Dissuasão, estratégia policial

“É aconselhável a força do convencimento, do que o convencimento da força”. Antes da dissuasão, que prevaleça a persuasão que é a força do convencimento. A dissuasão não pode e nem deve ser a primeira medida policial a ser posta em prática diante de uma massa humana mesmo oponente, isto seria um pragmatismo desnecessário e demasiado precipitado; se houver premente necessidade, esta medida deve ser refratária, depois de avaliar todos possíveis benefícios e os impactos negativos e outros episódios impresumíveis advindos de uma ação de dissuasão, ressalvem-se, enquanto as adversidades não comprometerem gravemente a ordem pública. No controle de distúrbios, dissuadir é saber chegar à vitória com todas as possibilidades, sem massacrar os adversários, sem torturas, sem baixas e sem ódio. É apenas o bom manejo dos meios e o uso das forças suficientes e necessárias, empregados com equivalência, no tempo certo e enquanto oportunas.

Se não existe mais o que persuadir e se presumivelmente já se esgotaram todas as formas e canais de negociação, portanto, completamente fechadas todas as possibilidades de diálogo e, à medida que o movimento cresce os manifestantes avançam na direção de uma ação mais antagônica, insidiosa, comprometendo a ordem pública, mesmo assim, a polícia ainda pode apostar numa retomada da situação, adiando qualquer medida repressiva radical enquanto a segurança permitir. Logo o porta-voz deve lançar mais um ultimato à rendição dos ânimos daqueles mais exaltados, mostrando que o comportamento de alguns militantes já transcende às fronteiras da aceitabilidade, e, se configurado um delito penal, é dever da polícia adotar as medidas policiais repressivas e judiciárias cabíveis. Na hipótese de perdurar o mesmo estado de transição de comprometimento à ordem pública, compete ao comandante da operação fazer os contatos com o escalão superior estratégico, circunstanciando a evolução do quadro, solicitando instruções. Insistir na paz é um procedimento necessário. Enquanto isso, ninguém pode perder a calma e nem tomar iniciativa apressada para não se deparar com o risco de um grave erro. Não se pode deixar de reconhecer que a missão é a mais difícil no serviço policial, embora todas sejam complexas e tenham seu grau de risco. Conhecidas as tentativas de negociações políticas que não avançaram ou fracassaram e não havendo restabelecimento da ordem pelo espírito espontâneo dos manifestantes, por último a dissuasão será o próximo encaminhamento, que deverá ser elaborada por fases gradativas. E será que isso resolve? – Não. Sem sombra de dúvida não é a solução, mas algo tem que ser feito a tempo e quando não há mais nenhuma medida clínica a se administrar, a situação exige um tratamento final protocolar eficaz que pelo menos estacione o avanço do quadro de violência instalada, mesmo que a medida seja radical e futuramente criticada. Mas dissuadir não é sinônimo de massacrar e nem de uma atitude de violência extrema, avocando só prerrogativas legais para justificá-la, desprezando as situações de fato que também se mostram relevantes e que pesarão quando da apuração dos resultados. Deve-se ordenar uma escala crescente de atos dissuasivos, pelo menos, utilizando dez práticas dissuasivas elementares, especialmente, no campo tático e de influência psicológica, antes de partir para uma ação radical e eficaz. Diante de uma grave situação em que a persuasão não se mostrou eficiente apesar de bem colocada, o que não se pode é deixar de se tomar uma atitude adequada, ainda que pouco convencional, mas que não seja paliativa. Antes de iniciar qualquer medida radical, a iniciativa deve ser precedida por inúmeros contatos com escalões superiores, inclusive, para dividir responsabilidades futuras.

Dissuadir – Palavra que deriva do latim “dissuadere”, e pelo dicionário, o termo significa fazer mudar de opinião, tirar de um propósito; desaconselhar; despersuadir; é o antônimo de Persuadir. Dissuadir pelo medo: fazer temer as conseqüências de cometer um ato que possa gerar represália muito violenta.

