Eis o Tempo de Conversão!

Zilmar Augusto M. de Oliveira

Estamos vivendo em nossa Igreja mais um Tempo da Quaresma, tempo forte para convertermos nossos corações direta e unicamente para Deus e, partilhar com seu Filho Único essa grande dor de sofrer os pecados da humanidade inteira, remindo-a.

Inauguramos esse doloroso e piedoso tempo com a celebração da Quarta-Feira de Cinzas, no Calendário Litúrgico situada na primeira quarta-feira após o carnaval; este ano celebrada no dia vinte e dois de fevereiro. Esta celebração é de caráter imperativo: “Convertei-vos e crede no Evangelho!” ( Mc 1, 15). Essas são as primeiras palavras de Jesus. Vamos por várias vezes escutar esse Evangelho durante a quaresma.

Neste período não há mais tempo para cruzar os braços e esperar. O Reino de Deus já está próximo, ou melhor, já se concretizou por meio de Jesus Cristo. “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: ‘Está aqui’, ou: ‘Esta ali’, pois o Reino de Deus está no meio de vós” (Lc 17, 21). Esse Reino é dinâmico e participativo. É um Reino de amor; Reino de irmãos,; Reino que deve acontecer e ser aceito imediatamente.

Para acolhermos o Reino de Deus precisamos, antes, abandonar o nosso velho homem e revestimo-nos do homem novo. Não mais podemos, após ouvir as palavras de Jesus, continuar com a mediocridade, superficialidade, egoísmo, “ira, raiva, maledicência, e não deixar que saiam de nossa boca palavras mortíferas” (Cl 3,8) que nos repelem da proposta do Reino.

Para celebrar este tempo, é preciso mudança radical de vida. O que antes ouvíamos pela boca de João Batista, agora ouvimos pela boca do próprio Jesus Cristo. Se antes as pessoas não compreendiam o que lhes falara o Precursor, agora precisam, mais que tudo, ouvir e compreender as falas do Mestre.

Uma marca dessa celebração, além da escuta da Palavra de Deus e da Mesa da Eucaristia que é o ápice de todo o rito, é a imposição das cinzas sobre a fronte dos fiéis. O sacerdote abençoa as cinzas dos galhos do Domingo de Ramos da paixão do Senhor do ano anterior. Em seguida, o ministro administra o pó sobre a fronte do fiel pronunciando as palavras do Evangelho: “Convertei-vos e crede no Evangelho!” o fiel disposto a assumir o mandato do Mestre, consente dizendo: “Amém!”

A celebração das cinzas é a marca do início da Quaresma em nossa Igreja. Do Mistério da Encarnação, celebrado no tempo natalino, adentramos os Mistérios da Paixão, Morte e Ressurreição. Com a Igreja Universal caminhamos solidários com o Cristo do ontem, hoje e sempre; com o Cristo princípio e fim.

Para bem vivermos a Quaresma, o Apóstolo Paulo, inspirado nos ensinamentos do Senhor, nos convida: “Vistam-se de sentimentos de compaixão, bondade, humildade, mansidão, paciência” (Cl 3,12). Basta que façamos isso! Se assim agirmos, verdadeira e comprometidamente, estaremos fazendo valer as cinzas que recebemos na fronte.

Rezando a quaresma de nossas vidas

“Meu Jesus, por vossos passos recebei em vossos braços, a mim, pobre pecador” (popular brasileiro).

Diz-nos Frei Almir Ribeiro Guimarães: “A oração é o clamor do desesperado.” É justamente neste tempo, que queremos parar para rezar de modo mais intenso os sofrimentos e os desesperos de nossas vidas, não sozinhos, solitários, mas com o próprio Cristo que caminha conosco até o Pai.

Neste tempo de recolhimento, nós, cristãos batizados, paramos para meditar, rezar e viver em nossas vidas, de modo mais intenso, os mistérios da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Recordamos os sofrimentos de Cristo através das orações que a Mãe Igreja e nossas comunidades locais nos propõem: vias-sacras, procissões, serviços solidários, caminhadas penitenciais, confissões... .

