A força da solidariedade transforma!

A força da solidariedade transforma!

“...Não se cansem de fazer o bem” (2 Tessalonicenses 3,13)

Frei Zilmar Augusto M. de Oliveira, OFM

1. Estamos vivendo um tempo de grandes devastações e tragédias. As pessoas choram, gritam... desanimam-se ao ver seus pertences- casas, eletrodomésticos, utensílios... – sendo levados pelas forças das águas. Ao depararem com essa triste realidade as pessoas fraquejam; não mais querem viver; entregam-se á desolação; ficam desesperadas; começam a usar das palavras do profeta Elias: “Agora basta, Senhor. Toma a minha vida”... (1Reis 19,4). Já perderam tudo e, com a vida também não querem ficar... Não querem estar vivos para chorarem as perdas; não querem estar vivos para presenciarem as ruínas causadas pelas chuvas.

2. As águas passaram e continuam a passar invadindo nossas moradas, roubando-nos o que, com muito custo, construímos. As fortes correntezas carregam consigo nossas forças... Somos tentados a deixar que ele também nos leva em sua fúria. Desanimamos. Ficamos desolados e angustiados. Porém, esse momento é de graça e refúgio. Pois, ao mesmo tempo em que vivemos nossa falta de força, temos a oportunidade de experimentar da força de Deus. Podemos nos revigorar, e dizer como o apóstolo Paulo: “...Quando estou fraco, então é que sou forte” ( 2Cor 11,10). Tudo passa. Ficamos sem nada... Mas, a única coisa que as correntezas não podem nos roubar é a nossa firme confiança esperançosa que depositamos em Deus. Esperança em reconstruir tudo novamente; esperança de consertarmos nossas estabilidades; esperanças de ver raiar o sol a iluminar os novos caminhos pelos quais devemos trilhar, edificando e vivendo o novo.

3. Ao depararmo-nos com o desespero dos que foram surpreendidos pelas águas, ficamos sem saber o que dizer e o que fazer. É um sentimento que brota de dentro e que nos impulsiona para manifestarmos a solidariedade, que se expressa pelo serviço caridoso. É nesse momento que descobrimos muitos homens e mulheres solidários, preocupados em ajudar, em fazer o bem. Do fundo dos corações humanos, ao se depararem com isso, a solidariedade floresce, espalhando no ar, o gostinho dos valores do Reino. Não há cena mais comovente que ver os homens se ajudando, cooperando uns com os outros; partilhando do que possuem; doando-se ao máximo para ao menos ajudar e amparar. E, para os que estão nas profundezas do sofrimento, um gesto simples de solidariedade podem trazê-los de volta a superfície e fazê-los compreender a situação momentânea na qual se encontram.

4. A solidariedade traz consigo gestos concretos e visíveis da manifestação da generosidade, partilha, serviço e doação. Enquanto muitas pessoas ainda estão desabrigadas, sem casa, sem comida, ou, até mesmo, soterrados, surgem então os agentes da caridade: vizinhos e vizinhas, parentes, familiares, amigos e, até mesmo desconhecidos, prontos a partilharem do que possuem. Nesse contexto, tudo entra em cena. O barco que antes era utilizado para passeios e transportes marítimos, agora é fonte de livramento e resgate pelas ruas alagadas; as enchadas e pás que, antes eram usadas nas lavouras e carpintarias, agora, é instrumento de resgate e auxílio nas limpezas; os vizinhos e voluntários ajudam no transporte das mobílias; de vários lugares, a generosidade da partilha transborda caminhões; as igrejas, escolas e ginásios tornam-se abrigos temporários. Tudo se transforma para acolher aos pequeninos. Vale aqui, recordarmos as palavras do Apóstolo Paulo: “Estou cheio de consolo, transbordante de alegria em toda a nossa tribulação” ( 2Cor 7,4). Com certeza, esses voluntários do Reino trabalham repletos de consolo para oferecer, transbordando muita alegria mesmo que deparando-se com o triste acontecimento. Esses acontecimentos, por mais tristes que sejam, nos fazem perceber a preocupação das pessoas para com os atingidos. É triste dizer isso, mas, por vezes, só por meio de tragédias é que podemos provar da caridade dos que nos cercam. Oxalá que esses gestos simples tomem conta dos corações humanos.

