Áreas de recuo (das calçadas)

Como se já não bastassem todas as imperfeições no leito das calçadas, surge um grande número das chamadas “áreas de recuo” à frente dos estabelecimentos comerciais e outros ramos afins, aproveitando o reduzido espaço que separa a via pública da frente desses prédios, pela derrubada dos seus muros, transformando aqueles apertados trechos em parques reservados ao estacionamento dos veículos de seus pretensos clientes, trazendo com isto, uma série de transtorno para o pedestre.

As nossas velhas calçadas já se mostram em parte carecendo de recuperação e atenção por apresentarem superfícies deterioradas, pedregosas, onduladas, estreitas, em desníveis, sendo algumas com degraus, outras com muita inclinação no eixo transversal, baixo coeficiente de atrito, a maioria sem proteção contra as chuvas e insolação, todas comportando posteamento e marcos de sinalização de trânsito, entradas para garagem e bases fixas para lixos orgânicos e outros resíduos sólidos, algumas com árvores frondosas, a presença de dejetos de alguns pequenos animais domésticos, comércio ambulante, veículos estacionados com duas rodas laterais sobre o passeio, afora inúmeros caprichos e vícios de certos moradores frontispícios, tudo isto fazendo complicar a vida dos transeuntes, principalmente das crianças, anciões, mulheres grávidas, e pessoas portadoras de alguma deficiência física que lhe cause dificuldade de locomoção.

Ao tempo em que as cadeiras quase não são mais colocadas nas calçadas às tardes, cujos moradores recuaram por questões da violência que afronta a todos, aparentemente devolvendo os espaços aos pedestres, portanto, ao invés de serem ampliadas essas áreas de circulação, historicamente reservadas aos pedestres, contrariamente, algumas vêm sofrendo um novo afronto, eis que aparecem novos obstáculos, surgem as áreas de recuo, principalmente no âmbito dos prédios transformados em pontos de natureza comercial, sobretudo, implantadas nos anéis centrais das cidades, onde a população mais caminha a pé. Como “área de recuo” pode se entender como sendo o espaço físico resultante da retirada dos muros ou outras cercas da frente ou lateral dos prédios, adequando a área para o estacionamento de veículos, entre os estabelecimentos e as margens das vias de circulação, sendo a maioria tecnicamente imprópria, além de ilícita.

Indiscutivelmente, a maioria dos passeios apresenta sinais de abandono, carecendo da presença do poder público de todo nível, à medida que se amplia a urbanização apenas no sentido de viabilizar e priorizar mais o trânsito de veículo, ficando o pedestre a concorrer já com muito prejuízo, a mercê da própria sorte, perdendo espaço para os veículos estacionados normalmente na posição em diagonal cruzando a exata linha de prolongamento desses passeios, desviando o eixo da calçada na direção dos prédios fazendo aumentar esses percursos, além de reduzir drasticamente o espaço dessas calçadas para melhor acomodar os veículos, portanto, em pleno desrespeito à pessoa do pedestre, o qual há muito vem sendo expulso pelo tráfego de bicicletas, motos e motonetas sobre o espaço que ainda resta dos passeios.

Dentro deste universo de invasão às calçadas, ainda há de considerar que em muitos dias às noites, à frente dos chamados barzinhos e outras atividades afins, inescrupulosamente, seus proprietários estendem suas mesas e cadeiras forçando o pedestre a utilizar as faixas de tráfego, utilizando e reservando os passeios para aqueles que vão se fartar com bebidas alcoólicas nas vias públicas, sem nenhuma proteção nem para os clientes e nem para o pedestre o qual é obrigado a descer para o asfalto, cuja ocupação inadequada do espaço do pedestre constitui um flagrante desrespeito às posturas municipais.

Aqueles recuos transformados em estacionamentos já trazem consigo o desvio do prolongamento do passeio, aumentando as caminhadas para quem está a pé e em razão do estreitamento arbitrário da calçada para acomodar os veículos longos, estes passam a dificultar mais a possibilidade de uso desses passeios, pois, quando o veículo não encosta sua frente na parede existe um jardim com espinhos no espaço onde deveria ser a calçada. Se o pedestre para não acompanhar a curva do desvio dado à calçada que orla o recuo preferir descer e invadir a faixa de tráfego com iminente risco de vida, advindo com a possibilidade de acidente, este prejuízo não fica só com ele, como não poderia ser, igualmente é dividido com o Estado em razão do acolhimento médico e afastamento das suas atividades profissionais dessas vítimas, conseqüente salário doença e outras despesas, onerando ainda mais o contribuinte, sem que ninguém seja responsabilizado. Aqueles projetos de ampliação dos estacionamentos desrespeitam a lei de uso e ocupação do solo, as autoridades, as pessoas e o tráfego. E mais, uma vez estacionados em posição oblíqua, os veículos conservam suas traseiras sobre o leito das vias, reduzindo a capacidade de tráfego das artérias.

Na definição de via terrestre aberta à circulação pública, as áreas de recuo estão inseridas como tal, visto que empurram as calçadas para o interior das propriedades, como regra, só este fato já faz presumir que estes recuos estão abertos para utilização geral, clientes e não clientes, contrariando o egoísmo de quem administra o espaço, erroneamente imaginando privativo e exclusivo seu e dos possíveis clientes. Não se pode restringir o que está aberto à circulação, sobretudo, com a vigência do atual Código de Trânsito Brasileiro, que no seu art 2o. considera como vias terrestres até as vias internas pertencentes aos condomínios.

Já está na hora das prefeituras municipais das urbes de grandes e médios portes, em convenção nacional, adotarem procedimentos uniformes para a formação e conservação das calçadas e regramento para estas áreas de recuo, orientando, disciplinando e fiscalizando essa construção, fazendo conservar as medidas originais em toda extensão do desvio, evitando que se ampliem sem parâmetros, antes que causem graves desrespeitos à circulação do pedestre e do tráfego como um todo. Fazer desvio da linha longitudinal das calçadas constitui uma violação aos direitos do pedestre, o que faz presumir a obrigatoriedade de se pagar um imposto para que seja aplicado nos planos de melhoria das calçadas.

O novo Código Trânsito Brasileiro está aí cheio de paradigmas. Às prefeituras ele está conferindo grandes possibilidades para reorganizar o tráfego que há muito reclama um mínimo de sensibilidade humana. Vamos priorizar o pedestre.

No trânsito, não corra, trafegue.