MULHERES SILENCIOSAS
 
Mulheres são “faladeiras”. Sim, mulher é sinônimo de gente que fala muito, quem não sabe disso? Mas não quero falar das mulheres falantes. Quero falar é das mulheres silenciosas, as que trazem em si um silêncio que jamais deveria existir: o silêncio de quem se recolhe e se cala diante da opressão, do medo e da vergonha.

Estarrecida, venho acompanhando o caso envolvendo o médium João Teixeira de Faria, em Abadiânia, Goiás, recentemente preso, em função das denúncias de estupro e assédio sexual contra mulheres de várias partes do Brasil e do Mundo. Consta dos noticiários, o número crescente destas denúncias. É, sem dúvida, um mundo de silêncio que se rompe, como uma tromba d’água em cabeceira de rio que deságua leito afora, inundando tudo, nesse caso, numa sede irrefreável por justiça, por parte das inúmeras vítimas de João de Deus, ou João de Abadiânia.

Rompe-se, por fim, o véu das mulheres silenciosas.  E elas falam de dores estancadas durante anos. Rompe-se a barreira da mudez, que revela detalhes sórdidos de um universo até então ignorado. Sim, pois mesmo que a tentativa de ruptura tenha se dado em algum momento, a realidade foi ignorada e desprezada: não levaram a sério, por exemplo, o caso de uma vítima de Belo Horizonte, que anos atrás levou seu drama aos tribunais, mas teve de conformar-se com a absolvição do réu e o arquivamento do processo aberto.

Mais de 300 mulheres (e quantas outras?) tiveram medo de falar, de gritar, de vociferar ao mundo seus dramas interiores, muitos destes, marcando sequelas para o resto da vida. Acredito nestas mulheres caladas e as compreendo. Falar de algo tão íntimo e bater de frente com o poder, a força e o descrédito é apostar em tarefa quase inglória. Esta é a lógica, embora ilógica, da grande maioria das mulheres deste País que não consegue dar voz, ou obter respostas às denúncias contra seus agressores.

Aguardo o desfecho do caso e espero sinceramente que a justiça prevaleça, seja ela qual for. Aguardo, principalmente, que o egoísmo que permeia essa história cabulosa seja vencido, pois é quase inacreditável ouvir que Abadiânia precisa de João Teixeira de Faria para preservar suas atividades comerciais financeiramente ligadas à Casa Dom Inácio de Loyola, local de atendimento do médium. Juro que me recuso a crer que há seres humanos que torcem por “um bom final para o Senhor João” para que o povo da cidade possa continuar a levar suas vidas com normalidade. Se apurada a culpa, que a pague o Senhor João, e o resto do mundo que se dane! Não há outra lógica cabível nesse lugar, é o que me parece.

Espero, por fim, que as mulheres falem, e falem muito daqui pra frente, neste e em outros casos. E que Deus, em sua versão única e verdadeira, apesar dos que usam seu santo nome em vão, encoraje e proteja as vítimas que rompem seus silêncios, desaguando de si, tantas dores e sofrimentos. Por mais justiça e menos mulheres silenciosas (ou silenciadas).