5. Por muitas vezes, diante de várias situações, dizemos que as pessoas que formam a sociedade na qual vivemos são um tanto egoístas e individualistas. Mas, basta ocorrerem grandes tragédias que envolvam o ser humano (enchentes, desmoronamentos, soterramentos, violência) que revertemos nosso pensamento. Ao visualizarmos pessoas sofrendo com esses fenômenos naturais, ficamos abalados. O sofrimento e a dor de outrem mexe na ferida dos corações humanos. É um sentimento empático que se alastra no nosso interior. Queremos fazer algo que reverta tal situação! Queremos sair de nossas casas e ajudar! Enfim, queremos fazer de tudo o que podemos, gastando nossas forças, interessados em ajudar. E, “quando existe boa vontade, somo bem aceitos com os recursos que temos; pouco importa o que não temos” (2Cor 8,12). Por mais que não tenhamos grandes recursos de resgate e auxílio, ou, algo semelhante, seremos bem acolhidos de qualquer forma. Pois, tudo o que é oferecido de coração e com simplicidade tem maior valor. E, as pessoas se alegram por serem salvas pela generosidade de muitos.

6. Como seguidores do Cristo solidário, cabe-nos a alegria pelo dom da partilha. Ficamos felizes, ao vermos irmãos repartindo o que têm. Trasbordamos todo louvor, “porque Deus ama a quem dá com alegria” (2Cor 9, 7). Santo Agostinho, profundo conhecedor do coração humano nos diz: “Quem tem caridade em su coração, sempre tem algo para oferecer aos outros”. E, é justamente nesse momento de tempestade, quando pensamos que tudo está perdido, que não acreditamos mais em nada, que, para nos surpreender e fortalecer, nos aparecem os irmãos partilhando de sua generosidade: fruto do amor. A caridade é fonte de todas as ações. Confundimos, quando pensamos que ser caridoso e sentir pena... Na verdade, é ser generoso e deixar-se tocar pelas necessidades dos outros. Ter caridade no coração é demonstrar que não se pode amar por meio de palavras bonitas e belos discursos, “mas com obras e de verdade” (1Jo 3,18). Com isso, percebemos que, mesmo envolvidos por uma massa gananciosa, ainda existem homens e mulheres solidárias. Nem tudo está perdido! Ainda podemos acreditar na força vivificadora da partilha experimentada pelos atingidos. Existe mais alegria em dar do que em receber. O gesto da partilha nutre nos atingidos um sentimento de gratidão: “Eles agradecerão a Deus a generosidade com que vocês repartem os bens com eles e com todos” (2Cor 9,13).

7. A solidariedade nos mobiliza. Fomos de casa em casa. Juntamos nossas famílias, parente e amigos, e, vamos ajudar... Colocamo-nos a pedir alimentos, roupas, cobertas... Formamos uma fraterna corrente humana de solidariedade. Contagiamos as pessoas com nossa vontade de fazer o bem. Usamos de tudo o que temos para pormos a disposição dor necessitados. Fortemente abrasados pelo espírito de ajuda, mergulhamos de corpo e alma no Evangelho da concreticidade. Lançamo-nos por inteiro nessa proposta. Fazemos valer as palavras do Papa Bento XVI: “O verdadeiro Cristão é aquele que mergulha nas águas profundas do Evangelho e depois emerge para ir ao encontro dos irmãos”. Tendo mergulhado profundamente nas Palavras de Jesus, entendemos quais atitudes Ele teria frente a essa realidade. A partir desse momento, podemos, então, partir ao encontro dos que necessitam de nosso auxílio. Fazemos como Maria de Nazaré, mulher simples, que, tendo acolhido a mensagem de Deus pôs-se a caminho para servir sua prima Isabel, que, já de idade avançada carregava em seu ventre uma criança. Colocamo-nos a caminho do serviço solidário. Damos vida as Palavras do Mestre. Ir ao encontro dos irmãos é compreender a mensagem de Cristo; é compreender a lógica do Evangelho. Pois, promover a solidariedade é mostrar concretamente os valores do Reino de Deus.

