Bíblia, Gramática, Jair Bolsonaro e Outras Futilidades...

     Como falar de um problema social, sem exemplificá-lo? No mínimo, fica bastante vago. Como explicar teorias científicas para alguém sem trazer amostras concretas sobre pesquisas já feitas? Certamente, vai ficar só na abstração.

       O mesmo, então, vale para estas situações:

* Como falar de preconceito, sem citar Bolsomito?
* Como falar na problemática da diversidade de gênero, sem comentar na bíblia e em seu Jesus?
* Como deixar de fazer humor com a fala do interiorano sem pensar na gramática portuguesa?


      Essas e outras coisas a gente pensa quando o assunto começa a tocar em pontos fracos dos vários "eus". O problema é que a massa superior (que assim se sente, digamos) não faz do momento uma oportunidade de reflexão sobre o assunto "preconceito", justamente porque não se sente atingida por esses pontos fracos, dolorosos. Um dos motivos do preconceito se disseminar também está aí, se pararmos para pensar. Se todos sofressem das dores por ele causadas, quem talvez se atreveria a atirar a mesma pedra? Quem cometeria, de fato, atrocidades verbais e não verbais advindas de tanto ódio, de tamanho preconceito?

      Quando pensei em trazer esse "triângulo odioso" – Bíblia, Gramática e Bolson... – foi pensando que, querendo ou não, elas são fontes primárias de preconceito, e não é mentira nem é para menos, pois, quando tomamos conhecimento de um assunto e o levamos como verdade – como a nossa verdade –, passamos a enxergar limitado. E isso pode ser (ou não) perigoso demais.

       Pegando alguns exemplos aleatórios, mas não menos importantes para a discussão desse assunto, podemos observar que...

*NA BÍBLIA: “Os homens que praticam o homossexualismo . . . não herdarão o Reino de Deus. (1 Coríntios 6:9, 10) Isso também se aplica às mulheres. — Romanos 1:26". Muitos dos que a leem acreditam que aqueles que se aplicam a essa passagem tem passaporte garantido para o inferno. Como se já não bastasse acreditar, impõem-na como lei mundial e correta aos que acham supérfluo esse tipo de literatura, como eu e muitos outros. Daí, pobres de nós, ficamos à mercê de julgamentos horríveis dos que acreditam estar praticando a palavra do Senhor. E se isso é "fazer o bem sem olhar a quem", como ensina as entrelinhas da Bíblia, passamos a notar que hipocrisia que ela nos deixa a desejar chega a ser escrota.

*NO MITO: que assim se tornou não por mim, nem por Taís Araújo (espero), nem por Pabllo Vittar (idem)... Mas por quem, afinal? Como dizem, é um assunto que dá pano pra manga, e não é para menos. Mas, quando pensamos em porte de arma legal e nos discursos desse homem hétero e branco, que preferia um filho morto a um filho gay e que teve filha mulher por "fraquejada", daí complica! Não querendo generalizar, mas é difícil de se acreditar que alguém, almejando igualdade de direitos, vá concordar com seus postulados. Quem, portanto, tem mais aversão a homossexuais, negros, lésbicas, feminismo, etc, nesse campo semântico de visão? Aqueles que acreditam e concordam firmemente (e bitoladamente) com suas palavras! Querendo ou não, é o que se deixa a desejar, aceite...

*NA GRAMÁTICA: e, por fim, o que dizer daqueles que acreditam que as normas são perfeitas e explicam todo o diacronismo e sincronismo da língua? Como a Bíblia e Bolsonaro, já mencionados acima, a gramática não fica distante: não é nada mais que um manual de regras que as pessoas aderem para si (às vezes, sem nenhum conhecimento!) para julgar os outros. O falar errado do coleguinha de classe; o jeito de falar da senhora camponesa ("leitE quentE dói os dentE"); o pobre do Lula, em seus discursos políticos, e assim por diante... Mais uma vez, estreita-se e limita-se o campo de visão!

          Pode-se concluir que, por mais que sejam três mínimos exemplos, eles dão conta de explicar algo que as pessoas, em geral, não costumam refletir sobre. Em outras palavras, algo de que gosto muito de utilizar para explicar questões assim: "o preconceito é fonte da ignorância e da bitolação". Ou seja, quando alguém se firma nos ditos do "mito" (não vou escrever a inicial com maiúscula, porque ele não é digno) e os usa como verdade, ignora os fatos e se bitola na realidade existencial daquele único ser. Quando alguém usa a gramática para explicar os fenômenos da língua, só se deixou levar pelo que leu (ou ouviu como "certo") e, como religião, prega falsa moralidade sob regras finitas para possibilidades adversas. Quando alguém usa a bíblia para explicar que casamento existe somente entre homem e mulher, deixa-se levar por uma crença que não passa a ser mais direito de ir e vir, porque corrompe e não respeita o outro que deseja fazer diferente. Enfim, como todo preconceito surge da ignorância e se arraiga nas diferenças (no falar "diferente", no constituir relacionamento "diferente", no ter cor de pele "diferente"), por que, afinal de contas, deveríamos tomar esses pilares obscuros, modernos e arcaicos do século XXI como religião?