Dinheiro: é possível viver sem ele?

Dinheiro: é possível viver sem ele?

Luiz Eduardo Corrêa Lima

Se as pessoas continuarem acreditando que o dinheiro é a coisa mais importante do mundo, vai ser muito difícil, talvez seja mesmo impossível para elas, o fato de conseguir viver sem grande quantidade do fatídico dinheiro. Entretanto, se as pessoas começarem a entender que o dinheiro não é um fim em si mesmo, mas sim que ele é um meio para nos levar a determinados fins. Isto é, que o dinheiro é apenas o veículo necessário para que seja possível adquirir (comprar) algumas coisas e que essas coisas é que podem ser ou não fundamentais. Se isso começar a acontecer, poderemos entender que o dinheiro, embora possa até ser algo importante, não é efetivamente fundamental e deste modo, certamente será possível sim, viver sem a sua dependência total.

Isso quer dizer que nós estamos de frente para duas alternativas quase que diametralmente opostas e precisamos tomar uma decisão imediata sobre qual delas é prioritária:

1 – O dinheiro é mais que importante, ele é fundamental e vital;

2 – O dinheiro é importante, mas não é fundamental e muito menos vital.

Se você admitir a primeira alternativa, então devo lhe perguntar o seguinte: as atividades de comer, beber, dormir, excretar, reproduzir, respirar e outras funções biológicas são importantes ou são vitais? Por outro lado, também devo lhe perguntar de onde vêm todas as coisas que você usa cotidianamente, como o alimento que você come; a roupa que você veste e protege seu corpo; a madeira, a rocha e o metal com que você constrói a sua casa; a água que você bebe, o ar que você respira e outras coisas mais específicas que você utiliza nas diferentes funções? E mais, devo perguntar ainda se esses materiais também são importantes para você ou são vitais?

Pois então, acredito que o dinheiro serve apenas e tão somente para permitir a aquisição das coisas que vão lhe permitir continuar vivendo, ou melhor, aquelas que são realmente vitais. Assim, me parece claro que os recursos naturais são fundamentais e o dinheiro serve apenas para atender as necessidades de compra e aquisição dos recursos naturais, os quais você realmente precisa. Sendo assim, efetivamente você não precisa de todo o dinheiro do mundo, você precisa apenas do dinheiro necessário à sua subsistência. Isto é, aquela quantidade de dinheiro necessária para que você possa comprar aquilo que verdadeiramente precisa.

Mas, eu tenho a impressão (quase certeza) que a questão da dependência do dinheiro não está só no que acaba de ser dito, porque isso me parece óbvio e de fácil entendimento para a grande maioria das pessoas. O problema maior está no fato de que hoje muitas pessoas vivem num tempo e numa condição em que elas são levadas a imaginar de forma ilusória, mágica e enganadora que “têm que necessitar de dinheiro sempre mais, mais e mais”, apenas para satisfazer também outras necessidades, as quais não são fundamentais. E assim, obviamente não existe dinheiro que satisfaça essa incrível feitiçaria, porque sempre surgem novas “necessidades” e consequentemente nova “dependência de dinheiro”.

Quer dizer, existe um ciclo vicioso, ou melhor, um ciclo “viciado”, que leva a precisar sempre e cada vez mais daquilo que na verdade não se precisa nunca e desta maneira sempre há uma falsa necessidade de mais dinheiro. É exatamente como disse o empresário Norueguês, Oystein Dahle: “As pessoas usam o dinheiro que não têm, para comprar as coisas que não necessitam, para impressionar outras pessoas que não conhecem”.

Esse é o principal efeito maléfico do capitalismo selvagem, o insuportável e degradante consumismo, que ajudou muito a arruinar o planeta e destruir inúmeras vidas humanas ao longo da história. O problema não está no capitalismo, nem no dinheiro, mas está sim, no consumismo. Na estranha mágica do consumismo o ser é suplantado pelo ter e assim, se acaba dando mais importância ao que se tem do que ao que se é. Desta maneira é mais importante ter do que ser. Esse fato ilusório transformou a humanidade em simples objeto do interesse monetário. “A coisa que eu compro e consumo é sempre muito mais importante do que a coisa que eu sou.”

Essa coisa que as pessoas sempre acham que precisam, mas que não precisam de fato, consiste naquilo que se convencionou chamar de supérfluo. A maior parte (quase a totalidade) do dinheiro é gasta na compra desses famigerados supérfluos. O consumismo, que atualmente é a principal causa de degradação planetária consiste nisso, na eterna aquisição de supérfluos e por isso existe essa sede incessante de dinheiro por parte das pessoas, a fim de que possam consumir cada vez mais.