8. As chuvas caem, inundam a tantos lugares e começamos a viver momentos passageiros de desespero. Assistimos a águas levarem fácil e rapidamente o que construímos com dificuldade e paulatinamente. Tomam-nos a mente várias interrogações: como vou reconstruir tudo novamente? Para onde vou? O que eu fiz meu Deus? E, para nos consolar e mostrar que também caminha conosco nas perseguições, Jesus, com as mesmas palavras que dirigiu a seus discípulos no meio da tempestade, também nos conforta: “Coragem! Não tenham medo!” (Mt 14, 27). Assistimos tudo acontecer sabendo que não podemos fazer nada. Mas, em meio a estas cenas, somo nutridos por um sentimento de esperança. Sabemos que para ressuscitar, precisamos, antes, morrer; para sermos elevados a superfície, precisamos, antes, nos afogarmos. É fácil falarmos isso em meio a tantas dores e enquanto não somo atingidos. Mas, um dia poderemos também ser surpreendidos. As enxurradas podem ser causa de queda, de dor, desânimo. Porém, é também causa grande de superação e coragem. É oportunidade de levantarmos com mais forças, revigorados. Pode servir de seta a apontar novos horizontes. É se lançando por inteiro nas águas que aprendemos a nadar. De tudo isso, por mais que fiquemos tristes, aprendemos a perceber e lidar com as surpresas da vida e também como contorná-la com sabedoria.

9. Diante desse acontecimento, aspecto muito importante que podemos perceber é que não são só os pobres que são atingidos, mas, também, os ricos, possuidores e administradores de grandes bens. Nesse tempo, os proprietários (ricos), que muitas vezes são egoístas e concentradores de bens, acabam por recorrer aos menos possuidores de riquezas. Passando pela crise das enchentes, esses irmãos ricos, mesmo tendo perdido pouco, em comparação ao que têm, querem ainda, e, fazem questão, de recuperar ao extremo o que perderam; ao contrário dos pobres que, se desfizeram rapidamente do que se estragou. Importa, aqui, destacarmos os laços de voluntariedade que se formam entre esses dois lados da sociedade. Os ricos podem descobrir que o dinheiro não os poupa das enchentes, doenças... Sofrem da mesma maneira. Talvez, seja uma oportunidade de conversão; momento caro para desfazer-se do muito que possuem ou repartir com os que não têm, ou, ainda, provar da solidariedade e abraço dos pobres.

10. É oportuno, ainda, destacarmos as falas ou pensamentos dos mais antigos que presenciaram enchentes passadas: “Depois de uma enchente, vem outra para lavar”. Recordar essas palavras é oportunizar o desânimo e a desesperança nos atingidos. É, sem dúvidas, um olhar pessimista e negativo sob a realidade que deve ser momentânea. Não podemos ficar com tudo sujo e quebrado, esperando que a próxima correnteza venha para limpar e consertar os estragos. Não fixemo-nos sob este pensamento.

11. A enchente passou. Foi um momento ruim? Não podemos negar. Causou dores, desespero e desolação? Com certeza, muitos desesperados, sem moradias... Perderam tudo. Porém, podemos dizer que esse momento de sucessos funestos, é também um momento de grandes graças. Graças? Sim. Pois, por meio de tantos acontecimentos tristes, temos a oportunidade de provar da preocupação dos irmãos. Somos todos agraciados pela bênção da solidariedade. Uma bênção mútua e repleta. E, mesmo sofrendo, tendo perdido tudo ou quase tudo, nos alegramos e ficamos confortados por saber que podemos contar com braços, mãos e corações amigos; não perdemos a sensibilidade para perceber o que é bom: o espírito solidário oferecido. Isso é maravilhoso! Aceitar esse momento como um período de graça é estar aberto à compreensão dos verdadeiros valores da vida. Valores simples, sem grandes espalhafatos, mas, essenciais para devolver ou reconduzir a vida. Talvez, só provando da amarguês é que se pode perceber a docilidade do mel. Vamos conservar em nossos corações o firme propósito de continuar seguindo avante, seja no mesmo local ou em áreas novas. Não vamos ficar acomodados, sedentários, esperando que as chuvas passem mais uma vez e nos concedam o que perdemos. Trabalhemos empenhados para conquistarmos o que perdemos. Só com muito serviço, prova da solidariedade, vamos reconstruir tudo novamente. Se pala chuva perdemos tudo, pela solidariedade ganhamos tudo e muito mais, pense nisso.

Frei Zilmar Augusto OFM
Enviado por Frei Zilmar Augusto OFM em 05/10/2011
Reeditado em 01/09/2015
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