AS ARENAS DA VIDA
                                    Sérgio Martins Pandolfo*
 
       Nunca antes na história “desse” País se viu tamanha inovação vocabular ou, simplesmente, mudança dos nomes das coisas.  Desde as mais simples: papagaio, que virou pipa, fábrica que hoje é planta, às mais elaboradas, tal revitalização. Está aí uma palavra antiga, dicionarizada há muito, mas que andava meio esquecida, quase nunca empregada, posto que o termo vigente, restauração ou restauro, é bem mais abrangente. De repente os áulicos da renomeação descobriram-na e não deu outra: é revitalização pra tudo e por tudo. A reforma de um edifício, o recapeamento de uma via, a pintura de um prédio, o replantio do gramado dos campos de futebol, tudo passou a ser revitalização.
     Nomes em inglês então são o máximo! O velho e outrora galante álbum de fotografias agora é book; bicicleta foi promovida a bike. A trivial e manjada encarnação ou bulimento anglicizou-se em bullying, que é mais fashion. Siglas, para não fugir à mania, foram quase que todas mudadas, conquanto queiram, mais das vezes, expressar coisa igual ou parecida. Por um triz nossa ufanística Petrobras não virou Petrobrax. Lembram? A redizer os franceses: “Plus ça change plus c’est la même chose” ou, em bom português, quanto mais se muda mais fica a mesma coisa. O governo da hora então... Já nem se vai falar do malsonante “presidenta”, que nos querem enfiar goela abaixo.

     A mudança é uma coisa importante e inevitável, ate mesmo em função das inovações e do avanço da ciência. Já o filósofo helênico Heráclito ensinava que “tudo muda, à exceção da própria mudança”. Nem mesmo as águas de um rio em que você se banha hoje serão as mesmas amanhã porque elas correm no leito fluvial. O imorredouro Camões também nos deixou, em preciosos versos, a precisa noção de que ”Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades/ Muda-se o ser, muda-se a confiança/ Todo o mundo é composto de mudança/ Tomando sempre novas qualidades”. Portanto, nada a estranhar haveria não fosse a forçação de barra, como a gosto diz a “jovem guarda”.
     Agora mesmo, o termo novo para velhos conhecidos é arena. Os antigos estádios de futebol, campos de pelada, quadras de tênis, de basquete, de vôlei, tudo virou, da noite para o dia e não se sabe a troco ou razão de que, arena. Seja o ludopédio, ops, o jogo de bola no Mangueirão ou no Baenão, vai-se à arena estadual ou à do Leão para assisti-lo.
    Nada teríamos a dissentir dessa novidadeira denominação não fora o fato de que o termo arena, desde as clássicas lutas de leões contra os cristãos em Roma, das corridas de bigas na Grécia antiga, das touradas em Madrid, das vaquejadas e rodeios de touros e cavalos, das rinhas de brigas de galos e de cães onde a selvageria, a crueldade e – no fundo – a covardia campeiam,  levam à imediata ideação de luta selvagem, de desforço físico não exclusivamente atlético-esportivo que é, via de regra, o que se vê hoje nas disputas entre clubes ou times que se enfrentam nos campeonatos em todos os rincões deste nosso pernil varonil brasílico. Fomos ao dicionário conferir arena: “Anfiteatros romanos, cobertos de areia, onde se realizavam combates entre gladiadores e feras. Espaço circular, fechado, para touradas e outros espetáculos. Local de debate, de desafio, de luta” (Houaiss). Então, por que cargas d’água arena, onde se presume e se deseja ver competições desportivas civilizadas, sadias, se esses ambientes nem mais sequer têm pisos de areia?  Em nossa concepção essa nova rotulagem que se quer dar aos estádios e quadras é um incitante apelo à violência, à ferocidade, à inamistosidade. Por que então insistir com essa excrescência? Tal nova onda de mudança de nomes, de variações sofismáticas, nos trouxe à lembrança recente episódio:
     Um velho e contemporâneo amigo nosso ao ser verberado e instado a concordar que pintava os cabelos respondeu, com muita verve e facécia, que não pintava a ainda felpuda cabeleira, mas sim fazia, periodicamente, simplória “restauração cromática capilar”. E nada mais lhe foi dito nem perguntado.

Na foto acima Praça de Touradas de Barcelona. Isto sim, é arena, pois tem piso de areia. Touradas são um resquício da barbárie do ser humano que precisa ser extinto.
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*Médico e escritor. ABRAMES/SOBRAMES
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 29/06/2012
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