O caso Realengo-RJ reflete o lixo da sociedade de luxo

O caso Realengo-RJ reflete o lixo da sociedade do luxo

Por: Manoel Messias Pereira

Na sociedade brasileira contemporânea, dinamizada pelo consumo, em que o ter é posto sempre em evidência em detrimento do ser, quase sempre é necessário que ocorra uma tragédia para que as pessoas, movidas pelo sentimento da perda, sempre pelo sentimento da perda, se emocionem e se juntem a refletir sobre como o homem pode chegar a praticar determinados atos, como por exemplo, um sujeito planejar, friamente, adentrar uma escola e assassinar crianças inofensivas e indefesas, pelo simples prazer de matar.

É claro que diante de situações como essa os especialistas tem uma infinidade de explicações científicas para as suas causas, tais como, reação violenta ao bullyng nas escolas, esquizofrenia, influência negativa da internet sobre determinados indivíduos, fragilidade dos sistemas de segurança das escolas, e por aí vai. É a intelectualidade e a teoria aplicadas na compreensão dos fatos, mas a realidade é um pouco mais cruel, e que o diga os meninos e as meninas que conseguiram escapar da insanidade do assassino de Realengo!

A mídia, por sua vez, encontra nas tragédias farto alimento, por longos dias, de modo que cada veículo televisivo, jornalístico, radiofônico, etc., possa garantir o aumento da audiência e vender ao público o seu produto, a notícia.

Diante de casos como o da Escola Municipal Tarso da Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro, as pessoas se mobilizam, emitem opiniões, se solidarizam com aquelas que sofrem, são caridosas, mas passado o drástico momento resta aos atingidos sobreviventes e suas famílias o trauma e, a nós outros, lamentavelmente, resta o esquecimento, ou seja, não somos sensíveis a ponto de refletir que esses loucos assassinos são simplesmente o fruto de uma sociedade em que determinados princípios e valores estão sendo atirados, a todo instante, de forma desprezível, na lixeira.

Qual tem sido mesmo a relevância da família para nós? O que tem significado mesmo o respeito para essa nossa sociedade pervertida? O quanto temos atentado para a importância da honestidade nos dias de hoje? O combate à violência tem sido uma temática recorrente em nossas rodadas de conversa, nos bares, nas esquinas, em casa? A desigualdade social tem sido fonte de preocupação entre nós? Qual tem sido mesmo a nossa prática diária, individual, de cidadania por onde passamos? O respeito às diferenças e, sobretudo, a necessidade de irmandade entre esses seres “racionais” que somos tem sido uma prática recorrente?

Em nome da evolução, em nome do progresso, em nome da pós-modernidade, em nome das transformações rápidas e intermináveis, em nome do ter, sempre, muitas vezes perdemos a referência daquilo que realmente nos configuraria como gente, como pessoas, como humanos, como seres e, pasmem, nos entregamos à promiscuidade, a luxuria, ao egoísmo e a outras coisas assim. Podemos ilustrar esta reflexão lembrando que a mídia nos vende como exemplo de pessoa vencedora, de mérito, de pessoa razoável, de pessoa exemplar, o participante de um Reality Show, como o famoso Big Brother, em que se faz apologia a determinadas condutas como a traição, a truculência, a sensualidade pela sensualidade e outras e outras, donde o participante sai como habilitado a receber diversas propostas de emprego, ao passo que um sujeito que passa quatro, cinco, seis anos numa faculdade ao sair de lá é olhado pela sociedade como simplesmente mais um, que será obrigado a provar que sabe alguma coisa. Essa é a sociedade brasileira contemporânea!

O atirador de realengo, Wellington Menezes, não foi o primeiro no Brasil. Terá sido ele o último? Oxalá o seja. No entanto, no nevoeiro de violência, perversão e volubilidade em que vivemos no Brasil: o consumo de drogas crescendo de forma galopante; a exploração sexual infantil tornando-se uma coisa cada vez mais comum; um Estado ineficiente e carcomido pela corrupção indiscriminada; um sistema judiciário que semeia entre nós muito mais desconfiança e medo do que credibilidade e resultado; um sistema de direito volúvel e abstrato demais aos olhos do cidadão comum, para que se possa dar crédito; a internet sendo permanentemente utilizada como um instrumento de promiscuidade e criminalidade; a cultura da relatividade e do “tudo pode”, rompendo fronteiras e adentrando todos os nossos lares todos os dias; e pior, no corre-corre da modernidade e do consumismo, instituições sociais de peso como a família e a escola, se tornando cada vez mais indiferentes a tudo isso, deixando cada vez mais de formar indivíduos para o bem, investindo quase que tão somente na produção do conhecimento (ainda assim de forma ineficaz) e destinando pouquíssimos esforços à elevação do homem, do cidadão, do ser; não seria exagero pensar na possibilidade da existência de muitos desses malucos em potencial, que podem agir a qualquer momento, sabe-se lá onde, de que maneira e contra quem.

Segmentos sociais como família, a escola e a religião precisam, podem e devem atuar mais firmemente, de forma mais ampla, sistemática e articulada, no sentido de que as pessoas possam criar um espírito coletivo de cidadania, de respeito ao próximo, de valorização do outro, de convivência com o diferente, de negação à violência, de resgate dos princípios e valores que nos elevam como seres, sendo que uma frente de trabalho dessa natureza precisa sair do discurso à prática, a caminho de uma transformação social qualitativa e, quiçá,da criação de uma mentalidade comum para a humanização das pessoas, na perspectiva de uma sociedade melhor que possa, consequentemente, produzir seres melhores do que somos hoje.

Manoel Messias Pereira, Professor, licenciado

em História e bacharelando em Direito.