Enquanto a persuasão se faz pelo convencimento, a dissuasão pode ser alcançada até pelo emprego da força, isto é, coercitivamente, portanto, por uma imposição. Enquanto a persuasão visa induzir a um juízo, a dissuasão procura fazer mudar um juízo já instalado.

A dissuasão policial é uma ação estratégica consciente e conseqüente, representada por um conjunto de ações repressivas para desaconselhar incisivamente e desencorajar um eventual adversário inconseqüente a não empreender uma ação de força contra segmentos da sociedade, inclusive, praticada contra a ordem pública e/ou o aparelho policial, sob pena de sofrer represália eficaz. Quando necessária, ter sempre o cuidado de fazer uso moderado das forças e dos meios, pois, a toda ação, corresponde a uma reação equivalente, para que o efeito não seja o contrário e mais comprometedor para todos. Mesmo que uma autoridade tenha recomendado a aplicação de uma força dissuasória para conter excesso de uma multidão, isso não implica na utilização de uma atitude arbitrária, até porque quem fez a indicação da tropa de choque para conter as manifestações, embora não descarte uma eventual ocorrência de arbitrariedade, presume e imagina que esteja indicando um contingente profissional, formado e treinado na arte de tratar com turbas de comportamento radical, e que também se mantém consciente da possibilidade de assumir parte dos resultados como cúmplice da operação, mas que aposta na profissionalização de seus policiais. O que resta a quem comanda uma operação em que se imagina a necessidade de uma atitude dissuasiva é avaliar o quadro e as suas repercussões; agora, se necessárias, solicitar melhores instruções, fazer a opção pelas técnicas mais adequadas à situação e administrar a posologia certa, para que as conseqüências não sejam mais drásticas do que as provocações. Em qualquer situação, a prudência traduz melhores resultados. Porém, é bom que se tenha consciência de que a tropa de choque policial não é exclusivamente dissuasiva, para que igualmente não possa ferir os mesmos princípios constitucionais e legais presumivelmente contrariados pelos manifestantes, para que facilmente os policiais não possam ser levados às barras dos Tribunais de Justiça e às condenações com duras penas e às reprovações de toda sorte. A sociedade não acata nenhum procedimento abusivo ou violento da sua força policial, mesmo que argumente a defesa das instituições. Há um tempo para tudo, para contemplar, ensaiar, aguardar, contemporizar, conquistar, ouvir, pensar melhor, ser refratário, aconselhar-se, decidir e até para recuar estrategicamente, sempre antes de agir drasticamente. O que não se pode, como Comandante, é submeter a tropa à uma ação arbitrária pois sempre levará policiais bem intencionados aos procedimentos judiciais constrangedores e condenações de toda sorte, inclusive, demissões e reclusões, definindo um futuro nefasto prematuramente, sem que ninguém se interesse pela causa de quem se envolveu por ter sido indicado para compor uma tropa de dissuasão e que sem discutir deveria cumprir ordens. Certo que eventualmente alguns policiais no exercício de suas atividades cometem atos censuráveis, no entanto são obrigados ou induzidos a cometer excessos em razão do tipo da missão, pois os desafios são ainda maiores e a situação mostra-se de difícil controle, no entanto poucos se convencem disto e fazem julgamentos precipitados e sempre contra subordinados. Neste mesmo diapasão, como resultado de uma ação incongruente e precipitada da chefia poderão ocorrer um derramamento de sangue e lesões graves de toda ordem, correspondendo às vítimas de um massacre, às vezes, praticadas sob a afirmativa duvidosa de controle de multidão exacerbada. Portanto, toda ação dissuasória tem que ser muito criteriosa, bastante pensada, confabulada, sobretudo, inserida em protocolo de procedimento policial.

