Retirar dinheiro do irmão, às escondidas, é furto?

Prólogo

Minha caixa de e-mails, hoje (23/08/2012) mais do que ontem, estava lotada! Dentre as mensagens uma me motivou a escrever mais um artigo esclarecedor. Uma consulente pergunta se retirar, às escondidas, dinheiro de um irmão pode ser considerado furto.

MENSAGEM DA CONSULENTE

“Prezado doutor Wilson. Dou meus parabéns pelo texto recém-escrito e publicado no Recanto das Letras sob o tema: ‘Sexo dentro de um carro é crime?’. O senhor ensina e tira dúvidas. Isso é ótimo para quem quer aprender cada vez mais sobre os assuntos diversos. Desejo aproveitar sua sabedoria e perguntar algo que desejo saber. Vi que o Código Penal diz em seu artigo 155 abaixo transcrito:

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

A minha dúvida é a seguinte: Socorro, minha amiga, disse que, às vezes, o irmão dela chega bêbado e ela, depois que ele adormece, retira dinheiro dos bolsos dele para comprar brincos, pulseiras e outros objetos de uso pessoal. Claro que esse procedimento dela é errado. Queremos saber se esse ato é crime e onde podemos ver isso escrito na lei penal. Obrigada por sua resposta e mais uma vez dou os meus parabéns por sua disposição em ajudar a quem precisa. Um abraço. Silvia e Socorro Alcântara.”.

MINHA RESPOSTA

O crime de furto está elencado nos Crimes contra o patrimônio – Capítulo I – arts. 155 até 183 do Código Penal Brasileiro. O caso da consulente está normatizado no Capítulo VII – Disposições Gerais – art. 182, Inciso II, do mesmo código (CP).

Retirar dinheiro ou suprimir quaisquer outras coisas (res) de irmão é crime! Vou aceitar o elogio das senhoritas consulentes “O senhor ensina e tira dúvidas” e incrementar minha resposta explicando os diversos (alguns) crimes de furto com suas definições e comentários.

Por outro lado, é de bom grado observarmos que quando uma esposa retira (surrupia) dinheiro do cônjuge (esposo) NÃO COMETE O CRIME DE FURTO. Isso é o que preestabelece o artigo 181, Inciso I, do CP, mas há entendimento de que a união estável-concubinato tem aplicação, isto é, poderá NÃO SER considerado crime de furto.

Sempre escrevo e não custa lembrar que há entendimentos e jurisprudências para todos os gostos e desgostos.

SOBRE O FURTO PODEMOS ASSEVERAR

Furto é a subtração de coisa alheia móvel com o fim de assenhoreamento definitivo. O estatuto penal tem como objetividade jurídica à tutela da posse, abrangendo a detenção, e a propriedade, sendo esta o conjunto dos direitos referentes ao uso, gozo e disposição dos bens.

Este delito não pode ser praticado pelo proprietário, pois a “res” (coisa) tem que ser alheia, havendo a possibilidade de aparecimento da figura típica do art 346, se a posse estiver com outrem, e legitimo detentor da coisa. Ex: subtração entre cônjuges separados – art. 330, 345, 346 ou 156, todos do CP.

É elemento do tipo: subtrair – abrange tanto a hipótese em que o bem é tirado da vítima quanto aquela em que ele é entregue espontaneamente, e o agente, sem permissão, retira-o da esfera de vigilância daquele; neste último caso, o “furto” distingue-se da “apropriação indébita”, porque, nesta, a vítima entrega uma posse desvigiada ao agente, enquanto no “furto” a posse deve ser vigiada.

Exemplo: se alguém está lendo um livro em uma biblioteca, coloca-o na bolsa e leva-o embora, o crime será o de “furto”, mas, se o agente retira o livro da biblioteca, por empréstimo, com autorização para que a leitura seja feita em outro local e dolosamente não o devolve, comete “apropriação indébita”.

QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA: É crime material, instantâneo (não se prolonga no tempo), simples, comum e admite tentativa.

SUJEITOS DO DELITO: Pode ser praticado por qualquer pessoa, não se exigindo qualquer circunstancia especial ou especifica. O sujeito passivo (vítima) será sempre o proprietário, ainda que, no momento, não tenha a posse.

É desnecessário que a vitima comprove o domínio da “res furtiva” mediante a apresentação da respectiva nota fiscal, pois a objetividade jurídica do tipo penal é proteger não só a propriedade, mas também a posse, a detenção.

TIPO OBJETIVO: É a subtração de coisa alheia móvel. A conduta típica é SUBTRAIR, por qualquer meio, a coisa, ou seja, tirar, apropriar-se, mesmo à vista do proprietário ou possuidor. Sendo considerada móvel tudo que pode ser retirado de um lugar para outro. O furto, como diz o tipo penal tem de ser de coisa móvel, caso contrario (imóvel), será atípico. Algumas coisas, entretanto, consideradas imóveis pela lei civil, como por exemplo, o trator, maquina de uma fazenda, podem ser objetos de furto; animais criados na fazenda, etc..

