JOSÉ MAYER E A CULPA NOSSA DE CADA DIA

Não sou fã de fofocas - sejam as mundanas do dia a dia ou as mundanas que recebem atenção nacional-, telenovelas – atrações televisivas, de modo geral- ou do chamado “mundo das celebridades” (na minha opinião, CÉLEBRES são aqueles anônimos que fazem a diferença no dia a dia das pessoas: bombeiros, policiais, socorristas e tantos outros da mesma estirpe, nas mais variadas áreas de atuação), mas como Amante que sou, da Razão, não poderia deixar de comentar um – agora confirmado pelo autor- fato que vem rendendo acaloradas discussões nos últimos dias, na Terra Brasilis: o assédio sexual do ator José Mayer contra uma das figurinistas da Rede Globo.

O ato, em si, é plenamente reprovável e deve ser desestimulado e combatido por toda a sociedade. De antemão, afirmo que reputo como absolutamente verdadeira, a premissa de que NÃO EXISTEM JUSTIFICATIVAS para as diversas atitudes que podem ser contemporaneamente tomadas como abuso sexual. Isto posto, passo à análise de uma das nuances do caso.

Mas antes, uma importante ressalva: NÃO pretendo defender ou acusar quem quer que seja. Este é um exercício de reflexão, e imagino que para a maioria das pessoas, o conceito é autoexplicativo em relação ao objetivo.

Durante minha infância, quando havia a necessidade de ficar com minha avó enquanto minha mãe trabalhava, acompanhei algumas tramas televisivas da Globo, onde o ator atuava. Seu “Zé do Burro”, em “O Pagador de Promessas” figura na minha memória como um dos mais belos exemplos do que realmente significa Dramaturgia. Eu queria ter escrito aquela história. A cena da morte do protagonista na escadaria da igreja e seu transporte sobre a cruz que carregava, ilustra muito bem o que quero dizer.

Após personagens significativos como “Zé do Burro”, o ator foi alçado à categoria de “galã” – ainda que o próprio admita não ter a beleza daqueles que geralmente ostentam o “título”-, fascinando milhões de mulheres, país afora.

Não raramente, segundo minha memória em conjunto com uma despretensiosa pesquisa na internet, as personagens do “galã” José Mayer eram pinceladas com tudo aquilo que hoje, uma parcela cada vez mais significativa da Sociedade toma como reprovável: gratuitamente rudes, cafajestes, infiéis e, vez ou outra, machistas/misóginos. E foram estes personagens, com todos os defeitos, e a afinidade (natural?) para dar-lhes vida nas telas e palcos, que fizeram com que o então “caso de amor” do público feminino com o ator, chegasse ao nível de fazê-lo ser conhecido como “Zé Pegador”, entre seus pares de profissão e, claro, na internet.

Mais uma vez, deixo claro: este texto NÃO se propõe a acusar ou defender quem quer que seja, mas sim a fazer com que reflitamos sobre nossa parcela de culpa – enquanto público consumidor das mais variadas formas de Arte, ainda que na maior parte do tempo não nos atenhamos a isso- no processo de criação de personas e das situações causadas por elas.

Entendo que todo o assédio – e arrisco dizer, “idolatria”- direcionado ao ator, durante os últimos 30 anos, pelos seus trabalhos, fama, competência artística e, por último, mas não menos importante, dinheiro, influíram sobremaneira nos episódios relatados pela figurinista. E percebo este entendimento corroborado, quando ela afirma que ele perguntou “QUANDO você vai dar para mim?”. Reparem que ele não encarava como uma possibilidade, mas uma CERTEZA. Em sua cabeça, seria mera questão de TEMPO, até que seu desejo se realizasse.

Creio que àquela pergunta, nos últimos 30 anos, ele logrou várias respostas positivas e por isso, acreditou – com a estupidez de quem acredita que as pessoas saem de uma linha de produção e são exatamente iguais umas às outras- que mais uma vez, teria uma resposta positiva. Seu erro custou caro.

Imagino que a esta altura do texto, algumas pessoas devem estar encarando-o como uma “inversão de culpa”. Nada mais longe da realidade: aproveito o caso e a oportunidade para tentar fazer com que repensemos nossa –povo brasileiro- forma de encarar às pessoas, de forma geral, mas com óbvia ênfase para aqueles considerados “célebres”, seja pela mera exposição midiática (“Brothers” do BBB, por exemplo) ou por um efetivo talento artístico, como no caso de Zé Mayer.

Há quem defenda que “a TV emburrece”. Concordo em parte: obviamente, as produções são feitas para VENDER espaços publicitários aos “campeões” de audiência e, por isto, o conteúdo precisa ser o mais palatável possível, para o público-alvo. Tendo em mente que a educação – e por consequência lógica, o senso crítico- do nosso povo é sofrível, os idealizadores das atrações televisivas sabem que, quanto mais simples e apelativas, maiores as chances de uma atração proporcionar o retorno financeiro esperado.

Não obstante, também podemos e devemos fazer um “Mea Culpa”, em relação àquele aspecto: quantas vezes preferimos um bom livro àquela “espiadinha” nos “Brothers” ou na última cena da novela que acompanhamos com fervor pueril, desde o primeiro episódio? Quantas vezes preferimos visitar um ente querido no horário dito “nobre” -por reunir a maioria das famílias, em frente à TV- ou simplesmente experimentar uma tranquila caminhada sob o luar? Quem sabe, deixar de lado o “barraco” vespertino que a tantos diverte e sair para passear com seu cão, filhos, esposo (a) ou simplesmente mudar de canal, desligar a TV e buscar uma atividade mais edificante ou diferente?

São reflexões como essas que, defendo, também devem ser inseridas no contexto da discussão sobre o assédio perpetrado pelo ator, mas que passam batidas, diante da natural comoção causada tanto pelo episódio em si, quanto pela FREQUÊNCIA com que ele vem ocorrendo e sendo noticiado, nos últimos anos. E, para espanto dos ingênuos, por aqueles que, outrora, tomavam como exemplos de “perfeição”.

Não raramente, a vida imita a Arte, mas ao contrário da Arte, as mudanças na vida não podem dar-se ao luxo de esperar a última pesquisa de audiência, para definir seus desdobramentos. Que na iminência de apontar inquisidores indicadores para aqueles que cometem erros – dos mais inofensivos aos imperdoáveis-, lembremos que, por omissão ou ação, podemos ter parcela de culpa na criação dos “monstros” que veementemente, hoje, execramos.

Gustavo Marinho
Enviado por Gustavo Marinho em 04/04/2017
Código do texto: T5961528
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