Ao estabelecer-se e ocupar suas posições conforme o planejamento e a iniciativa do Comandante, é prudente que a tropa passe a desempenhar uma “Demonstração de Poder” que difere da “Demonstração de Força”, até aproveitando a energia e maneabilidade da tropa enquanto suas frações estarão se posicionando no terreno, e, após a disposição de cada grupo ou pelotão, sempre haverá tempo para promover uma série de movimentos dentro do capítulo da ordem unida a pé firme, no contexto daquilo que se pode denominar de Demonstração de Poder, que significa apresentar o grau de treinamento, disciplina e o nível dos equipamentos e armamento da tropa. Isto exige muito treinamento. A demonstração de poder antecipa-se a uma demonstração de força ou dissuasão; a demonstração de poder é uma estratégia policial pacífica que sugere uma mensagem aos manifestantes e a toda multidão, ainda atuando no campo da persuasão, dando conhecimento do seu preparo técnico, do império da profissionalização, sua disciplina, seu treinamento, sua formação, sua articulação e sua eficiência, a sua energia e vigor físico, ao mesmo tempo em que apresenta seus equipamentos e armamentos que farão uso se a situação exigir. A Demonstração de Poder muito difere da demonstração de força. Na demonstração de força, a polícia pode sair da sua simples e atuante presença ostensiva a uma atuação repressiva, ou mesmo da persuasão a uma ação coercitiva, progredindo por todas as fronteiras da legalidade, onde e quando o uso da força necessária é sempre compatível e reclamado pela sociedade, para a preservação da segurança de todos, diante de uma grave ameaça à ordem, para preservá-la ou, por último, restabelecê-la, pronta e eficazmente, promovida por segmentos adversos e inconsequentes que se escondem no manto do anonimato, no âmbito de uma turba, multidão ou aglomeração, ou escudando-se na impunidade presumida. Se for justo e direito uma reunião para defender pacificamente a causa de uns e com acatamento constitucional, é sempre perigoso afrontar as instituições, inclusive a ordem pública, contudo, é compulsório às forças policiais defenderem a segurança de todos, sobretudo, diante de uma ameaçada iminente.

Finalmente, não se pode esperar de uma tropa de choque um procedimento excessivamente generoso ao substituir uma força de policiamento preventivo regular que não tenha sido acatada na sua prática maleável de policiamento que se antecipou ao segmento de ação repressiva. A atividade dominante do choque alinha-se pelo campo da dissuasão, ainda que necessariamente moderada, mas suficiente para manter o equilíbrio da ordem pública. Mesmo assim, ainda há de se entender que qualquer ramo da polícia pode praticar o seu poder de persuasão equivalente à situação oposta, portanto, antes que a tropa possa ensaiar qualquer prática dissuasória, que outro porta-voz se antecipe, e, novamente em nome de quem comanda a operação, procurando convencer e influenciar para que os sensatos militantes e até os mais radicais conscientizem-se da necessidade de uma urgente avaliação das suas posturas comprometedoras e que encaminhem suas atitudes dentro de uma abordagem mais compatível para a segurança pública, visando o bem estar de todos, pois a própria Constituição do País assegura que a segurança pública é dever do Estado, mas também é responsabilidade de todos. Ao final, o porta-voz agradece a atenção dispensada, enquanto a tropa aguarda que os rebeldes rendam-se a um novo juízo de valores. Não se conhece história de que uma tropa de choque tenha retornado sem cumprir sua árdua missão, mesmo que os manifestantes frontalmente tenham desrespeitado o permissivo constitucional de reunir-se pacificamente, e por conta, desafiando a polícia, como se esta pudesse se render aos seus criminosos caprichos; este desafio não a intimida, até porque a polícia representa a lei, e a lei pode até ser flexibilizada, mas não admite rompimento. Dura lex, sed lex.

Conheça também deste autor no Recanto das Letras: "Persuasão na Segurança".

(Uma contribuição do site www.brasilseguranca.com.br)