O furto de árvores, terra e minerais, pode ser caracterizado quando mobilizados, apesar de acessórios. A mobilização do acessório é feita com violência ao próprio acessório. Nessa linha de raciocínio comete o furto quem clandestinamente, faz captação de água ou energia elétrica e, dela usufrui sem pagamento de qualquer contraprestação, pois, nesse caso, está incorporando ao seu patrimônio coisa móvel alheia. A água é bem imóvel, publico e de uso comum do povo, apenas enquanto não destacada do leito do rio por onde naturalmente flua. Captada e canalizada, passa a ser propriedade da empresa concessionária.

FURTO FAMÉLICO: Para o reconhecimento do furto famélico é necessário que o réu atue com o único intento de saciar a fome, em necessidade extrema, não podendo esperar mais, por ser a situação insuportável e que somente através do ato ilícito consiga resolver o problema da falta de alimentação.

Aqui também cabe um adendo: Nunca vi alguém deixar de ser condenado por cometer um furto famélico (furto de comida para saciar a fome). Ao contrário já soube de histórias terríveis de miseráveis que furtam comidas nas feiras ou supermercados e são presos e torturados a ponto de ficarem doentes de tanto apanhar depois de cometer um ilícito escusável quando se encontrava em necessidade extrema.

TIPO SUBJETIVO: O elemento subjetivo do tipo está na expressão: “... para si ou para outrem...”. Ele exige o dolo de subtrair, acrescido do elemento subjetivo do injusto do tipo (dolo especifico), finalidade expressa no tipo, que é o de ter a coisa para si ou para outrem. “animus furandi” ou “animus rem sibi habendi”.

– coisa alheia móvel

– fim de assenhoreamento definitivo

– A consumação do “furto” se dá quando o objeto é tirado da esfera de vigilância da vítima, e o agente, ainda que por breve espaço de tempo, consegue ter sua posse tranquila; por isso, há mera tentativa se o sujeito pega um objeto, mas a vítima sai em perseguição imediata e consegue detê-lo.

– O agente tenta furtar uma carteira e enfia a mão no bolso errado, no caso da vítima não tiver portando ela é crime impossível.

– O “furto de uso” não é crime, é ilícito civil, mas o agente deve devolver a coisa no mesmo local e estado em que se encontrava por livre e espontânea vontade, sem ser forçado por terceiro.

– “furto famélico”: é o praticado por quem, em estado de extrema penúria, é impelido pela fome a subtrair alimentos ou animais para poder alimentar-se; não há crime nesse caso, pois o agente atuou sob a excludente do estado de necessidade.

– “furto de bagatela” (“princípio da insignificância”): o valor da coisa é inexpressivo, juridicamente irrelevante (ex.: furtar uma agulha); ocasiona a exclusão da tipicidade.

– Um ladrão furta outro ladrão, o primeiro proprietário sofrerá dois furtos, pois a lei penal não protege a posse do ladrão.

– Quando o agente entra na casa de alguém para furtar, o crime de “violação de domicílio” fica absorvido pelo “furto” (princípio da consunção, segundo o qual o crime-meio é absorvido pelo crime-fim).

– Se o agente, após furtar, destrói o objeto, o crime de “dano” fica absorvido; trata-se de “post factum” impunível, pois não há novo prejuízo à vítima.

– Se o agente, após furtar, vende o objeto a terceiro de boa-fé, tecnicamente haveria dois crimes, pois existem duas vítimas diferentes, uma do “furto” e outro do crime de “disposição de coisa alheia como própria” (art. 171, § 2°, I) (Damásio E. de Jesus); a jurisprudência, por razões de política criminal, vem entendendo que o subtipo do “estelionato” fica absorvido, pois com a venda o agente estaria apenas fazendo lucro em relação aos objetos subtraídos.

– No caso da “trombada”, se ela só serviu para desviar a atenção da vítima (“furto qualificado” pelo arrebatamento ou destreza), se houve agressão ou vias de fato contra a vítima (“roubo”).

FURTO DE USO

A jurisprudência vem reconhecendo a existência de furto comum, pouco importando a intenção do agente quando da subtração, em especial quando a coisa é abandonada ou apreendida. Não tipifica a nossa lei penal comum o furto de uso, ou seja, a subtração da coisa alheia móvel para uso momentâneo com sua devolução imediata nas mesmas condições.

O furto de uso, entretanto, é tipificado no Código Penal Militar, art 241, ou seja, crime militar requer dois requisitos: o escopo de fazer uso momentâneo da coisa e sua reposição imediata e voluntária, integral, ou seja, no mesmo local, após a utilização. Não basta, pois, a mera intenção de restituí-la ao dono, sem que saiba quando. Tendo o furto de uso afinidade com o estado de necessidade, há que se supor um fim licito que autorize mal necessário, destinado a justificar o salvamento de direito, cujo sacrifício não seja razoável exigir-se.

