MELHOR IDADE O CACETE

Se você é gordo, negro, portador do vírus HIV, homossexual, mulher, pobre ou desempregado talvez entenda melhor o assunto que trataremos neste texto. Se você “carrega o fardo” de associar duas ou mais características acima descritas, aí então gente boa, você poderá entender ainda com maior facilidade o assunto que abordaremos nesta despretensiosa, porém significativa reflexão. Com certeza você já é ou está ficando mestre(a) no assunto quando o tema é preconceito, hipocrisia, segregação, intolerância ou exclusão social.

Quero fechar meu foco de análise sobre a questão social do envelhecimento e toda a carga negativa que nossa sociedade impõe a esta fase da nossa vida, pela qual, infelizmente nem todos passarão. Digo infelizmente não porque este período da nossa existência represente a “idade de ouro” ou a “melhor idade” como de forma hipócrita e capitalista os meios de comunicação e as agências de turismo “classificam” estas pessoas. Estas organizações assim o fazem por pura e simples intenção de, ao ganhar-lhes a simpatia através de ações aparentemente afirmativas, vir a tê-los como clientes fazendo com que eles gastem os reais da sua aposentadoria com quem aparentemente os “valoriza” em detrimento de uma sociedade perversa que os marginaliza.

Digo infelizmente por se tratar de uma fase da nossa vida que todos nós deveríamos passar pela experiência de conhecer. Como as outras faixas etárias pelas quais nós passamos, ela traz em si suas virtudes e percalços peculiares. É interessante lembramos de Caetano quando, em uma das suas canções diz que “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é...”. Podemos refletir que esta afirmação pode muito bem ser aplicada à infância, adolescência, a fase adulta e como não poderia deixar de ser à velhice.

O termo eufemismo, segundo o Aurélio significa: “Ato de suavizar a expressão de uma idéia substituindo a palavra ou expressão própria, por outra mais agradável, mais polida”. Então para não se dizer o termo cego, diz-se “ceguinho”, ou para não dizer negro, diz-se “moreno” como se falar os termos cego ou negro ofendesse aos portadores dos referidos “defeitos”. Na verdade as pessoas ao agirem desta forma demonstram carregar consigo o preconceito contra o negro, contra o cego ou demais grupos sociais discriminados, por acharem que ser negro ou cego é algo tão negativo que é preciso usar os termos acima citados para “suavizar” o “peso” que o termo adequado teria; no nosso caso específico, velho ou idoso.

Quer dizer; este peso na verdade está na cabeça de quem procede assim, em forma de preconceito. No Brasil, envelhecer é um deslize severamente punido pela sociedade. Por isso as pessoas têm medo de envelhecer, medo da solidão, do abandono, da incapacidade e do preconceito que elas próprias alimentaram durante toda uma vida e que com o passar do tempo, inexoravelmente, percebem estar se voltando gradativamente contra si.

No caso particular da velhice, o fato de usarem-se tais expressões preconceituosas não contribui de forma alguma para que a auto-estima, a dignidade e o respeito para com estas pessoas sejam efetivamente elevados. Esse preconceito no caso do nosso objeto de análise está presente nas representações sociais do estar velho, do ser incapaz e imprestável para a sociedade produtiva.

Reflitamos sobre algumas situações da dita “melhor idade” ou “idade de ouro” em nossa sociedade:

- Os nossos velhos diferentemente de algumas sociedades orientais ou africanas, são relegados à condição de estorvo, peso morto;

- Bem antes de atingir os 50 anos o mercado de trabalho já não mais absorve mão de obra. Em termos de produtividade representam uma parcela descartável na nossa sociedade;

- Em muitos casos, os filhos estão com suas famílias e afazeres ou o companheiro ou companheira de uma vida já faleceu, e então a vem solidão acompanhada da amargura servir de companhia diária;

- É a faixa etária mais propensa a adquirir ou desenvolver doenças. Se durante o decorrer da vida não as teve, esta é a hora. Se já as carrega consigo, sua ação deve ser intensificada. Esta verdade é facilmente comprovada ao avaliarmos os valores dos planos de saúde para esta faixa etária em relação às demais;

- A dependência em relação a familiares ou pior, a pessoas desconhecidas para fazer coisas que sempre foram feitas sem necessidade de auxílio como banho, higiene íntima, alimentação, e

- A proibição de executar tarefas rotineiras que efetivamente ficam prejudicadas pela diminuição de respostas motoras como o ato de dirigir automóveis ou manipular máquinas.

Acho que se perguntarmos a estas pessoas qual a fase de suas vidas que desejariam viver duas vezes, poucas diriam ser a velhice. Pelo menos os “nossos velhos” que representam o mito do peso social, da idiotice e da incapacidade. O uso destes eufemismos não irá repor as inúmeras perdas impostas pela sociedade a estes cidadãos e cidadãs que já deram muito de si para a sociedade e mais ainda dariam se lhes permitissem.

Por favor, não subestimem a inteligência das pessoas. É óbvio que elas percebem nestes termos que supostamente “aliviam” a carga do termo velho, velhice ou idoso um artifício hipócrita para mascarar a realidade que para eles já é muito sofrida. Dignidade e respeito são direitos inalienáveis do ser humano tenha ele a idade, cor, peso, doença, sexo, orientação sexual ou condição sócio-econômica que tiver. Não dificultar a vida destas pessoas é o mínimo que se pode fazer para que se tenha a certeza de estar contribuindo para uma sociedade mais justa e igual.

É por isso que ao final desta reflexão volto a afirmar: MELHOR IDADE O CACETE! Eu pretendo ficar velho, lúcido, lúdico e independente, (se um Alzheimer da vida não me pegar) para que eu possa desfrutar dos últimos anos de minha vida com a dignidade a vitalidade e o prazer que me for possível dentro das limitações que o peso dos anos certamente me imporá.