Algo sobre o prefácio de Sartre a Frantz Fanon

Algo que me fez, várias vezes, deitar os olhos ao lado em reminiscência, quando lendo o prefácio de Jean-Paul Sartre para Os Condenados da Terra, de Fantz Fanon, foi ligar o “ressentimento” do homem colonizado, de que muito bem discute Homi K. Bhabha em O Local da Cultura, com o ódio — da classe média, principalmente — relativo à querela entre o pequeno-burguês e o pobre.

Tanto quanto o olhar do colono é exaltado e intolerante, a pequena-burguesia cria, desde cedo nos seus jovens, um ar repugnante de majestosidade e temerosidade: majestosa por se pensar num lugar de destaque e atribuí-lo ao seu empenho, ao seu sucesso. O pequeno-burguês tem sempre uma história antiga, em que começa de baixo (financeiramente), lenda que se inscreve como uma forma de afirmação da identidade dentro dele, — pois, na realidade, muitas vezes esteve constantemente protegido pela posse, conquanto pequena. Temerosa, pois teme perder esse lugar que o destaca, entre o grande rico, de quem tem inveja, e o cidadão com menor poder aquisitivo, sobre o qual se impõe, já como questão de orgulho.

É nítido, ao depararmo-nos com sua opinião, a revolta que demonstram, toda vez que assuntamos sobre problemas sociais emergentes. Ouvem-se brados como: “Eles culpam a gente...!”, “Eu não sou culpado...!”, “...porque ele tem uma casa caindo aos pedaços mas estava com um celular tal...”, coisas sem razão concreta, como se as classes à margem incitassem neles uma obrigação de se protegerem e um armamento explosivo, diante da sua desconfiança e a sua desigualdade. O seu orgulho firma-se à altura da espada em seus brados, nem do escudo nem do desejo de trégua; muito mais ressentidos, ou talvez rancorosos, que os afligidos. E isso me parece tão preocupante, por se tratar de Brasil, que me torno temeroso também, mas temeroso do efeito que isso gere à nossa população, em que guerra civil isso vai acabar?

Talvez seja como Sartre vá mostrando-nos no decorrer de seu prefácio: Não vai haver solução, há de se fechar a ferida pela saliência do pus, a ferida se cura com a ferida. Com outra ferida. Aí se feche quem sabe, ou não. A ignorância talvez nos guie até o fim de nossa permanência na Terra.