CAPÍTULO VII – DISPOSIÇÕES GERAIS

Imunidades absolutas (ou escusas absolutórias)

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal (antes de eventual separação judicial; a doutrina tradicional entende que apenas o casamento civil e o religioso com efeitos civis estão englobados pela escusa, mas há entendimento de que a união estável-concubinato tem aplicação);

II - de ascendente (ex.: pai, avô, bisavô) ou descendente (ex.: filho, neto, bisneto), seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

– Natureza da isenção: razões de “política criminal”, notadamente pela menor repercussão do fato e pelo intuito de preservar as relações familiares.

– Sendo a autoria conhecida, a autoridade policial estará proibida de instaurar Inquérito Policial (IP).

Imunidades relativas (ou processuais)

É dentro das imunidades relativas que encontramos a resposta direta à consulente. Trata-se de imunidade relativa por depender sempre da representação do ofendido. Observamos o Inciso II, do art. 182, do CP. Se o irmão ofendido (vítima) pelo furto da irmãzinha desejosa em comprar bugigangas prestar uma queixa-crime ou fizer um Boletim de Ocorrência contra a ladra ela será processada e possivelmente condenada na forma da lei.

Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:

I – do cônjuge desquitado ou judicialmente separado (se o fato ocorre após o divórcio, não há qualquer imunidade);

II – de irmão, legítimo ou ilegítimo;

III – de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.

CONCLUSÃO

O caso da consulente está normatizado no Capítulo VII – Disposições Gerais – art. 182, Inciso II, do Código Penal (CP). Portanto: Retirar dinheiro ou suprimir quaisquer outras coisas (res) de irmão é crime!

Amigo (a) leitor (a) cuidado para não cometer crime sem querer! Para concluir este texto vou enumerar apenas sete das inúmeras atitudes que poderão complicar a vida de uma pessoa que supostamente age à boa-fé. São condutas que podem levá-lo a cadeia.

Certos crimes estão envolvendo também as pessoas de boa-fé, negligentes ou indiferentes em relação aos fatos pré-delituosos que rondam a todos a todo instante e em qualquer lugar. Ninguém pode deixar de agir e pensar preventivamente, para não acordar na prática de uma infração penal, às vezes, involuntariamente; irremediável.

Vejamos algumas ações e omissões que podem ser observadas para que possamos minimizar as possibilidades de envolvimento em práticas delituosas, como agente ou como vítima. A liberdade tem sabor de vitória, talvez muitos esquecem desse estado de glória e diante um pequeno desafio pré-delituoso capitulam na primeira batalha, perdendo o sagrado direito de ir e vir.

01. Aceitar pedido para embarcar no seu nome, qualquer mala, pacotes de mão ou qualquer volume de outrem nos embarques terrestres, e, principalmente, aéreos, sob o pretexto de já possuir carga excedente ou não possa conduzi-lo até o transporte; às vezes, as surpresas são bem maiores do que a compaixão e o volume transportado; drogas, armas, bombas, moedas falsas ou contrabando são objetos que podem estar dentro daquelas embalagens;

02. Em uma discussão banal, não se pode nem se deve agredir moral ou fisicamente ao opositor; o motivo é fútil; no mínimo pode causar lesão leve ou difamação, podendo configurar um crime;

03. Dar abrigo a fugitivo – Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública (Ver art. 348, do CP) – que tenha cometido algum delito; é bom omitir-se dessa consideração;

OBSERVAÇÃO OPORTUNA: Se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso, fica isento de pena (Ver § 2º, art. 348, do CP).

04. Cuidado! Guardar em casa, coisa que não conheça seu conteúdo ou sua procedência, só para atender pedido de alguém (amigo ou simpatizante) ninguém acredita nessa versão. Tampouco o juiz quer saber dessa desculpa. Se o objeto guardado for produto de crime você estará, também, cometendo o ilícito de auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública (Ver art. 348, do CP);

05. Comprar objeto de procedência duvidosa só porque está sendo ofertado por preço abaixo da realidade; talvez esteja comprando produto de crime ou "gato por lebre"; pode estar atuando como receptor (intrujão) (Ver art. 180, do CP) de uma coisa subtraída, duvidosa ou qualquer objeto de crime;

06. Prestar testemunho que não corresponde a verdade dos fatos, para inocentar ou acusar alguém, invertendo a ordem, ou, ainda, apresentar versão que não mantém coerência com o acontecimento, evitando a participação ou inclusão de certa pessoa em processo (Ver art. 342, do CP);

07. Agir violentamente contra quem lhe deva algum dinheiro ou que tenha posse de alguns bens seu (Ver art. 345, do CP – Exercício arbitrário das próprias razões).

Claro que existem dezenas de outras ações que, se estiverem elencadas na legislação penal e tipificadas como crimes... A lei deverá cominar expressamente as penas.

____________________________________________

NOTAS REFERENCIADAS

– Código Penal Brasileiro;

– Fonte: Manoel Damasceno;

– Papéis avulsos, rabiscos, fragmentos e outros textos do Autor.