DO SINDICALISMO GLOBAL AO MOVIMENTO DOS TÉCNICOS

Síntese do movimento sindical mundial: os primórdios da industrialização, a formação das grandes centrais brasileiras, o sindicalismo durante a ditadura militar, a estrutura organizacional e o movimento dos Técnicos Industriais que, em 2014, completa 35 anos

Predominante na Europa durante a Idade Moderna (1453-1789), o mercantilismo consistia uma prática econômica absolutista, com os governos exercendo poder absoluto sobre a economia; ou seja, quanto maior sua riqueza maior também seu prestígio, poder e respeito internacional. A partir de meados do século 18, no entanto, com a eclosão da Revolução Industrial inglesa o mundo passou por uma profunda transformação econômica, sendo despertado para o sistema capitalista, que até hoje rege a economia mundial e a vida em sociedade.

No Brasil, os primeiros indícios de industrialização remontam ao início do século 19, com atividades, essencialmente, metalúrgicas e manufatureiras. Em 1850, o total de fábricas passava de 50; e, nas décadas seguintes, a situação da classe operária brasileira já beirava o caos: longas jornadas de trabalho; ambientes abafados e mal iluminados; condições inadequadas de higiene; falta de moradia; sem falar que benefícios como aposentadoria, férias, descanso semanal remunerado e fundo de garantia ainda demorariam muito tempo para serem conquistados. Assim, pouco a pouco os operários vão sentindo necessidade de se organizarem na luta por melhorias no trabalho, principalmente após a abolição da escravatura e a chegada dos primeiros imigrantes, munidos de ideias associativas que eclodiam na Europa.

Se em 1824 era expressamente proibida a formação de organizações profissionais, a Constituição Federal de 1891 passou a garantir esse direito e, em 1906, é fundada a COB – Confederação Operária Brasileira pelos chamados “anarcossindicalistas”, influenciados por militantes europeus – muitos, inclusive, vivendo no Brasil. Não demorou para que os patrões e o governo reagissem, aprovando leis que agilizavam a expulsão de líderes sindicais estrangeiros.

Em decorrência da queda dos salários aliada à elevação do custo de vida, a década seguinte foi marcada por uma onda de manifestações até então jamais vista no País, em especial a Greve Geral de 1917, que paralisou mais de 50 mil trabalhadores em São Paulo. Mesmo assim, a influência anarquista sobre o sindicalismo brasileiro naufragou, especialmente pela fundação, em 1922, do PCB – Partido Comunista Brasileiro, cujas ideologias se contrapunham. Com ampla hegemonia comunista, sete anos mais tarde é criada a primeira central sindical de nível nacional: CGTB – Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (não confundir com a CGTB atual), declarada ilegal após a cassação do registro do PCB em virtude do rompimento das relações diplomáticas do Brasil com os russos durante a Guerra Fria – espécie de conflito de nervos desencadeado entre os Estados Unidos e a extinta União Soviética a partir da Segunda Guerra Mundial.

Após a criação do Ministério do Trabalho, em 1930, por Getúlio Vargas, os sindicatos se tornam órgãos de colaboração e cooperação do Estado – por decreto, tinham direito a férias anuais apenas os trabalhadores sindicalizados. Em 1º de maio de 1943, o presidente sanciona a Lei nº 5.452, mais conhecida como CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, aumentando seu prestígio popular e representando um grande avanço nas relações socioeconômicas. “O sindicato é a vossa arma de luta, a vossa fortaleza”, declarou, por ocasião das comemorações do Dia do Trabalho, em 1951. Assim, mesmo que a CLT tenha pulverizado sensivelmente a atuação dos sindicalistas, o papel dos sindicatos na conjectura política começava a ser consolidado.

Sindicalismo na ditadura militar – Após o golpe militar de 1º de abril de 1964, o Brasil passou por um dos períodos mais conturbados de sua história. Embora tenham amenizado um pouco a crise econômica que se alastrava desde a renúncia de Jânio Quadros em 1961, a tomada do poder pelos militares e as medidas adotadas em caráter emergencial trouxeram sérias consequências políticas, econômicas e sociais para o futuro, influenciando também as ações sindicais. Todas as manifestações, incluindo os movimentos grevistas, eram reprimidas, e seus principais líderes presos ou exilados. Foi decretada uma lei antigreve, e os índices de reajuste salarial passaram a ser fixados, autoritariamente, pelo governo, que ainda cassou o mandado de milhares de sindicalistas.

Em 1966, é criado o FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço em substituição ao regime de estabilidade no emprego. A partir de 1967, o movimento sindical volta a se aquecer com a fundação do MIA – Movimento Intersindical Antiarrocho e, no ano seguinte, estoura a greve dos metalúrgicos de Osasco. Resultado: centenas de grevistas foram presos.

