A Copa das Manifestações & a Polícia

Neste faustoso mês de junho de 2013 o Brasil sediou, simultaneamente, nas Arenas e nas suas ruas e logradouros, duas grandes Copas, ainda que em palcos bem diferenciados e motivações distintas, sem nenhuma sinergia e com enfoques paradoxais, sem dúvida, dois grandes eventos no nosso território. Apresentando simetria, num extremo, um bonito espetáculo esportivo programado e de interesse internacional, o outro, um episódio inesperado, local, surpreendendo a todos, essencialmente espontâneo, mas não menos importante, e de relevante significado para os brasileiros.

Solenemente e com muita pompa, a FIFA capitaneou o futebol das Confederações nos nossos modernos estádios recém-construídos, suntuosos até demais diante da acentuada diferença regional brasileira, com alto custo para o erário, conflitando com a realidade do povo, com as arenas sediadas nos grandes centros urbanos e de vocação turística, para dar cumprimento às programações oficiais, legitimas e previamente acordadas em protocolos, que a todo vapor criaram estruturas para abrigar os interesses imediatos para dois rápidos eventos em cada gramado, como se os chamados indicadores sociais, então propalados, há muito esquecidos pela retórica antes emulativa, todos já estivessem com seus celeiros recheados de prioridades e oportunidades, em que pese a atual angústia da crítica qualidade de todos os serviços públicos do País, sempre questionados e defasados.

A população com perfil descontente, sem discurso de abertura e desprovida de qualquer glamour, predominando uma juventude irreverente e ávida por justiça, sem nenhum anúncio protocolar, sem liderança, utilizando essencialmente a força da mídia virtual fez todo o País acordar para a resolução de seus problemas iminentes e adormecidos no berço das promessas, e, mobilizada pela defesa da causa pública, como num cenário casual, logo entra em ação encarando o protesto como solução pragmática. Com fundamento no permissivo constitucional que garante o exercício das pacíficas manifestações populares, todos entram em cena expressando acreditar na sensibilidade dos governantes, contudo, desafiando o sistema com a multidão compacta em marcha, ocupando as vias públicas, acampando e saturando os acessos dos palácios-sedes dos poderes públicos, alterando a rotina das urbes, utilizando palavras de ordem, exibindo cartazes bem sugestivos e alusivos às suas reivindicações, entoando o exórdio do Hino Nacional como sinônimo de patriotismo e ostentando bandeiras verde-amarelas desfraldadas e tremulando pelas vias, entretanto, um movimento divorciado de proselitismo político, incorporando massa de diversos estamentos sociais, entre eles, oportunistas e desordeiros disfarçados em nacionalistas.

O esporte, sob conforto e pronta segurança do Estado, disputando e aplaudindo o mérito das equipes superiores que driblam os adversários com a bola que rola dos pés às redes que balançam, gerando um espetáculo de rara beleza, um bom exemplo para outros embates entre equipes domésticas e suas torcidas locais sempre antagônicas, rivais, desafiadoras, que disseminam a violência, comprometendo a todos.

Movido por sentimentos reprimidos, o público pacífico caminha sob o signo da democracia, encarando o efeito do desconforto patriótico e das intempéries naturais e frontispício às reações de controle do Estado na defesa legítima das instituições. Os expectadores desta nova ordem, no silêncio das suas convicções, ficam perplexos diante de tanta irreverência dos jovens em árdua marcha pelas vias terrestres por um Brasil novo e ancorado à justiça social.

