimentos mais nobres, ao passo que, muitas vezes agir com sinceridade e honestidade representa um risco para quem se joga de forma autentica e desmedida, ao convívio com pessoas cujo interesse seja a velha forma capitalista do “levar vantagem em tudo”.

A lógica capitalista promove a ascensão de uma cultura individualista avassaladora, mesquinha em sua essência, centralizadora, mas, ao mesmo tempo cheia de um falso brilho que ofusca sua verdadeira mazela. As luzes do néon, que simbolizam a sociedade de consumo despertam o desejo, a sedução, a volúpia e a corrida desenfreada ao Ter, pois nas entrelinhas está escrito que “ter é poder.”

Na lógica do sistema político dominante Ser não é poder. Pode ser que em muitos casos o sentido do Ser seja usado como marketing para auferir mais vantagens ao sentido do Ter. No jogo político fala-se de ética, moralidade, probidade e transparência; todos os atores políticos que hoje se dizem representantes do povo se afirmam probos, honestos e acima de quaisquer suspeitas, mas o que ocorre na prática? Com honrosas exceções, sejam (ou estejam) eles da esquerda, da direita, da extrema esquerda, da extrema direita, do centro e ate mesmo aqueles que, de conformidade com suas conveniências pessoais flutuam, de um lado para outro faltam com a lealdade e o respeito devido para com a sociedade em geral e particularmente para com os eleitores que delegaram confiança, crédito e esperança através do voto. A conduta política está contaminada, degenerada e viciada neste sistema em que, político de mandato, servidores públicos e o político eleitor, via de regra, agem individualmente, buscam seus próprios interesses, manipulam e arrumam um “jeitinho” de se darem de bem, ao invés de zelarem pelo bem comum que é, fundamentalmente, o jeito certo de todos se darem de bem.

Ser leal, significa preservar e cultivar os valores da amizade, os valores humanos, os princípios fundamentais que devem balizar as relações amorosas, sociais, políticas religiosas e comerciais. Ocorre, que uma sociedade que transforma tudo em mercadoria, onde quase tudo vira um balcão de negócios, torna-se um obstáculo quase intransponível de ser superado colocar-se de peito aberto e jogar limpo numa arena onde a lógica é o jogo sujo, a hipocrisia e a falsidade. Neste caso, o grande desafio é resistir, é manter-se fiel aos valores que fazem do ser humano, superior aos outros animais.

Louvem-se o valor e a magnitude dos verdadeiros representantes do povo que balizam sua conduta política na ética, na moralidade e na lealdade aos ideais que acreditam e defendem. Louvem-se a grandeza dos verdadeiros representantes do povo que pautam sua atuação política na defesa dos direitos dos cidadãos e cidadãs, na defesa dos direitos sociais e na luta por justiça social. Louvem-se o político eleitor, que se reconhece sujeito do processo social, que tem consciência do seu papel e sabe o valor do voto auferido conscientemente. Louvem-se ainda, o religioso e a religiosa que são todos aqueles e aquelas crentes na força do bem e no poder de Deus - ou que primam por uma visão e conduta holistica - que agem honesta e conscientemente, que se tornam educadores políticos à luz da fé. Quem assim procede em sua conduta social, exalta o ser religioso, exalta os valores fundamentais da vida em comunidade, entende de lealdade e amizade, faz sucumbir a fé cega e fundamentalista, pratica a fé consciente e contribui, efetivamente, para a evolução do ser humano, da sociedade e de sua religião.

Mas, meu amigo, minha amiga: o que tem isso a ver com lealdade? Tem tudo a ver. Não estamos sendo leais aos princípios quando compactuamos com a inversão dos valores que é a regra atual do modelo sócio-político e econômico vigente. Quem não é leal nas relações políticas e sociais, também não o é nas relações pessoais, religiosas, amorosas, familiares e comunitárias. Quem não consegue entender a dimensão social e política da vida não vai se comportar com lealdade nas dimensões pessoal e afetiva, religiosa e comunitária.

Lealdade é o fundamento que justifica a verdadeira amizade, a verdadeira afetividade, o verdadeiro amor, pois não é amigo aquele que não sabe ser leal, não há uma relação de confiança se não existir lealdade, não há uma relação de amor se não houver lealdade.

Porque o mundo está pautado na inversão de valores, a cultura de morte justifica as guerras entre as nações, as guerras urbanas não declaradas que acontecem nas ruas, as guerras intrafamiliares e a superficialidade nas relações pessoais. A falta de lealdade está intrinsecamente ligada à cultura de morte, pois quando não se tem a dimensão da lealdade abortam-se, matam-se, violentam-se a dimensão do amor e da amizade, da partilha e da solidariedade, da conduta ética e da cultura de paz.

Ser leal é compactuar com o bem, é promover a paz, é relacionar-se amorosa e sinceramente. Ser leal é dizer o que sente, sem fingimento e falsidade, é agir transparentemente no público e no privado, é saber que em todas as relações, a amizade é o maior tesouro. A razão de ser leal é acima de tudo ser gente, ser pessoa honesta consigo mesma, capaz de mergulhar profundamente no conhecimento de si e ir ao encontro do outro com interesses verdadeiros, amorosos, sabendo que o encontro relacional entre duas ou mais pessoas deve se fundamentar na busca de promover a vida, a paz, a harmonia pessoal e social.

A razão de ser leal deve ser a razão de todo encontro, de toda busca, de todo zelo pela palavra e pela ação: “seja o vosso sim, sim! seja o vosso não, não!”. O que passa disso não é lealdade.