No decorrer da segunda metade da década de 1970, já com os primeiros sinais de enfraquecimento do regime militar, surge a figura do sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, iniciando uma campanha de reposição dos índices de inflação que compensasse as perdas salariais referentes aos anos anteriores. Seguem-se novas greves, iniciadas no ABC paulista e alastrando por outras regiões e estados.

Em 1983, nasce a CUT – Central Única dos Trabalhadores com o compromisso de defender os interesses da classe operária. Três anos mais tarde, divergências internas causam ruptura na entidade, ao mesmo tempo em que alguns sindicatos, ainda atrelados ao governo, fundam a CGT – Central Geral dos Trabalhadores que, posteriormente, juntaria-se a outras centrais sindicais para dar origem a UGT – União Geral dos Trabalhadores. Por sua vez, a Força Sindical, fundada em 1991, surge com uma proposta de reestruturação, menos pragmática e mais aberta ao debate com a sociedade.

Devidamente reconhecidas pela Lei nº 11.648/2008, atualmente são seis as centrais sindicais brasileiras que juntas, congregam milhares de sindicatos e milhões de trabalhadores. Incluindo a CUT, a Força Sindical e a UGT, citadas anteriormente, fazem parte desse seleto grupo a CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, a NCST – Nova Central Sindical dos Trabalhadores e a CGTB – Central Geral dos Trabalhadores do Brasil.

Organização sindical brasileira – Apesar das inúmeras emendas, a Constituição Federal de 1988 assegura a liberdade da associação profissional, sem exigir autorização do Estado para a fundação de sindicatos, ressalvando apenas como exigência constitucional, a necessidade do registro no órgão competente. Ainda, segundo os princípios constitucionais, o sistema de representação sindical brasileiro é confederativo: sindicatos, federações e confederações. Numa estrutura organizacional, os sindicatos compõem a base, as federações o centro, e as confederações o topo do organograma. Também, de acordo com a lei, são necessárias ao menos cinco entidades sindicais para compor uma federação, e três federações para formar uma confederação.

Segundo dados atualizados do MTE – Ministério do Trabalho e Emprego, existem quase 10 mil sindicatos com registro ativo no País, organizados por categorias profissionais específicas, como metalúrgicos, químicos, eletricitários, petroleiros; diferenciadas, como secretárias, motoristas, telefonistas; e profissionais liberais, entre eles os técnicos, engenheiros, médicos, advogados, economistas etc. E o número de entidades não para de crescer, e só em 2011 foram computadas mais de 1200 solicitações de novos registros. Para Wilson Wanderlei Vieira, presidente do SINTEC-SP – Sindicato dos Técnicos Industriais de Nível Médio do Estado de São Paulo, essa pluralidade faz com que os sindicatos estejam muito mais próximos dos trabalhadores, podendo, assim, representá-los com mais eficiência. “Tendo em vista a extensão territorial e o grande número de profissionais, nós defendemos essa estrutura sindical, pois cada categoria tem suas reivindicações próprias e que precisam ser respeitadas”, complementa.

A questão, no entanto, é que nem todas as associações que, na prática, exercem atividades sindicais, possuem a carta sindical, reconhecendo legalmente a entidade e legitimando sua atuação representativa junto à categoria.

Técnicos Industriais – “Compareçam no dia 18/08/79, sábado, 14 horas, à Rua Clóvis Bueno de Azevedo, 70, Ipiranga, São Paulo SP, para tratarmos dos seguintes assuntos: regularização e oficialização da ATESP, luta pela regulamentação da Lei nº 5.524/1968”, diz trecho da carta assinada por Marcos Antonio Borges, datada de 02/08/79. A adesão foi grande e, liderados por Wilson Wanderlei Vieira, no dia marcado dezenas de profissionais técnicos comparecem à Escola Técnica Getúlio Vargas para a assembleia geral de fundação, aprovação do estatuto e eleição da diretoria da ATESP – Associação Profissional dos Técnicos Industriais do Estado de São Paulo.

