O TRABALHO

A palavra para substituir “trabalho” e representar aquilo que os homens fazem e se sentem realizados/felizes ainda está para ser inventada. De forma alguma pode ser esta que aí está – “trabalho”. Mas essa representa realmente o seu conceito inicial – o de castigo. E com a estrutura montada pelo empresário estadunidense Henry Ford, através da Psicologia Organizacional em seu início, o trabalho atinge seu ápice: de castigo e castigo alienado e alienador. É Claro, que mais tarde, pelo menos do lado dessa ciência comportamental vários conceitos serão revistos. Se alguém pensa em fazer apologia ao “trabalho” usando Charlie Chaplin, com seu famoso “Tempos Modernos”, se engana. Nesta obra prima o artista mete o dedo na ferida dos que, alienadamente, se dizem felizes com o que se tornou o “trabalho” nos dias atuais.

Antes mesmo de surgir a palavra “trabalho” com os latinos, o homem era feliz na criação e confecção de algo que servia a ele e outros de sua tribo. Essa felicidade residia no êxtase provocado no término do objeto criado. A imagem é simples: imagine um carpinteiro que fosse confeccionar uma mesa. Era só sua a obrigação de buscar a madeira, preparar os assentos, a própria mesa e no final entregar a obra finalizada. Além da remuneração devida havia a sensação de dever cumprido – a felicidade. Nesse contexto existia sim o que propunha Hackman e Oldman (apud CUNHA, 2004) com relação as funções do trabalho na vida do homem acerca da variedade, identidade, significado, autonomia, feedback.

Quando o homem percebeu que poderia ter essa produção de graça, começou a escravizar, e quando alguém não queria produzir era castigado. Sabe como era o castigo? Com um instrumento de tortura que tinha três pontas que cortavam a pele e se chamava tripalium-TRABALHO.

Se o homem era feliz ao produzir algo e ao produzir compartilhava a sua felicidade, com o “trabalho” nas costas as coisas ficaram bem diferentes.

Ironicamente, em pleno século XXI, a palavra não foi mudada. Talvez seja por isso que exista a Psicologia Organizacional. Que tenta fazer o homem trabalhar e tenta dá sentido ao trabalho na vida dos homens. O problema, é que assim, como os escravos fugiam ou preferiam a morte, o homem moderno inda falta no trabalho ou se vai não rende como deveria. Quem sabe no futuro tal ciência ache a formula que concilie os afazeres de produção com a felicidade perseguida pela humanidade em seus afazeres.

O tripalium fisicamente não existe mais. O objeto se perdeu com o tempo. A “escravidão” acabou. O homem se diz “feliz”. Mas o que o trabalhador não sabe é que houve muita luta para fazer o homem continuar produzindo, às vezes de forma análoga a de escravo, e achar que está feliz. Essa luta trocou a dor física pela psicológica (ou trabalha ou rua!) e dois protagonistas foram fundamentais nessa empreitada: o estadunidense Henry Ford e claro, a velha Psicologia Organizacional. Nesse texto não se aprofundará nesse segundo agente, tão mal usado no encontro do homem com a felicidade via “trabalho”. Mas é fato que o primeiro agente se apossa de estudos do segundo para firmar sua política trabalhista.

Ford sempre sonhou em fazer o homem produzir ao máximo e questionar de mínimo. O empresário tornou suas empresas um imenso laboratório e sua importância foi tanta que se pode dizer que até as escolas de hoje têm características fordistas. O empresário atinge o ápice do sistema de produção capitalista moderno.

A dinâmica empresarial de Henry é, justamente, o oposto daquilo que proporcionava felicidade na cadeia produtiva – o início e a conclusão da tarefa feita por uma única pessoa. Ford seguia a verticalização: cada pessoa era responsável por algo, e sem entender, parte do seu feito seguia a hierarquias superiores (esteiras rolantes levavam os carros a outros trabalhadores - eram horas em pé montando e esperando o próximo carro); lá, outra pessoa dava continuidade ao processo – o homem poderia até saber o que seria o produto final, mas nunca mais conseguiria confeccioná-lo por si só. A verticalização era tamanha que o empresário tinha a fábrica de vidros, a plantação de seringueiras e a siderúrgica.

O homem ficou pequeno: ou era só o apertador de parafusos ou era só o encaixador de rodas ou era alguma coisa, menos o todo. Como mexer num sistema tão grande sendo tão pequeno? A política de Ford se espalhou por todas as áreas e se alguém ainda não entende basta olhar a escola.

Na escola, também vertical, o trabalhador (professor) pega o produto (aluno) e passa para o próximo trabalhador – são as tão famosas séries. E embora o conhecimento seja uno, ou seja, tem que haver interdisciplinaridade (tem que se saber um pouco de tudo), o contexto é de total falta de comunicação entre as áreas. “Mas, eu sou só o professor de Artes”, diz um professor; “Mas, eu sou só o Professor de Português, eu nem entendo de Matemática”, fala outro. Ainda há aqueles que dizem que estão muito felizes, mas com frequência faltam ao serviço. Henry Ford acertou: tornou o homem pequeno; firmou a palavra “trabalho” em seu conceito real na vida de todos; criou a falsa ilusão de felicidade e com um golpe de mestre não deixou ninguém questionar nada – aquilo que só era castigo, agora se tornou castigo alienado.

A melhor crítica que se tem da desumanização do homem é retradada no filme “Tempos Modernos” de Charlie Chaplin. O enredo trata muito bem as falhas que firmam o trabalho como algo degradante, principalmente após a revolução industrial.

Na linha de montagem numa fábrica de carros um operário é levado à loucura logo após ser testado nele uma máquina que reduziria a hora do almoço. É um exemplo paródico do que acontece até nos dias atuais em muitas empresas públicas ou privadas país afora – o foco na produção e não no ser humano. Chaplin ainda lança mão de mostrar em seu filme a fragilidade de um sistema econômico como o capitalismo – que por qualquer motivo se abala e degrada mais ainda o homem.

Embora a proposta da Psicologia Organizacional seja nobre - os estudos tenham avançado bastante - em todos os tempos o que se viu foi só exploração do homem pelo homem, através do trabalho, da compra e venda de energias humanas e da forma mais barata possível; do oferecimento de ambiente de trabalho não salutar; das horas extras; do pouco tempo de lazer (atualmente o máximo que se tem são os fins de semana); da má-remuneração. Nesse contexto a palavra “trabalho” tem se encaixado muito bem – “castigo”. Tal ciência ainda tem muita estrada pra correr até conseguir convencer empresários e gerentes públicos do valor do homem e arrancar da palavra “trabalho” o seu verdadeiro sentido etimológico colocando outro em seu lugar – que trabalho signifique um meio para se atingir a felicidade tanto por parte de patrões quanto por parte de empregados.

Pela observação dos aspectos analisados é longo o caminho de quem queira administrar e mudar algo no mundo, seja no setor público, seja privado. Há a necessidade até mesmo de se rever a etimologia “trabalho”. A responsável pela mudança que deve ocorrer – pela boa convivência entre empregador e empregado – é a Psicologia Organizacional. O problema é que desde o começo tal ciência só tem sido usada para o domínio do trabalhador – sua função social é sempre posta de lado. Foi o que se percebeu com Henry Ford. É claro que nos últimos anos vários conceitos têm sido revistos. Chaplin chamou a atenção para os males que o capital e a industrialização provocava no homem moderno.