Cabeça dura

A prática se repete diariamente, em todas as regiões do País. Nas residências, nos estabelecimentos comerciais, onde quer que existam seres humanos manuseando uma mangueira, lá estarão todas as possibilidades para o exercício do desperdício. Assim foi com a mulher que se ocupava em “varrer” a calçada com água, deixando esquecida no portão uma ferramenta muito antiga, específica para esse tipo de trabalho. Logo entabulou conversa com a vizinha do lado, tratando de assuntos tão variados quanto infinitamente mais importantes que o de uma torneira aberta sem necessidade. Por inacreditáveis vinte e sete minutos o líquido precioso se esvaiu para a rede de captação de águas pluviais, por conta da total falta de consciência de um povo cabeça dura ao extremo, que insiste em não colaborar com a coletividade. O primeiro impulso foi o de interromper o animado bate-papo para sugerir a instalação de um simples, barato e eficiente esguicho, porém, como o humor do brasileiro é reconhecidamente instável e a resposta poderia vir em forma de um sonoro “é você quem paga minha conta de água?”, a ideia foi logo afastada.

É sabido por todos que mesmo em épocas de chuvas constantes, não se recomenda utilizar água sem critérios, por conta da demanda crescente e problemas pontuais no abastecimento. Em alguns municípios existe até mesmo rodízio de fornecimento, a fim de atender os consumidores com razoável assiduidade. Mas o que se nota é que a única preocupação daqueles que se consideram imunes aos avisos e recomendações dos órgãos responsáveis é encher seus reservatórios e desfrutar, esbanjando sem culpa alguma, aquilo que será objeto de disputa acirrada em um futuro não muito distante.

O fato se verifica também na questão da energia elétrica. Nem mesmo sob a vigência das chamadas “bandeiras tarifárias”, o consumidor se mostra sensível aos apelos oficiais. As campanhas veiculadas na mídia objetivando o consumo consciente já não surtem o efeito de outrora e as consequências são imediatas, com a sobrecarga no sistema. Passou da hora de se buscar medidas efetivas para persuadir, mesmo que coercitivamente, as pessoas a mudarem suas atitudes com referência ao consumo de água e energia. Uma iniciativa exequível a ser analisada seria a implantação de tarifação diferenciada ascendente para o consumo excessivo, que poderia ser aferido pelas médias trimestral, semestral ou anual, pela quantidade de pessoas que se beneficiam do serviço na unidade consumidora ou ainda, alguma fórmula eficiente que venha a desestimular o consumo inconsequente.

A conscientização da população não se restringe ao consumo de água e energia. A destinação correta de resíduos sólidos carece de participação efetiva de cada indivíduo, no sentido da separação adequada de plástico, papel, vidro e outros materiais. Não custa nada, estimula positivamente as pessoas ao redor e ajuda a preservar o meio ambiente. Porém, a teimosia e a cabeça dura ficam ainda mais evidentes com as montanhas de lixo espalhadas pelas vias públicas, principalmente em fundos de vale e nas margens de estradas rurais. É de se perguntar sobre os motivos que levam o cidadão a descartar, em qualquer lugar, aquilo que não é mais de seu interesse.

A constatação inequívoca é a de que nosso povo precisa melhorar muito nos quesitos educação e respeito. Por conta desse comportamento tacanho e retrógrado, todos acabam pagando pela irresponsabilidade de uma minoria, que se mostra arraigada em suas práticas e costumes. Como não se pode “abrir” a cabeça de uma pessoa e ali colocar novos e salutares conceitos de convivência, resta juntar paciência para aturar os folgados cabeças duras da vida.