Um dos maiores – senão o maior – aspectos motivadores para a fundação da entidade e, consequentemente, para o início da militância sindical da categoria, foi o Ato 30 baixado pelo CREA-SP – Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo, impedindo os Técnicos em Edificações de executarem projetos até 120m2, como garantia antes o Ato 6, de 1968 e republicado em 1972. A insatisfação, por parte dos envolvidos, foi geral, desencadeando uma série de manifestações e expedições de mandados de segurança, além de pautar jornais e outros importantes meios de comunicação. Bem-humorados, os técnicos foram às ruas e, com faixas e bonecos gigantes, protestaram contra as decisões do conselho estadual, ao mesmo tempo em que começavam a cobrar mais participação da categoria nas decisões e, sobretudo, a regulamentação profissional. Ou seja, alterações na Lei nº 5.524/1968 de maneira a atender as necessidades de milhares de profissionais, comprometidos e agrupados em torno de objetivos comuns. Seguiram-se muitos entraves e retaliações por parte do Sistema CONFEA/CREA; e, depois de muito comprometimento e reuniões, incluindo uma audiência oficial com o presidente da República João Baptista de Oliveira Figueiredo em 17 de abril de 1980, finalmente foi assinado o Decreto nº 90.922 em 6 de fevereiro de 1985.

Enquanto associação, a ATESP tinha cumprido seu papel institucional e organizativo, e o próximo passo seria a transformação da entidade em sindicato. Assim, em 1987, depois da publicação da Portaria nº 3.156 do Ministério do Trabalho, concedendo o enquadramento sindical dos Técnicos Industriais como profissionais liberais, a categoria teve mais um motivo para comemorar: a fundação do SINTEC-SP, em 23 de setembro – data em que também se comemora o Dia Nacional do Profissional Técnico, instituído pela Lei nº 11.940, de 19 de maio de 2009. Assinada pelo ministro do Trabalho Almir Pazzianotto Pinto, a carta sindical que legitima o SINTEC-SP como único representante dos Técnicos Industriais no Estado de São Paulo vai muito além de uma simples conquista, pois recompensa os anos de dedicação e trabalho intenso para que os técnicos obtivessem o respeito e o reconhecimento por parte do poder público, de dirigentes de entidades e organizações, e da sociedade em geral.

Também, na década de 1980, começa a germinar a ideia da criação do Conselho Profissional dos Técnicos Industriais, o que, naturalmente, não constitui uma das medidas mais simples de se concretizarem. Nas últimas duas décadas, por exemplo, apenas dois conselhos foram instituídos: em 1998 o CONFEF – Conselho Federal de Educação Física, e em 2010 o CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo, abalando sensivelmente as estruturas do Sistema CONFEA/CREA. A expectativa dos técnicos aumentou com a publicação da MP nº 1549/1997 e da Lei nº 9.649/1998, que em seu artigo 58 modifica a estrutura dos conselhos, e ainda mais com a aprovação do Senado Federal – em tempo recorde, 30 dias – do PLS nº 493/1999, de autoria do senador Ernandes Amorim (PPB-RO). Contudo, o STF – Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional o referido artigo, forçando o arquivamento do projeto em questão. “Mesmo diante das dificuldades, queremos o nosso conselho. Mas enquanto estivermos nesse [CONFEA – Conselho Federal de Engenharia e Agronomia], exigimos uma representação digna”, costuma enfatizar o presidente do SINTEC-SP.

Em 2000, pela primeira vez os técnicos tomaram posse no CONFEA e nas câmaras especializadas do CREA-SP, conquistando o direito ao voto e quebrando uma barreira de mais de cinco décadas. “A principal meta ao assumirmos esses cargos é pela defesa de um CONFEA atuante, democrático e que, de fato, defenda os interesses legítimos dos profissionais agregados ao conselho”, declarou, na ocasião, o conselheiro federal Wilson Wanderlei Vieira.

Atualmente, em trâmite conclusivo na Câmara dos Deputados, o PL nº 2.861/2008 irá, assim que aprovado, instituir o piso salarial da categoria. Mobilização não falta, como a campanha de 2009, quando representantes técnicos literalmente vestiram a camisa e coloriam o Congresso Nacional de amarelo. Desde então, as reuniões com o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), têm sido frequentes para que o projeto seja incluído na pauta de votação do Plenário da Câmara.

Em suma: de 1979 até hoje muita coisa aconteceu. O que não mudou, no entanto, é o propósito do SINTEC-SP em continuar representando, com dignidade e respeito, milhares de profissionais técnicos de todas as regiões do Estado, defendendo seus direitos nas negociações coletivas, trabalhando pela valorização profissional junto às empresas e órgãos públicos e, essencialmente, atendendo à comunidade com hombridade, caráter e profissionalismo. Afinal, é em cada comunidade que todo trabalho técnico encontra seu maior mérito, sua maior motivação, seu maior orgulho.

Fonte: SINTEC-SP em Revista - Edição 154

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José Donizetti Morbidelli
Enviado por José Donizetti Morbidelli em 03/12/2012
Reeditado em 06/12/2012
Código do texto: T4017732
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