Vivendo em sociedade.

Ah! quão difícil é as vezes, o viver em sociedade, eu aprendi isso da forma mais ferida e brutal para uma garotinha de dez para os onze anos de idade, a infância deveria ser um período feliz, mas, nem sempre é assim, vim de um lar que passava por muitas dificuldades, meu pai gostava de jogatina e com o jogo vinha acompanhado o vício da bebida, ele gostava de jogar bilhar e ficar até tarde nos bares da periferia jogando sua vida no lixo, minha pobre mãe se matava na máquina de costura o dia todo, tentando suprir a falta do dinheiro que meu pai insistia em jogar fora, ele trabalhava, porém era só para esses prazeres dele, então é como se fosse de fato um verdadeiro vagabundo, posto que deixava a família passar privações, éramos quatro filhos, o mais velho chama-se Luiz, eu a segunda e única mulher da família, depois vinha meio irmão do meio, o Júnior e por fim o caçula de todos, seu nome, José, éramos ao todo seis, mas, voltando ao dia que fui ferida, que passei a não mais confiar nas pessoas, a olhar em torno como se novamente alguém mais pudesse me fazer infeliz, foi na escola, como eu disse, passávamos bastante privações e naquela época, os pais tinham que comprar todo o material escolar e também o uniforme de seus filhos para eles frequentarem o curso primário, eu tinha uma saia azul marinho que de tanto lavar estava mais que desbotada, uma camiseta branca e um chinelo nos pés e quanto ao material escolar, tinha que ficar na porta da sala em que meu irmão mais velho estudava, para pegar com ele, os lápis, caneta, régua, borracha e até caderno as vezes quando eles acabavam, dividíamos até as folhas dos cadernos, tal era a necessidade a que estávamos expostos, mas, ainda assim, com todas as dificuldades a gente tentava ser uma família feliz e unida, embora vendo os sacrifícios e dificuldades que mamãe passava para pagar aluguel e por alimento na boca de quatro filhos, algumas vezes ela não conseguia e ía a gente morar nos porões da casa dos irmãos de mamãe, geralmente nestas ocasiões meu pai havia sido mandado embora do serviço e passava o dia todo bebendo e ainda sendo violento em casa, minha mãe tinha então que recorrer aos meus tios, que a ajudavam, mas, não queriam ver meu pai por perto, assim caminhava a vida, até que um belo dia, uma manhã ao chegar no páteo do grupo escolar, após já ter pegado os lápis, caneta com meu irmão, fui direto para a formação da fila, para entrar em sala de aula, foi quando uma colega me puxou e arrastou-me, arrancando das minhas mãos a velha mochila na qual carregava meu material escolar e depois atirou-a novamente sobre mim, eu nada entendi, fiquei sem saber o porque ela agira daquela forma, o sino tocou e assim entramos na sala de aula, foi quando a professora anunciou que era para todos nós deixarmos o material sobre a mesa e ficar ao lado, porque ela ia fazer uma revista e que se alguém tivesse pego a caneta dela, ia direto pra diretoria, ví então a mesma menina auxiliando a professora no trabalho da revista, até que chegaram na minha carteira, a mesma menina pegou minha mochila e levantou pra todos verem, gritando que eu tinha roubado a caneta da professora, fiquei estática, em estado de choque, olhei para a professora e disse-lhe: - Não professora, não fiz nada, não foi eu, não peguei nada de ninguém, por favor professora acredita em mim, alguém deve ter colocado essa caneta aí, mas não foi eu, por favor professora não me leva pra diretoria, eu não fiz nada, eu não fiz nada, eu não fiz nada, mas, ela tomou-me pelos braços e arrastou-me até a sala da diretoria, nesta altura eu já ia chorando e dizendo que não havia feito nada de errado, que não havia pegado a caneta da professora, mas não adiantava falar nada, lembro que foi o dia mais triste da minha vida, aquele dia, senti de forma tão forte e latente o quanto minha vida e a vida dos meus irmãos e da mamãe era infeliz!...Quantas humilhações meu Deus a gente tem que passar nesta vida, e a percepção da maldade alheia, da injustiça e da humilhação bateram tão forte e tão cruel em minha vida, a mentira, a torpe mentira que é o próprio malígno agindo em corações de pedra, em corações saturados de