A despeito de qualquer crítica de segmentos emotivos, numa atitude cogente, ali, no palco das manifestações, o segmento policial permanecia inflexível e postado ante as atitudes de elevado risco para a segurança, aguardando oportunidade para administrar as medidas recomendadas e necessárias a cada adversidade contrária à ordem nas ruas, caracterizando ações de turba, incluindo a visível e perigosa utilização de coquetel molotov entre outros artefatos e explosivos de fabricação caseira. Apesar de enfrentar ações predatórias, a força pública agiu com uma defensividade de efeito moral, sempre moderada para o tamanho do conflito, apresentando tropa em formação persuasiva, com emissão de balas de borracha, gás lacrimogênio e espargindo o moderno e passivo spray pimenta, todos com um mínimo de ofensividade para conter os ânimos mais exaltados, prevenindo excessos recorrentes, desencorajando ações criminosas contra a ordem e o patrimônio, numa tentativa frustrada de garantir a incolumidade pública, diante da desproporção de efetivo policial em relação à multidão que crescia em progressão geométrica, ampliando uma frente de baderneiros inconseqüentes. O desafio mais difícil seria separar os manifestantes com diferentes propósitos quando se posicionam num mesmo palco onde muitos desafiam o aparelho policial ou quebram a ordem de forma radical, exigindo que a tropa exercite sua missão, mas sem causar insatisfação de todos os lados e no tecido social como um todo. Para uns, a polícia excedeu, para a ordem pública o segmento coercitivo foi muito cauteloso diante da plausível violência praticada causando elevados prejuízos de toda sorte, para a coletividade e para o Estado. Diante das críticas dirigidas à Polícia, o que falta ser entendido e esclarecido é que nenhum destacamento policial vai às ruas por iniciativa própria e nem quando não se faz necessário e jamais se mobiliza por razões emocionais, apenas cumpre ordem conforme interesse do poder a que se subordina, enquanto obedece a ordem de marcha para aplicar a posologia prescrita como resposta às desobediências. A polícia não se omite, não reage, apenas atua para suprir interesses no desequilíbrio da segurança pública como missão constitucional, ainda que não esteja isenta de praticar erros de percurso pela defesa do cidadão e está sempre consciente de que seus integrantes sujeitam-se às cortes judiciárias. A força policial pode até recuar como estratégia ou para não se tornar arbitrária perante um novo quadro de passividade adotado pelos oponentes. Como também não pode e nem deve ser despótica, jamais vai fugir do teatro das operações, capitulando, logo, desacreditando-se perante a opinião pública, o que não poderá ocorrer. O controle de distúrbio não se faz num ambiente confortável, mas de plena hostilidades, o fogo é sempre cruzado, pois o campo se mostra minado de insídias, onde o clima é de elevada tensão para todas as partes, e ainda que a tropa se proteja com equipamentos bélicos, também sofre baixas e acentuada censura até dos vândalos oponentes.

Nos gramados, para o delírio de uma grande platéia paga e para o deleite dos aficionados do esporte, ali os mais fortes vencem seus adversários esportivos semelhantes, vindos das pátrias e bandeiras de todos os continentes, ora representados nas nossas arenas. Acolá tudo evolui em plena harmonia, sob o vigor dos fortes aplausos e civilizadas emoções esportivas, apesar da dura realidade fora das arenas, tudo separado por rápidos noventa minutos de disputa.

Mais distante, lá no asfalto, o exercício da democracia garante terreno aos manifestantes, legalmente protegidos se exercitá-la com responsabilidade e atenção republicana, garantindo a ocupação do espaço físico público em todo o território nacional enquanto plácidos, que marchando em frente, muitos caminham na direção das conquistas, cobrando avanços sociais que se encontram latentes nas burocracias e formalidades desprezíveis, suplicando aval nas prioridades, pela pronta implementação e equidade de direitos dispersos por toda a população.

A cidadania logra êxito e reconhecimento público, sensibilizando gerações então ativistas. No Planalto Central, anunciando pronto atendimento, o poder se rende à legitimidade das reivindicações justas, ecoando das vozes anônimas do povo nas ruas saturado de gases, mas vibrando e resistindo em razão da causa que abraçava e nela acreditava, enquanto todos aguardam o cumprimento dos programas anunciados em cadeia nacional.

Não fazem coro nos movimentos legítimos e republicanos os grupos que promovem o vandalismo ideológico infiltrados nas aglomerações pacíficas, protegendo-se pelo anonimato criminoso com elementos encapuzados e até mascarados, nem os abjetos saqueadores e baderneiros oportunistas em flagrante desrespeito e iminentes violações criminosas e nem aqueles que provocam e desafiam a força pública, representando o Estado pelo emprego de atos policiais e o faz conforme protocolo operacional, observando diretrizes táticas, desempenhando estratégias programadas e obediência às disposições legais, mesmo com efetivos fracionados e contingentes em desvantagem, tudo manifestado pelo braço fardado e avançado do poder, a Polícia Brasileira, valorosa e imbatível, limitando-se aos parâmetros constitucionais, assim como é constitucional toda reunião pacifica com seus membros desarmados.

Que toda violência seja suprimida e que se tome a ordem pública como parâmetro para se alcançar os objetivos maiores de todas as partes. “Se o amor com amor se paga”, mas o fogo como fogo se responde, é o princípio de defesa, observadas as proporções e a oportunidade de emprego. Que cresça pelos caminhos das mudanças, da justiça, do bom exemplo, da ética pública e da coerência o Brasil assim almejado por todos nós.

Em 23 de junho de 2013.