A exigência imposta pela propaganda sobre a necessidade de adquirir os supérfluos e o consumismo nos colocam reféns de nossa própria vontade perante a opinião pública a todo momento. Nós não podemos ficar para trás e se alguns podem ter umas coisas, outros também podem, ou melhor “precisam” e “devem” ter. Assim, sempre é necessário mais dinheiro, para se comprar mais supérfluos. Desta maneira quem sofre é o planeta que tem que continuar fornecendo matéria prima (recursos naturais) para as nossas exigências sempre maiores de supérfluos, além dos recursos efetivamente necessários. Pois então, foi exatamente esse pensamento incoerente, infeliz e anacrônico que levou o nosso planeta a esse estado caótico de degradação ambiental e a nossa civilização a essa condição lamentável de violência e de insanidade, principalmente nas áreas urbanas.

Essa situação não pode ser considerada nada boa e se não é boa, também não pode ser fundamental e muito menos vital. A sua continuidade é que será vital, no sentido de que acabará com a vida humana na Terra. O consumismo exacerbado é um câncer e progressivamente será letal aos seres humanos. Nós podemos e devemos ter que parar com essa hemorragia de recursos naturais e de dinheiro que o consumismo e os seus principais agentes, a propaganda e o marketing produziram no nosso imaginário coletivo e que transformaram o comportamento da maioria dos seres humanos, fazendo com que passassem a consumir supérfluos indiscriminadamente.

Por outro lado, se você admitir a segunda alternativa, isto é, que o dinheiro não é fundamental e muito menos vital, então você já está no caminho certo e quero acreditar que nem tudo está perdido e que ainda há luz no fim do túnel. Entretanto, você não pode simplesmente abdicar do dinheiro, até porque você, como qualquer ser humano, faz jus e realmente necessita de alguma quantidade de dinheiro para garantir o seu sustento e assim conseguir sobreviver. Por isso mesmo você deve ter um trabalho o que, aliás é outra coisa extremamente significativa, em determinado sentido necessária e certamente muito mais importante do que o dinheiro.

Ao contrário do que muitas pessoas são levadas a pensar, o ser humano precisa mais do trabalho do que do dinheiro. Deveríamos ter em mente o seguinte tripé: “Recurso – Trabalho – Dinheiro”. Isso quer dizer o seguinte: existe o recurso natural que eu preciso e então eu tenho que trabalhar para adquirir o dinheiro que me propiciará condições conseguir o recurso natural que eu almejo e preciso. Pensando assim, haveria uma tendência maior de que ninguém ficasse sem trabalho e consequentemente sem dinheiro para adquirir os recursos naturais necessários à sobrevivência. Por outro lado, esse pensamento ainda traz no seu bojo outra grande vantagem, pois o homem utilizando apenas os recursos efetivamente necessários (sem supérfluos) não teria como esgotar os recursos naturais do planeta da maneira degradante como até aqui tem acontecido.

Não há mágica na natureza e como dizem os economistas: “não existe almoço grátis, porque alguém sempre tem que pagar a conta”. Até aqui quem pagou a conta foi o planeta Terra com seus recursos naturais e certamente ela deverá continuar pagando, porque todos os recursos continuarão vindo diretamente da natureza, porém temos que criar mecanismos que impeçam os excessos de consumo e principalmente o excesso de consumo de supérfluos e também a reposição daquilo que é necessário Está na hora de todo ser humano compreender que a quantidade do dinheiro tem que ter a dimensão da necessidade natural e real de cada indivíduo.

Excesso de dinheiro também é supérfluo, porque permitirá a continuidade do excesso de consumo. Não sou louco e não quero aqui tentar proibir ninguém de ganhar mais, quero sim ressaltar que ganhar mais pode ser uma possibilidade de degradação maior e que isso pode ser perigoso. O direito de comprar deve ser proporcional a capacidade de agir no interesse da natureza e da comunidade. Os excessos de dinheiro e de consumo certamente são maléficos ao planeta e a grande maioria das pessoas.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (58) é Biólogo e Professor de Ensino Superior, Médio e Técnico; Pesquisador, Escritor e Ambientalista, Vice-Presidente da Academia Caçapavense de Letras; foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.