maldade e de engano, bateu em mim, em meus onze anos de forma cruel, aquele foi o pior dia da minha vida escolar, jamais esqueci esse dia, esse episódio marcou como se fosse ferro de marcar animais, e foi assim que me senti o resto do ano, ainda faltava alguns meses para o ano findar, era o quarto ano primário, no final daquele ano letivo eu teria tirado o diploma do primário, e não é pra me gabar, eu era boa aluna, gostava de estudar e minhas notas eram boas, eu fazia sempre o melhor de mim, pra não aborrecer minha mãe, que já tinha uma vida bastante triste e preocupada com o que pôr na mesa pra nossa alimentação, minha mãe era uma mulher triste, quase nunca sorria, as vezes acho que ela nunca sorriu mesmo, e assim, eu evitava levar para ela mais aborrecimentos, e de tanto eu repetir pra diretora que não havia feito nada, que alguém podia ter feito uma maldade comigo e que aquela menina havia tomado minha mochila no páteo, momentos antes da gente entrar na sala de aula, então a senhora diretora decidiu encerrar o assunto por alí mesmo e não pediu pra minha mãe ir até o colégio, apenas fiquei de castigo na sala da diretoria até o final das aulas, o que já foi injusto demais, não havia feito nada e estava alí sofrendo uma pena por algo que não cometi, aquele foi o pior ano da minha vida, quando cheguei em casa minha mãe nem percebeu meus olhos vermelhos de tanto chorar, ela não tinha tempo nem mesmo para olhar pra gente, assim, resolvi ficar quieta e nada falei daquele dia horrível que havia passado, pra quê? Ela não ia poder fazer nada mesmo, e afinal o pior já tinha acontecido, achei melhor poupar ela e tentar esquecer este fato, nos dias seguintes, foi um clima horrível, as colegas olhavam-me como se eu tivesse feito algum crime mesmo, acho que apenas uma menina ainda falava comigo, mas, toquei a vida pra frente, tive uma vontade danada de pegar aquela garota de nome Dalva, o nome dela era Dalva, tive vontade de dar nela, depois desse fato jamais gostei desse nome Dalva, pra mim era um nome intragável, pesado demais, tentava nos dias seguintes esforçar-me ao máximo para tirar boas notas, para dar orgulho à minha professora, naquela época eles davam medalhas de honra, com fita verde e amarela pra todos alunos que tirassem nota 100, como era o último ano eu queria muito ganhar da professora uma medalha com a fitinha verde e amarela, achava que assim minha professora teria orgulho de mim e não mais achasse que eu havia feito aquilo, minha meta foi estudar muito para tirar o diploma com a nota 100, de fato eu tirei o diploma com a nota 100 ganhei a medalha com fita verde-amarela e foi minha professora quem colocou no meu peito a medalha com a fitinha verde-amarela, jamais vou esquecer o olhar dela, dona Hilda era o seu nome, ela olhou-me longamente e deu um sorriso que só as avós sabem dar!...Enfim, é isso aí, a gente vai crescendo e vai aprendendo que nem todo mundo é bom, que tem gente cheia de maldade e feiúra interior, esse fato me fez ver que algo havia se quebrado, que a inocência a candura com a qual eu acreditava nas pessoas havia sido quebrada e assim, arrastaria para o resto da existência uma distância, um bloqueio, o qual eu sempre teria que fazer o melhor em tudo que eu fizesse e desconfiar sempre de tudo e todos à volta e tomar cuidado com tudo e com todos e outra coisa danosa, foi que jamais eu quis chegar antes da hora em qualquer lugar!... Passei a vida levando broncas por chegar atrasada em compromissos, nos serviços vida a fora, mas, parecia mesmo um bloqueio que eu não conseguia quebrar, estar em um local antes da hora me parecia ver novamente aquela menina malvada tomando minha mochila e plantando nela o fruto da sua maldade, e assim todas as pessoas passaram a representar de certa forma um perigo para mim, elas podiam ferir-me de algum modo e assim eu peguei birra de horários, de relógio, de pontualidade, chegar adiantando em algum local parecia ir de encontro com algum monstro gigante o qual não poderia vencer nunca! Por mais que eu me esforçasse sempre acabava chegando atrasada o que também sempre foi muito constrangedor para mim, sei lá, acabou sendo uma marca registrada em minha vida!