Nas vias-sacras que fazemos ao longo desse período, caminhamos lado a lado do Cristo que, agarrado no madeiro da cruz, cumpre a vontade e o projeto de seu Pai por amor da humanidade. Nas procissões, caminhamos sem paradeiro, sem destino final; sinal do povo que confia em Deus e, mesmo sem saber onde vai chegar e o que vai encontrar pelo caminho, caminha com os pensamentos em Deus: “Ó Deus, tu és o meu Deus, eu te procuro. Minha alma tem sede de ti, minha carne te deseja com ardor, como terra seca, esgotada, sem água” (Sl 42, 2s). Nas celebrações penitenciais, reconhecemos toda nossa pequenez, culpa, fragilidades e rezamos por meio de Jesus a Deus, pedindo sua Misericórdia: “ Lavai-me inteiro da minha iniquidade e purificai-me do meu pecado! Pois reconheço minhas transgressões” (Sl 51, 4s). Nos serviços solidários, revestimo-nos dos sentimentos de compaixão do Cristo solidário pelas pessoas humanas e com as pessoas humanas; solidarizamo-nos com os irmãos que sofrem desespero, solidão, fome, misérias e, até mesmo, nos alegramos com os que estão na alegria, fazendo jus às palavras do Apóstolo Paulo: “Mostrai-vos solidários com os irmãos em suas necessidades, prossegui firmes na prática da hospitalidade. Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram” (Rm 12, 13. 15).

Todas as orações que fazemos na Quaresma devem nos ajudar a entender e meditar sobre os momentos de sofrimentos que levaram Jesus ao Calvário. Essas orações devem ser atualizadas e vivenciadas em nossas vidas, apontando para o Cristo sofredor na contemporaneidade. Que possamos mergulhar no mistério do Messias e emergir ao encontro das necessidades e dos “cristos” que, no hoje de nossa história, sofrem e agonizam sua crucifixão.

A crucificação da Saúde Pública

“Nenhuma outra época se preocupou tanto com a saúde como a nossa. E, no entanto, nenhuma esteve mais cheia de doenças do que a nossa” (Anselm Grün).

Todos os anos a Igreja no Brasil, organizada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) lança a Campanha da Fraternidade, com o objetivo de ajudarem os fiéis a lutarem e defenderem o que lhes é de direito, lutando pela dignidade da vida humana. A Campanha é um “processo educativo que ajuda a perceber as exigências da Palavra de Deus diante dos problemas concretos da sociedade”. Os temas são sempre bastante atuais e nos provocam a aderis a eles. Para o ano corrente, a CNBB nos propões a refletir sobre a Saúde de toda a nossa Pátria com o tema: “Fraternidade e Saúde Pública” e o lema: “ Que a saúde se difunda sobre a terra” (Eclo 38,8).

O tema da Campanha da Fraternidade deste ano de 2012 vem ao encontro das necessidades básicas do povo de nossa nação. Estamos vivendo sem ter um dos nossos mais importantes direitos assegurados: o acesso à Saúde Pública.

Por muitas vezes, ao falarmos de Saúde Pública, pensamos que tê-la, de fato, é desfrutarmos de postos médicos, medicamentos gratuitos, serviços dos médicos e enfermeiros, bom atendimento nos hospitais, dentre tantos outros valores. Porém, nos enganamos. A definição de Saúde Pública mais completa é a apresentada por Winslow Charles Edward Amary:

“Saúde Pública é a arte e a ciência de prevenir a doença, prolongar a vida, promover a saúde e a eficiência física e mental mediante o esforço organizado da comunidade, abrangendo o saneamento do meio, o controle das infecções, a educação dos indivíduos nos princípios de higiene pessoal, a organização de serviços médicos e de enfermagem para o diagnóstico precoce e pronto tratamento das doenças e o desenvolvimento de uma estrutura social que assegure a cada indivíduo na sociedade um padrão de vida adequado à manutenção da saúde”.

Sob esta definição, percebe-se que nesta temática estão envolvidos tantos outros aspectos e problemas que devem ser sanados ou administrados em conjunto. Essa é, entre todas, a definição mais completa. É triste que tudo isso não aconteça. Analisando, percebemos o quão distante está o nosso país de uma saúde pública de qualidade. Pois, os outros meios sociais estão ainda imensamente chagados. A saúde para todos, que tanto sonhamos, dista inúmeros quilômetros de boa vontade, dedicação, bom senso, caridade... de nossos governantes.

Diariamente, acompanhamos casos de pessoas sofrendo com o caos dos serviços da Saúde Pública. Hospitais e postos de saúde que, como sabemos, têm a missão de acolher e salvar as vidas, tratar e conservar bem as vidas humanas, hoje faz ao contrário. Verbas que deveriam ser investidas nesses ambientes, perambulam de mão em mão e têm seu destino em qualquer lugar, até no mais absurdo local que nossa imaginação pode alcançar, menos nas unidades de saúde. Médicos e funcionários, que recebem para interferir positivamente na saúde dos pacientes a eles confiados, não honram com suas responsabilidades; cruzam os braços e, sabe Deus lá por qual motivo, deixam o povo esperando em enormes filas. Espaços que deveriam atender aos pacientes estão deteriorados. Máquinas de exames que serviriam para executar exames necessários de forma gratuita não funcionam; estão quebradas; falta verba e interesse para serem concertadas. Com tudo o que é destinado à saúde hospitalar, falta também o zelo; o cuidado não só pelos pacientes, mas também, pelos equipamentos destinados aos cuidados da saúde.

É chocante enxergamos pessoas, seres humanos como nós, sofrendo enormes dores, tendo que seguir os passos do calvário, de hospital a hospital para tentar um simplório atendimento. Essa longa caminhada nada assegura. Pois, por inúmeras vezes é uma caminhada incerta e, o sofredor não consegue o que procura: um atendimento que possa lhe aliviar a dor.

Ao assistirmos aos tele jornais, ficamos indignados quando a notícia é o descaso com a Saúde Pública. Não é por acaso que nos rouba o coração um sentimento de revolta. Idosos não deveriam enfrentar filas paras serem atendidos. Isso é LEI! Porém, se veem obrigados a fazê-lo. Os hospitais estão completamente abarrotados de pacientes; já estão ultrapassando ou já ultrapassaram seus números de leitos, medicamentos, enfim, capacidade para um bom e digno atendimento. Ante essa realidade, o que fazer? Deixar de atender? Mandá-los de volta para casa? Logo, em muitos lugares, para não deixar de atender o paciente, improvisam tudo: macas, quartos, ambientes... Tudo para, mesmo sem possuir condições pára amenizar as dores dos irmãos. Esse é o jeitinho solidário brasileiro de se resolver as coisas! Viva os brasileiros solidários! Mas, mesmo assim, nossos doentes continuam doentes. Afinal, não adianta querermos saciar a sede de milhões de pessoas com apenas um copo de água, ou ainda, não adianta querermos amenizar as dores de milhares de irmãos com apenas um comprimido.

Não mais aguentamos presenciar fatos e escutar relatos de pessoas tendo de madrugar nas filas dos postos e hospitais para tentarem um atendimento. Por inúmeras vezes, madrugar ou passar dias e filas não é garantia nenhuma. Estamos, de fato, vivendo uma brutesca e agravada calamidade na Saúde Pública. E, se, a saúde não vai bem, também, muitas outras coisas não vão.

Eis o nosso único desejo: “Que a saúde se difunda sobre a terra!” (Eclo 38,8).

O Cristo que visita nos cativeiros da vida os irmãos enfermos

“Eu estava doente, e cuidastes de mim” (Mt 25, 36).

Vivendo oportunamente esse momento de nossa fé, a Palavra de Jesus tem valor especial e significado importante em nossas vidas. Justamente sobre a temática da Campanha da Fraternidade deste ano, as Palavras do Mestre nos incitam a irmos ao encontro dos sofredores de nosso tempo: “Pois eu estava com fome, e me deste de comer; estava com sede, e me deste de beber; eu era forasteiro, e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; doente, e cuidastes de mim; na prisão, e fostes visitar-me” (Mt 25, 35-36).

A vida de Jesus foi vivida por inúmeras visitas. Logo, ao saber da enfermidade de Lázaro: “Senhor, aquele que amas está doente” (Jo 11, 3), Jesus, mesmo sabendo que poderia ser apedrejado pelos judeus, decidiu por voltar à Judéia. Fez isso porque tinha tamanho amor por seu amigo e também suas irmãs Marta e Maria. O amor é o que o motiva em sua caminhada; o amor aos amigos; o amor aos doentes; o amor a quem sofre, especialmente.

Sempre que, alguém que conhecemos está em condições de enfermidades, com muita compaixão, delicadeza, amizade e sentimentos bons, logo visitamo-lo. A visita é algo maravilhoso! A visita tem diversos poderes: poder de devolver a vida (Jo 11, 38-44), de consolar quem sofre (Jo 11, 28-37), de aliviar as dores tanto interiores como exteriores. A visita é algo mútuo. Tanto para o visitador como para o visitado, a visita torna-se saúde. As palavras que nossos lábios pronunciam nestes encontros devem sempre ser de amor, compaixão, fortalecimento, consolo, amigas... Nossa visita nunca seja para desencorajar, levar o irmão para o fundo das angústias. Pelas visitas que fazemos exercemos a Pastoral da Visitação, assim como o fez Jesus.

Aqui, nós podemos lembrar tantas pessoas e movimentos que, de boa vontade e, com o coração transbordando de compaixão e alegrias se colocam à disponibilidade deste serviço. Essas pessoas não ganham nada. Visitam por amor de Deus. Vão ao encontro por amor ao próximo. É isso que fazem os nossos Ministros Extraordinários, nossas queridas irmãs da Legião de Maria, nossos irmãos da Pastoral da Saúde e todos os irmãos solidários: visitam a quem sofrendo está, sem distinção levando o Cristo consolador.

Porém, com muito pesar, ainda existem espalhados por nossas cidades inúmeros doentes abandonados. Esses são muitas vezes abandonados pelas suas próprias famílias. Essa cena nos provoca solidariedade! Comovemo-nos! Como pode uma família abandonar seu próprio sangue, justamente em horas mais necessárias? Essa realidade não está muito longe de nós. Essas pessoas estão, talvez, nas ruas onde estão fixadas nossas casas. É então que nos colocamos a ajudá-los. Vamos até elas, rezamos, levamos o Cristo-Eucaristia, dialogamos, rimos, choramos... O doente passa a ser nossa família. Quantas histórias já não escutamos ou vivenciamos?...

Nesse contexto, Jesus é quem vai conosco na visita que fazemos. Seja na dor ou na alegria, Ele sempre nos visita e nos leva a visitar. Narra uma anedota que: todos os dias João, um homem simples, de humildade extrema e poucas palavras, antes de ir para o trabalho passava na Igreja e aproximava-se do tabernáculo e dizia: Jesus eu sou o João e, vim te visitar. E seguia seu destino. O sacristão ficava meio desconfiado a seu respeito. Certo dia João caiu doente num leito de hospital. De repente Jesus apareceu e lhe disse: João, eu sou Jesus e vim te visitar.

Justamente quando mais os nossos doentes precisam de Jesus, Ele vem visitá-los. Jesus não quer ir aos enfermos, aos necessitados, sozinho. Ele prefere contar com nossa companhia; nossa disponibilidade em caminhar com ele. O Mestre, não quer gozar destes momentos sozinho. Ele quer partilhar conosco essa grande bênção que é visitar, alimentar, cuidar e acima de tudo: amar o que sofre enfermidades e tribulações. Ter um idoso ou um irmão enfermo em casa e, poder bem cuidar dele é uma bênção de Deus!

Vamos caminhar!

Neste tempo quaresmal, que a Virgem Dolorosa nos ajude a caminhar pelas vias chagadas por onde passar seu Filho. Não tenhamos medo de denunciar e apontar com ousadia os desmoronamentos da Saúde Pública em nosso País. Nós sonhamos um mundo mais fraterno, mais digno e mais humano para todos, independentemente de seguimentos religiosos. Somos todos irmãos, filhos amados do mesmo Deus, obras primas do mesmo Artista. Possamos aproveitar esse tempo para concretizar a vontade de Jesus: “Que todos tenham vida em plenitude” (Jo 10, 10) e, ainda, para com amor fazer germinar em nosso solo a saúde verdadeira para todos.

Frei Zilmar Augusto OFM
Enviado por Frei Zilmar Augusto OFM em 01/03/2012
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